Devido a uma inclinação natural da inteligência humana, a história da filosofia caracterizou-se, segundo Bergson, pela negação da duração concreta, ou seja, pela compreensão do Ser como algo imóvel, intemporal. Da mesma forma a ciência, por uma espécie de metafísica inconsciente, reduziu a realidade àquilo que se repete, que pode ser calculado ou que já estaria dado virtualmente no passado. Nem o mecanicismo, nem o finalismo em biologia estariam, entretanto, aptos a explicar a vida no que ela tem de mais próprio, a sua potência de criação.
Uma filosofia da  vida, tal como Bergson propõe em A Evolução Criadora, ultrapassa  ambas as perspectivas, pois não interpreta o passado como uma  virtualidade do futuro nem vê na organização natural uma fabricação; não  tenta enquadrar a vida nos moldes limitados de uma inteligência que a  vida mesma criou. 
O método filosófico proposto por Bergson é  caracterizado por um esforço de redirecionamento da inteligência que,  somente contrariando a sua tendência natural, é apaz de iluminar de  algum modo o movmento próprio da vida. 
Trata-se, sobretudo de duas formas de atividade psíquica ou,  ainda, de duas espécies distintas de conhecimento. 
A  nova metafísica, fundada na intuição da duração, não é uma  sistematização da ciência, mas um conhecimento complementar que dela  difere tanto em seu método quanto no aspecto da realidade que toma por  objeto. Mas como delegar à filosofia a tarefa de remontar à origem da  vida que é puro dinamismo se a inteligência só pode apreciar o imóvel?  Primeiramente levando em consideração que o espírito transborda a  inteligência[1],  que a inteligência é apenas uma função do espírito; depois considerando  que, embora a consciência humana seja predominantemente inteligência,  uma franja de intuição a envolve e essa outra forma de atividade  psíquica que é a intuição segue, ela sim, o fluxo da vida que a  inteligência só alcança nas suas interrupções.
Torpor vegetativo, instinto e inteligência são as vias divergentes tomadas pelo élan vital no  curso do seu desenvolvimento. Não há uma hierarquia ascendente entre  essas três manifestações da vida, mas uma diferença de natureza, embora  todas possam ser remetidas à fonte vital comum.  Instinto e inteligênciaimplicam-se mutuamente, mas não se identificam nem se subordinam um ao  outro.
 O conhecimento  possibilitado pela inteligência é exterior e vazio, mais pensado e  consciente; o conhecimento instintivo é interior e pleno, mais atuado e  mais inconsciente. Embora inteligência e instinto sejam manifestações  vitais, a inteligência, enquanto instrumento de fabricação, tem  preferencialmente por objeto o sólido inorganizado, o estável e imóvel,  sendo naturalmente incapaz de uma compreensão adequada da vida. O  instinto, por sua vez, afina-se perfeitamente com o vital e, tornado  desinteressado e consciente de si mesmo (fenômeno chamado por Bergson de  intuição), pode nos revelar da vida aquilo que a inteligência  inevitavelmente deixa escapar.
Quanto  mais a ciência se aproxima do vital, mais perde em objetividade e tem  de perder, pois o vivo não se deixa apreender pelo método objetivo. Cabe  então à filosofia, com um novo método, evitar que a análise dos fatos  biológicos e psicológicos fique limitada à ciência positiva que busca no  rigor matemático seu modelo. Iluminadas pela abordagem filosófica,  biologia e psicologia se acercariam do vital com mais propriedade, pois é  justamente o caráter psicológico da vida o que a intuição filosófica  vem apontar.
 A ciência, que lida com a matéria espacializada, toma-a por  objeto tal como ela se nos apresenta já adaptada à nossa inteligência,  mas, se a física toma por objeto a matéria assim analisada em sua  adaptação natural à inteligência, a metafísica pretendida por Bergson  toma por objeto o fluxo vital cuja interrupção se apresenta como  matéria. Na origem desse fluxo de vida há consciência ou  supra-consciência[2];  não a nossa consciência limitada, que só se atém ao já feito, não o  nosso querer limitado que se esclarece em motivos e que se deixa  determinar, mas o puro querer, a corrente volitiva que atravessa a  matéria, comunica a vida e que só pode ser iluminada no dinamismo que  lhe é essencial.
Tanto  a ciência quanto a metafísica deixaram escapar de suas investigações o  tempo real, i.e, a duração.
A ciência busca aquilo que é mensurável e  aquilo que é mensurável caracteriza-se justamente por não durar. No caso  da metafísica, a perda da duração relaciona-se à linguagem, pois esta,  não encontrando meios de exprimir o tempo real, mescla-o ao espaço,  falando do movimento como uma série de posições e da mudança como de  estados sucessivos. Tal afastamento da duração ou mascaramento do tempo  real deve-se a um condicionamento do intelecto que, destinado a ação,  busca exercê-la sobre pontos fixos.
 Não estamos, porém, condenados a um  distanciamento do tempo real, pois a duração que a ciência e a  metafísica eliminam, sentimo-la em nós. A restituição do movimento à sua  mobilidade, da mudança à sua fluidez, do tempo à sua duração remete-nos  à interioridade ao mesmo tempo em que reabilita a metafísica a partir  da experiência interna da própria duração.
A  reflexão de Bergson sobre a duração fê-lo erigir a intuição como método  filosófico, mas, diferentemente da utilização do termo por outros  filósofos, a intuição bergsoniana seria uma reinserção no próprio tempo e  não um salto para o eterno. Filósofos como, por exemplo, Schelling e  Schopenhauer, já haviam contraposto a intuição à inteligência, mas,  aceitando o pressuposto da idealidade do tempo, identificaram a  superação da inteligência com a saída da temporalidade. A tese de  Bergson, porém, é que a inteligência não opera naturalmente sobre o  tempo real, isto é, sobre a duração, mas que é capaz de fazê-lo através  de um esforço que reverte a sua inclinação natural. Esse esforço,  contração ou tensão é o que Bergson chama de intuição e define como  consciência imediata do fluxo da vida interior, passível de ser  prolongada em intuição da consciência em geral por meio de uma “simpatia  divinatória” com tudo o que vive e dura. Tratar-se-ia, neste caso, de  uma intuição do vital; recuperação, pela consciência, do elã de vida que  também está em nós. A intuição é, pois, o método da metafísica,  enquanto o espírito (ou o que há de espiritual na matéria) é seu objeto.  À ciência caberá a análise da matéria, por intermédio da inteligência.  Ciência e metafísica são, portanto, métodos diferentes, mas  complementares e de igual valor, que consideram metades diferentes de  uma mesma realidade.
Embora  consciência e cérebro apresentem-se ligados no homem, a hipótese de  Bergson é a de que o cérebro é dispensável para a consciência[3].  O cérebro seria um órgão especializado, capaz de responder mais  perfeitamente à função de escolha, própria da consciência. Enquanto a  medula contém um certo número de respostas prontas a estímulos  possíveis, o cérebro aciona um mecanismo motor escolhido e não  simplesmente imposto. Adotando uma perspectiva descendente na observação  do reino animal vemos confundirem-se cada vez mais as funções medular e  cerebral, i.e., fundirem-se cada vez mais automatismo e escolha.  Entretanto, a mera possibilidade de resposta, através de movimentos, a  uma determinada excitação é por Bergson compreendida como um rudimento  de consciência.
Baseada  em uma substituição do percepto pelo conceito, a filosofia, construída  no terreno da dialética, estaria fadada ao conflito entre sistemas, como  já o diagnosticara Kant, caso não pudesse, de alguma forma, remontar à  percepção em um esforço de intuição. Segundo Bergson, é possível uma  dilatação, uma extensão, um alargamento ou aprofundamento da percepção  capaz de dotar a filosofia da precisão de que ela carece quando  permanece no domínio puramente conceitual. Tal possibilidade encontra  seu fundamento na tese bergsoniana da constituição do conhecimento por  dissociação brusca ao invés de associação de elementos simples[4]. Essa tese, apresentada na obra matéria e memória, ao  considerar que a percepção supera o estado cerebral que corresponde à  nossa representação, fundamenta a hipótese de uma percepção mais ampla  que aquela que se dá em função da nossa faculdade de agir; tal hipótese  encontra respaldo ainda na constatação da existência de homens  “despreendidos”, nos quais a faculdade de perceber, desvinculada da  faculdade de agir, torna-se uma visão privilegiada das coisas, visão  esta que nos é apresentada nas obras de arte. Uma vez constatada a  possibilidade de uma percepção desvinculada da necessidade de ação,  caberia à filosofia deslocar metodicamente a nossa atenção para essa  percepção mais completa da realidade. Ainda, dado que se estabeleceu uma  relação entre desinteresse e amplitude de percepção, caberia também ao  filósofo interpretar o significado metafísico da ação desinteressada,  tão característica das almas generosas e santas.
A  evolução seria vista então como um esforço de liberação que se realiza  no homem, sendo a alegria o sinal de que a energia espiritual que evolui  encontrou sua destinação. Distinta do prazer, trata-se da alegria  presente em toda criação, cujo apogeu seria a ação generosa das almas  místicas por onde atravessaria sem obstáculos a impulsão vital original  sob a forma de amor. Os místicos seriam misteriosamente insuflados pelo  mesmo élan cujo desenvolvimento resulta no interminável  espetáculo da evolução. Dado esse fato, o método da “intuição  filosófica” não nos pede mais que uma experiência de simpatia com  relação a esses grandes homens de bem cuja atividade plena de entusiasmo  religioso seria reveladora de “verdade metafísica.”
A  religião chamada por Bergson de primitiva, natural ou estática é uma  resposta da natureza à perturbação que a inteligência traz à vida  individual ou social, seja quando inclina o homem ao egoísmo, seja  quando debilita o ímpeto vital com a idéia da morte. Em ambos os casos  entram em cena as representações religiosas fabricadas pela função  fabuladora da inteligência. São então criados deuses que asseguram  punição e castigo para aqueles que, seguindo uma inclinação egoísta,  prejudicam a coesão social. Representa-se também a imagem de uma vida  após a morte ou, ainda, figuram-se potências favoráveis ou desfavoráveis  aos anseios individuais capazes de preencher o espaço de indeterminação  entre o desejo e sua concretização. 
A religião estática está, portanto,  sempre ligada à representação, havendo na evolução das representações  religiosas um progresso que corresponde ao processo civilizatório. A  religião dinâmica, porém, no que tem de mais característico, ultrapassa o  âmbito da representação porque é contato direto com a vida, é retorno à  origem do instinto e da inteligência através da intuição mística.
Mas“Moral  fechada” ou “religião estática”, “moral aberta”, ou “religião  dinâmica”, tudo é de essência biológica, pois se dá em função da vida.  No primeiro caso, em função de uma vida que quer se conservar; no  segundo caso, em função de uma vida que quer se superar. O élan vital é  a fonte de toda moral e toda religião. Abaixo do plano da inteligência  está a obrigação moral que, atuando com uma força comparável à do  instinto, assegura a coesão e a ordem da sociedade.
 Acima do plano da  inteligência está o apelo sobre-humano lançado às almas heróicas, cuja  atuação renova a sociedade e faz nascerem novas idéias. 
No  comum dos homens, a inteligência permanece serva do instinto de  conservação individual ou social, enquanto em alguns indivíduos  excepcionais ela ultrapassa essa necessidade de sobrevivência ao  mergulhar na fonte da potência fundamental que domina a vida. Essa  potência é o amor. Há, pois, menos diferença entre o animal e o homem  comum lutando ambos pela sobrevivência do que entre um homem comum e  aquele que conseguiu superar as necessidades da espécie e as naturais  inclinações egoístas, pondo-se em contato com o impulso vital e agindo  sempre com generosidade.
O  pragmatismo de Bergson não nega seu espiritualismo, pois no homem a  evolução criadora torna-se capacidade de criar-se a si mesmo, de se  fazer moralmente perfeito. 
A vida mística ou a via mística seria aquela  em que, através de um retorno à sua fonte, através de um aprofundamento  da própria humanidade, o homem descobre que o seu destino é tornar-se  mais que homem, é tornar-se como um deus. A experiência mística  apresenta-se ao olhar de Bergson como o zênite da evolução criadora,  como ponto culminante dos esforços do espírito, como destinação maior do  homem que logrou mais nessa vida do que sobreviver. Em acordo com a  consideração da essência biológica da moralidade, a potência de ação das  almas místicas adviria de uma intensificação do élan vital  através do contato com a sua fonte. A moral e a religião são naturais,  embora essa natureza tenha obtido no homem a capacidade de ir além de si  mesma. É natural para o homem ir além da humanidade, i.e., além daquilo  que o caracteriza enquanto espécie e que o conserva em sociedade. É  natural, mas é raro; é a destinação de todo homem, mas é um destino  excepcional.
A  religião, enquanto produto da própria inteligência, tem como função  básica salvaguardar a vida em sociedade, mas pode ir além dessa função  primária. A natureza nos destina a uma sociedade (fechada), mas tal  destinação natural pode ser ultrapassada pelo impulso moral advindo de  fontes mais profundas que a mera pressão social.
 Essa fonte mais  profunda é o próprio princípio da vida. 
A  determinação natural da inteligência, voltada para a sobrevivência do  indivíduo e para a preservação da espécie, limita normalmente a religião  a um conjunto de normas supostamente desprovidas de genealogia e cuja  função social já foi sobejamente constatada. A dimensão utilitária da  religião pode, entretanto, ser ultrapassada. Essa possibilidade  relaciona-se à origem comum a que se pode remeter tanto a inteligência  quanto o instinto, pois se no homem a inteligência, através da função  fabuladora, conduz à religião estática, petrificada em instituições e  costumes, o instinto com sua potencialidade intuitiva, pode conduzir à  religião dinâmica, através da experiência de contato com o processo  contínuo de criação. 
Os místicos, principalmente cristãos, exprimem esse  contato como sendo uma experiência de amor que se eleva de suas almas a  Deus e retorna estendendo-se a toda a humanidade[5].
 Enquanto  a religião estática estabiliza a moral em rígidos dogmas, tomando-a por  imutável e definitiva, os fundadores e reformadores religiosos  dinamizam-na, elevando-a um maior grau de pureza e espiritualidade,  libertando-a das fórmulas mortas que a cristalizaram. O sentimento de  identificação com o esforço criador da vida se manifesta nessas grandes  almas sob a forma de vontade de amar. Antes da religião que se  estabelece, da metafísica que a fundamenta e para além da moral que a  antecede há a emoção do indivíduo que adquiriu no contato com o  princípio da vida, a força de amar toda a humanidade.Antes do  cristianismo há o Cristo[6]  que, estremecendo os alicerces da religião judaica, levou adiante a  evolução espiritual dos homens, propagando e exercendo a caridade,  emoção típica do cristianismo.
O verdadeiro misticismo, sendo definido em sua relação com o élan vital, é  um fenômeno raro, compreendido por Bergson como o transbordamento da  energia criadora em um indivíduo capaz de ir além do que é natural à  espécie humana. O misticismo ou a religião dinâmica seria uma retomada  do processo evolutivo ou do esforço criador que estacionara na  inteligência humana como se aí houvesse encontrado seu triunfo final. O  místico está ligado de alguma forma à origem da vida e o que lá se  encontra, afirma Bergson, é uma supra-consciência[7]. 
 Mas falar de consciência é falar de um movimento que pode ir do  automatismo à ação refletida e da ação refletida à ação amorosa das  almas que, identificadas com o “esforço criador que é de Deus, senão o  próprio Deus[8]”derrubaram  a última barreira que as separava da liberdade absoluta e da alegria  definitiva: a própria vontade. 
O misticismo completo não é, pois, apenas  possibilidade de contemplação e êxtase, mas potência de ação capaz de  levar a realizações extraordinárias. 
Essa “superabundância de  atividade”, quase sempre relacionada à difusão do cristianismo[9], adviria da união com Deus; união não apenas de sentimento e pensamento, mas principalmente de vontade[10].  Retornando à sua origem, a vontade individual renuncia a si mesma e  encontra a liberdade ao deixar coincidir sua ação com a atividade  divina. A união mística caracteriza-se assim não pela inação ou  passividade, mas pela ação inteiramente generosa de uma vontade que,  desinteressada de si mesma, passou a querer apenas o bem:
 “A união  mística – lê-se na explicação da máxima dos santos - nada mais é  que a simples realidade do amor sem interesse próprio. É o mais alto  estado da justiça cristã...porque ele é o mais voluntário”[11].
Manifestando-se  em obras, a mística cristã revela a essência metafísica do amor,  desvelando o segredo da criação: “A criação [...] aparecerá como um  empreendimento de Deus para criar criadores, para se juntar a seres  dignos de seu amor[12]”.  Para surgirem, esses seres dignos do amor de Deus precisaram de outros  seres vivos que foram a sua preparação, assim como precisaram de uma  materialidade sobre a qual exerceriam seu esforço: “Eles só puderam  surgir em um universo, e foi por isso que o universo surgiu[13]”. O homem é portanto a razão de ser da vida na terra e o triunfo da  evolução criadora; não por ser dotado de inteligência, mas por ser capaz  de amar.
Apesar  de apontar a inteligência como uma fonte de perturbação da vida e como  geradora - através da religião criada pela função fabuladora - de falsas  soluções para a inquietude que ela mesma promove, Bergson não estaciona  no tema da angústia. O contato efetivo com o elã da vida e com a sua  fonte, do qual dão testemunho os místicos, possibilita a superação do  caráter trágico da existência humana, dando lugar a uma serenidade  perene e a uma alegria sem culpa. 
É a essa serenidade que se dirige o  homem enquanto sentido da evolução.
Mas  evolução não significa progresso linear, necessário ou contínuo. O  movimento da vida apresenta paradas, retrocessos e um permanente  conflito entre o risco criador e a conservação do que foi criado, entre o  “aberto” e o “fechado”, o “estático” e o “dinâmico”. Tal conflito pode  ser observado em todo ser humano que busca transcender a própria  natureza. Pode-se dizer que a luta em busca dessa transcendência  caracteriza o esforço da moralidade. Quando a superação da própria  natureza dá-se apenas em função da adequação social, fala-se em moral  fechada; quando essa auto-superação se dá em função do amor, fala-se em  moral aberta. No exercício desta, o conflito se intensifica, pois não se  trata mais apenas de uma luta contra a própria natureza, mas também de  uma luta contra a sociedade, cujas bases fundadas na inteligência e não  no sentimento não suportam o impulso de amor que dá continuidade ao  esforço criador da vida. 
Pode-se  dizer que, antes de focalizar seu interesse na mística, já havia, na  obra de Bergson, um espaço aberto para esse tipo de experiência. Para  além dos falsos problemas tradicionalmente enfrentados, o que a  metafísica carecia era antes de uma experiência imediata que os  dissipasse. Ultrapassando a teoria e os limites de uma abordagem externa  ao objeto, a experiência mística se apresenta como vivência interna de  um contato; mais precisamente contato de um indivíduo com a força  criadora da vida. O testemunho do místico valeria assim como critério  empírico para uma filosofia que não abandonou a sua pretensão  metafísica, mas guardou sua dimensão existencial através da inserção na  temporalidade real, no devir, na evolução criadora. Essa coincidência  com a duração equivaleria nos místicos a um acompanhamento da força  criadora através de uma sobrecarga na potência de agir; ação essa  caracterizada não pelo interesse individual, mas pelo desinteresse de si  em favor da humanidade.
 Mais do que a experiência contemplativa e  extática, o que marca as almas místicas é a generosidade; a vontade de  distribuir para a humanidade inteira o amor em cuja fonte inesgotável  ela soube se nutrir.
“estático”  e o “dinâmico”. Tal conflito pode ser observado em todo ser humano que  busca transcender a própria natureza. Pode-se dizer que a luta em busca  dessa transcendência caracteriza o esforço da moralidade. Quando a  superação da própria natureza dá-se apenas em função da adequação  social, fala-se em moral fechada; quando essa auto-superação se dá em  função do amor, fala-se em moral aberta. No exercício desta, o conflito  se intensifica, pois não se trata mais apenas de uma luta contra a  própria natureza, mas também de uma luta contra a sociedade, cujas bases  fundadas na inteligência e não no sentimento não suportam o impulso de  amor que dá continuidade ao esforço criador da vida. 
Pode-se  dizer que, antes de focalizar seu interesse na mística, já havia, na  obra de Bergson, um espaço aberto para esse tipo de experiência. Para  além dos falsos problemas tradicionalmente enfrentados, o que a  metafísica carecia era antes de uma experiência imediata que os  dissipasse. Ultrapassando a teoria e os limites de uma abordagem externa  ao objeto, a experiência mística se apresenta como vivência interna de  um contato; mais precisamente contato de um indivíduo com a força  criadora da vida. O testemunho do místico valeria assim como critério  empírico para uma filosofia que não abandonou a sua pretensão  metafísica, mas guardou sua dimensão existencial através da inserção na  temporalidade real, no devir, na evolução criadora. Essa coincidência  com a duração equivaleria nos místicos a um acompanhamento da força  criadora através de uma sobrecarga na potência de agir; ação essa  caracterizada não pelo interesse individual, mas pelo desinteresse de si  em favor da humanidade. Mais do que a experiência contemplativa e  extática, o que marca as almas místicas é a generosidade; a vontade de  distribuir para a humanidade inteira o amor em cuja fonte inesgotável  ela soube se nutrir.
...[1] Para Bergson, “há infinitamente mais numa consciência humana do que no cérebro correspondente” (A alma e o corpo in A energia espiritual. p.41).  Limitando-se a traduzir em movimentos uma pequena parte do que se passa  na consciência, o cérebro seria, para a atividade mental, o mesmo que a  batuta do maestro para a sinfonia (ibid. p.47). Em Matéria e memória, Bergson  procura demonstrar a tese de que o cérebro é um órgão de atenção à  vida, cujos dispositivos permitem ao espírito responder à ação das  coisas com reações motoras, efetuadas ou simplesmente nascentes,  respostas essas que asseguram a inserção do espírito na realidade. O que  comumente se toma por uma perturbação da vida psicológica seria antes  uma perturbação na solidariedade da vida psicológica com o seu motor (Matéria e memória, prefácio).  O estado cerebral indicaria, em suma, apenas uma reduzida parte do  estado psicológico, justamente porque só é capaz de armazenar o passado  na forma de dispositivos motores, enquanto a memória mesma, na  forma de lembranças, seria a própria duração acumulando-se a si própria,  a vida psíquica na sua integridade. 2]   [...] É a consciência, ou melhor, a supra-consciência que está na   origem da vida [...] Mas esta consciência, que é uma exigência de   criação, só se manifesta a si mesma lá onde a criação é possível. Ela   adormece quando a vida é condenada ao automatismo; ela desperta desde   que ressurja a possibilidade de uma escolha. ( EC, p. 261-262)
[3]   Bergson não cansa de repetir que do fato de haver entre o cérebro e a   consciência uma relação de solidariedade não se segue que ambos se   identifiquem. Para Bergson, com a possibilidade de uma redução   mecanicista na abordagem das ciências da natureza, a totalidade do   universo material em toda a sua complexidade vital passou a ser pensado   como uma grande máquina na qual deveriam engrenar-se inclusive os  corpos  vivos em geral e o corpo do homem em particular (A alma e o corpo in A energia espiritual, p.   39). A biologia, portanto, mesmo precisando lidar com algo não   redutível à matéria, manteria sua filiação a esse instinto de precisão   advindo do gênio grego e “também gostaria de, por intermédio da   fisiologia, reduzir as leis da vida às da química e da física, ou seja,   indiretamente, da mecânica. De modo que, definitivamente, nossa ciência   tende sempre para o matemático, como para um ideal: visa  essencialmente a  medir” (ibid, p.71). Dentro desse contexto, o  problema mal posto  e mal resolvido por Descartes da relação entre corpo  e alma passa a ser  abordada pelos cientistas com os métodos de  observação e experimentação  externa de que tradicionalmente dispõem,  limitação que requer uma  identificação entre pensamento e cérebro, já  que seu método de pesquisa  desenvolveu-se tão somente para a análise  daquilo que é material. A  filosofia do séc. XVII, por sua vez, não  apresentara, segundo Bergson,  nada diferente da hipótese do paralelismo  rigoroso entre corpo e alma,  hipótese essa “deduzida muito  naturalmente dos princípios gerais de uma  metafísica concebida, pelo  menos em grande parte, para dar um corpo às  expectativas da física  moderna.” (ibid, p.39)
[4] P.M. p. 1373
[5]   “[...]pois o amor que o consome não é mais simplesmente o amor de um   homem por Deus, é o amor de Deus por todos os homens. Através de Deus,   por Deus, ele ama toda a humanidade com um divino amor” (D.S.M.R. p.247)
[6]   “Misticismo e cristianismo se condicionam portanto um ao outro   indefinidamente. É necessário, entretanto que tenha havido um começo. De   fato, na origem do cristianismo há o Cristo.” (D.S.M.R. p. 253-254)
 
 
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