quinta-feira, 21 de julho de 2011
A CONCEPÇÃO DE TEMPO EM AGOSTINHO
A METAFÍSICA DE HENRI BERGSON
Prof. Adjunto do Dep. de Filosofia
INTRODUÇÃO:
A intuição foi sempre a arma preferida do filósofo. Por isso se nos apresenta como o método fundamental da filosofia de todos os tempos.
Trata-se de um ato simples, único, do espírito por meio do qual captamos a realidade de um objeto dado. Intuição vale tanto como visão, (do latim intuere = ver) e ver algo significa conhecer esse algo direta e imediatamente, sem intermediários de espécie alguma. Esse é o caráter mais evidente do conhecimento intuitivo.
Costuma-se opor à intuição o conhecimento discursivo. Este consiste, não num só ato, senão numa série de atos, dirigidos ao objeto para apreender a sua essência, a sua realidade. O conhecimento discursivo, o discurso (do latim discurrere = discorrer) sugere a idéia de um conjunto de atos que o nosso espírito deve praticar para chegar, por rodeios e pontos de vista diversos, à captação do objeto que se propõe. O conhecimento discursivo é, essencialmente, mediato e indireto. Este é o seu caráter distintivo.
Cabe perguntar: existe realmente a intuição? Que existe, ninguém o pode negar. Temos um primeiro exemplo na intuição sensível. Percebemos imediatamente o dado na experiência externa, uma árvore, uma mesa; na experiência interna, a dor, a alegria. Não é esta, entretanto, a intuição de que se vale o filósofo para fazer filosofia. Por duas razões fundamentais: a primeira, porque a intuição sensível aplica-se única e exclusivamente a objetos que se oferecem aos nossos sentidos, e os filósofos trabalham com objetos não sensíveis. A Segunda, porque a intuição sensível só pode nos proporcionar um conhecimento válido apenas para esse objeto particular; ao passo que a filosofia só se preocupa com o conhecimento universal dos objetos.
Existe, entretanto, na nossa vida psíquica, um outro tipo de intuição que podemos denominar de "espiritual", pois é o espírito e só o espírito que pode praticá-la. Quando eu digo, por exemplo, que a cor amarela é distinta da cor verde, que a distância de um metro é menor do que a distância de dois metros, etc. vejo essas diferenças com os olhos do espírito através de uma visão direta e imediata. Sensível é a intuição do amarelo e também a do verde. Porém, a relação de diferença, que não é um objeto sensível, só pode ser percebida diretamente pelo espírito.
Os exemplos citados, que podem multiplicar-se indefinidamente, nos ilustram sobre a existência de certos objetos não sensíveis, que se constituem por relações e têm um caráter puramente formal, isto é, prescindindo, portanto, do conteúdo, do que eles sejam realmente. Essa intuição espiritual formal, entretanto, nada tem a ver com a intuição que o filósofo pratica para penetrar, além da forma, na essência, na realidade mesma das coisas que é sua pretensão específica como pensador. Para esse exemplo, a filosofia dispõe de outro tipo de intuição que, para distinguí-la da anterior, chamaremos de "intuição real", pois é esta intuição de caráter real que vai permitir o filósofo sair de si, através do espírito, para entrar em contato com a realidade íntima das coisas em seus aspectos vários.
Esta intuição real pode ser de diversa índole. Conforme o filósofo adote uma atitude intelectual, emocional ou volitiva, teremos, consequentemente, três tipos diferentes de intuição: intelectiva, volitiva, emotiva.
Tentemos preencher este esquema formal abstrato com um conteúdo histórico concreto, destacando alguns filósofos atuais mais representativos. Em primeiro lugar, a intuição intelectual é um esforço, por parte do filósofo, para captar diretamente, mediante um só ato do espírito, a essência, isto é, o que o objeto é. Intuição intelectual vale tanto como visão de essências. Filósofos como Platão, Descartes, Schelling, Husserl, são seus representantes mais genuínos.
Notadamente Husserl se esforça, através do método fenomenológico, por mostrar, que toda representação sensível vem lastrada de uma essência, de um "éidos", pois, segundo ele, toda representação ou fenômeno, pode ser olhado de dois pontos de vista: um psicológico, porquanto ele tem uma individualidade psicológica própria; outro, referencial, porquanto ele contém a referência intencional a um objeto.
A intuição husserliana consiste então em olhar para uma representação qualquer, prescindindo de sua singularidade própria, despindo-a de seu caráter existencial, e tentar ver nela, com um ato da inteligência, o que tem de essencial, a sua essência geral, universal, o seu "éidos". Por este aspecto, bem pode ser qualificada de intuição essencial.
A intuição volitiva tem, por sua vez, também seu correlato no objeto.
Trata-se agora, não da essência, senão da existência do objeto.
A existência revela-se diretamente à nossa vontade, porquanto é o objeto, como existente, que oferece resistência e constitui um obstáculo ao nosso agir, ao nosso querer.
Também a intuição volitiva tem seus porta-vozes na história da filosofia: Fichte, Maine de Biran, Dilthey. Este, no seu ensaio "Sobre a origem e Legitimidade de Nossa Crença na Realidade Exterior", mostra a impossibilidade da inteligência, da razão, para informar-nos da realidade, da existência das coisas. A experiência íntima do homem constitui-se pela consciência de impulsos volitivos e pela consciência da resistência e dos impedimentos que o dinamismo impulsivo experimenta. O homem é, antes de tudo, um ser de vontade, de desejo, um ser dinâmico que, quando quer, tropeça com mil obstáculos. São esses obstáculos e dificuldades, impostos ao nosso agir, que nos dão notícia, direta e imediatamente, da existência das coisas.
Os objetos, entretanto, não são apenas, não existem apenas; eles valem. É o valor o correlato da intuição emotiva que conta com expressivo número de representantes: Plotino, Santo Agostinho, São Boaventura, Espinosa, Hume e, na época contemporânea, Max Scheler chamado o filósofo dos valores. Para este, os valores são campo fechado ao intelecto, o qual torna-se tão cego para eles, como o ouvido para as cores. Os valores são apreendidos imediatamente pelo espírito, de modo análogo àquele em que as cores o são pelos nossos olhos.
Ao lado dos tipos de conhecimento intuitivo, acima mencionados, queremos estudar a intuição como é concebida por Henry Bergson, cognominado, o filósofo da intuição. Tal é a pretensão específica do nosso trabalho, que dividimos em três partes assim distribuídas:
1 O objeto da filosofia bergsoniana.
2 A inteligência, órgão da filosofia?
3 A intuição, órgão específico da filosofia.
1 OBJETO DA FILOSOFIA BERGSONIANA
É bem sabido que o pensamento filosófico da Segunda metade do século XIX e primeiras décadas do XX, esteve dominado amplamente pela técnica positivista e cientificista. Julgava-se então que a filosofia, e mais concretamente a metafísica, carecia do direito à existência.
Ela não possui, dizia-se, um objeto real próprio que conhecer, nem um método seguro e frutífero que aplicar. Os problemas que por ventura ela vem estudando, desde o seu nascimento, ou são fictícios ou insolúveis, e em nenhum dos dois casos vale a pena ocupar-se deles. Consequentemente, os métodos empregados para resolvê-los hão de ser forçosamente ineficazes.
Este modo de pensar positivo, estreito e dogmático, é contestado, com brilhantismo, por Henry Bergson. Toda a sua doutrina está voltada, precisamente, para a defesa da legitimidade da filosofia, assegurando-lhe um objeto próprio, e para a conquista, dentro do quadro geral do conhecimento, de um lugar adequado à metafísica. Nisto consiste o seu mérito principal como filósofo.
Mas, existe, verdadeiramente, alguma porção da realidade inabordável aos métodos científicos? A grande originalidade de H. Bergson está em mostrar que, efetivamente, existem vastas regiões da realidade, onde o conhecimento científico não penetra, nem pode penetrar; regiões acessíveis unicamente à filosofia ou metafísica.
O real, segundo H. Bergson, pode ser estudado tanto pela filosofia como pela ciência. Cabe, porém, à filosofia o domínio da realidade espiritual, ao passo que à ciência o que é material.
"Nada do grande sistema que abraça todo o possível e, às vezes, também o impossível: Contentemo-nos com o real, matéria e espírito... só haverá então uma filosofia, como só há uma ciência". (1)
Mais explicitamente se exprime nosso filósofo, quando diz:
"Assinalamos, pois, à metafísica um objeto limitado, principalmente o espírito, e um método especial, antes de tudo a intuição. Assim distinguimos nitidamente a metafísica da ciência". (2)
A metafísica, portanto, (Bergson usa os termos "filosofia e metafísica", indistintamente) tem, com objeto principal, a vida interior da alma. A psicologia, segundo Bergson, não pode ser uma ciência do cálculo e da medida, porquanto ela é rebelde ao cálculo e à medida. Nem pode ser reduzida ao estudo anatômico e filosófico do cérebro, porquanto não existe uma equivalência perfeita entre o cérebro e o espírito. Sendo mobilidade pura contínua e consciência subtrai-se a ser tratada com categorias estáticas e científicas, forjadas para conhecer a matéria imóvel, sólida e divisível. O só intento de aplicação dos métodos científicos implicaria necessariamente no endurecimento, na materialização da própria alma, reduzindo-a a um falso atomismo de estados de consciência.
"Isto não quer dizer que a ciência não possa obter aí algum conhecimento; mas este conhecimento torna-se tanto mais vago quanto mais se distancia da fronteira comum ao espírito e à matéria". (3)
Assim os resultados do intento, não somente são nulos ou insignificantes, senão que a empresa torna-se essencialmente irrealizável tão logo nos ponhamos em contato imediato com a consciência.
O grande erro que os filósofos cometeram até agora, foi dispensar um tratamento científico a um objeto que só pode ser alcançado por meios filosóficos, confundindo assim ciência com metafísica.
"Tal é, entretanto, a tentativa dos filósofos que buscam recompor a pessoa com estados psicológicos... Empiristas e racionalistas são vítimas aqui da mesma ilusão. Uns e outros tomam as notações parciais, por parte reais, confundindo assim o ponto da análise com a intuição, a ciência com a metafísica... Psicólogos pelo método que aplicam permaneceram metafísicos pelo objeto que se propõem". (4)
Essa confusão entre metafísica e a ciência desaparece tão logo saibamos respeitar o que corresponde a uma e a outra e os seus métodos respectivos.
"Bem diferente é a metafísica que colocamos ao lado da ciência. Reconhecendo à ciência o poder de se aprofundar na matéria somente pela força da inteligência, se reserva o espírito". (5)
Temos, pois, que a metafísica possui um objeto próprio. Cabe a ela investigar, primeiramente, a realidade espiritual, "quem diz espírito diz antes de tudo, consciência, e quem diz consciência diz ação que incessantemente se cria e se enriquece".
Acontece, porém, que o homem não é o único que vive no universo. Com ele e antes dele, vive uma infinita variedade de seres, animais, vegetais, grandes, pequenos e até microscópicos.
Uma corrente imensa atravessa o mundo em todas as direções: corrente que culmina no homem, na alma humana, prolongação terminal e expressão suprema dessa vida. Assim a metafísica deve estender seu campo de ação à vida em geral, porquanto essa corrente vital escapa, de igual modo e por definição, aos métodos da inteligência discursiva, isto é, da ciência.
"Mas, simpatizamos apenas com a existência? Se todo ser vivo nasce, desenvolve-se e morre; se a vida é uma evolução e se a duração é uma realidade, não existe uma intuição do vital e, consequentemente, uma metafísica da vida, que prolongaria a ciência do vivente? Sem dúvida". (6)
A ciência biológica, desde sempre, não tem poupado esforços para apoderar-se desse "quid" essencialmente inapreensível que é a vida. Esforços inúteis, porque seu maior êxito consiste em adquirir notícia, ora de uma forma nova, ora de uma função inédita, ora, em fim, de uma semelhança original entre formas ou funções que pareciam, a simples vista inconciliáveis. Contudo, os métodos utilizados até agora, não conseguiram descobrir além daquilo que a vida tem de material e que nela existe de exprimível em termos de extensão: formas, funções, caracteres visíveis, organização exterior. Mas não podemos confundir a vida com a concreção material, em que ela se veste. É certo que
"a ciência nos dará cada vez melhor a físico-química da matéria organizada; mas a causa profunda da organização, que, vemos bem, não entra nem no quadro do puro mecanismo nem no da finalidade propriamente dita... não a atingiremos reinstalando-nos pela consciência no elã de vida que existe em nós?" (7)
A ciência, pois, em todo o refinamento de seus métodos não chega, nem pode chegar à causa profunda do organismo que é o elã vital, a própria vida. Esta é também movimento indivisível e contínuo, sendo o espírito humano uma etapa, a última e a mais intensa dessa prodigiosa corrente que começa no humilde protoplasma e se expande por toda a natureza em esplêndidas criações vitais.
Alma e vida são, assim, os objetos típicos da filosofia bergsoniana.
À inteligência científica, a matéria, o sólido, a extensão.
À filosofia, a vida, o espírito, o movimento indiviso da intimidade psíquica e vital. Para a ciência, o externo. Para a filosofia, o interno.
Ciência e filosofia distinguem-se, pois, pelos objetos que investigam.
Essa distinção, entretanto, na concepção bergsoniana, não é tão radical como, a primeira vista, pode aparecer. Bergson descarta, pura e simplesmente, tratar-se de uma superposição de conhecimentos de tal maneira que a metafísica correspondesse um saber superior e mais profundo de objetos que estão além dos físicos.
"A metafísica não é superior à ciência positiva; ela não vem, depois da ciência considerar o mesmo objeto e obter um conhecimento mais alto. Supor entre elas esta relação, como faz a maior parte dos filósofos, é ser infiel a uma e a outra". (8)
Bergson concebe sua metafísica, não em oposição senão como alargamento ou prolongação do labor científico. Embora distintas nos seus objetivos e métodos, elas devem manter-se unidas e conjugar esforços no sentido de acelerar o progresso do conhecimento humano. Distinção não significa separação. E essa união efetiva-se em dois pontos principais. De um lado, a metafísica não dispensa, sem mais, os conceitos que podem ser-lhe úteis e até, em determinados casos, imprescindíveis. Contudo, ela deve liberar-se da rigidez conceitual inflexível, e trabalhar com "representações flexíveis, móveis, quase fluídas, sempre prestes a se moldarem sobre as formas fugitivas da intuição". Às vezes, sem clausurar-se nos estreitos limites da representação conceitual, "a intuição pode ser-nos sugerida por imagens".
De outro, a experiência se constitui como ponto de contato comum a ambos conhecimentos. "Ciência e metafísica se diferenciarão pelo método, mas se comunicarão na experiência". (9)
Repetidamente Bergson nos adverte que seu método e pensamento se afastam da experiência que recolhem os dados da observação, não só do senso comum, como também dos resultados das ciências positivas, sendo sua metafísica construída sobre a experiência verdadeira da vida e não sobre vazias abstrações racionais.
Pois
Por último para dissipar temores infundados de que a filosofia tivesse a pretensão de minimizar ou mesmo substituir o projeto científico, Bergson assim exprime:
E conclui:
Assim a metafísica complementa a ciência pelo lado que a ciência não pode conhecer. A ciência limitando-se à matéria e através da inteligência, tem que ir, necessariamente, de um lado a outro, ligando-os por meio de leis e relações, porém sacrificando a interioridade, a realidade plena de cada elemento do enlace. Ao passo que a filosofia, prescindindo dos enlaces, se lança diretamente sobre a coisa mesma, penetrando-a na sua intimidade por meio da intuição. Com isso colocamos o problema do método da filosofia.
2. A INTELIGÊNCIA: MÉTODO DA FILOSOFIA?
È importante destacar o que Bergson pensa sobre a inteligência e as funções que lhe atribui. Pois é em oposição a ela que aparece com mais nitidez a sua doutrina sobre a intuição. O princípio pedagógico antigo: "opposita inter se positamagis elucescunt" (coisas opostas, colocadas, umas frente às outras, mais se destacam), tem, no pensamento bergsoniano, sua concreta aplicação.
A inteligência constitui, junto com a intuição, o tema central de sua filosofia, ao qual nos remete constantemente ao longo de sua obra. Em particular, encontramos uma análise mais detalhada do papel que ela desempenha no conhecimento humano, na 2ª parte de "O pensamento e o movente" e no 2º capítulo de "A evolução Criadora".
Deveríamos começar pela definição de inteligência mas isso é impossível. "Nem inteligência, nem instinto se prestam a definições rígidas; trata-se de tendências e não de coisas". (13)
Mas, se não podemos dar uma definição rigorosa do que seja a inteligência, podemos, entretanto, descrever-lhe os traços essenciais a partir do momento em que ela sai das mãos da natureza.
Pelo seu processo evolutivo mostra, que ela está destinada a fabricar objetos. Ora, a fabricação se exerce sobre a matéria bruta; e mesmo emprega materiais organizados, ela os trata como objetos inertes.
"Da matéria bruta em si ela só retém o sólido, o resto se esquiva por sua própria fluidez. Assim, se a inteligência tende a fabricar, pode-se prever que o existente de fluído no real lhe escapará em parte, e o que há de propriamente vital no ser vivo lhe escapará completamente. Nossa inteligência, tal como sai das mãos da natureza tem por objeto principal o sólido inorgânico". (14)
Não é estranho, pois, que, por sua mesma estrutura e inteligência tenda a solidificar tudo, a reduzir tudo a matéria.
Ela
"Não se sente à vontade, não está plenamente em sua casa, a não ser quando atua sobre a matéria bruta, em particular sobre os sólidos". (15)
Acontece que a propriedade geral da matéria é a extensão; e é por meio desta que a matéria nos apresenta os objetos, exteriores uns aos outros, e cada objeto, constituído de partes exteriores, umas às outras.
Assim é que, sendo a matéria em si mesma continuidade, a inteligência nos apresenta as coisas como descontínuas, isto é, como unidades distintas, justapostas no espaço. Esse comportamento da inteligência sobre a matéria é explicável, se tomarmos em consideração a finalidade a que ela se destina, que é a manipulação de tudo, visando necessidades de ordem prática. Com isso pretende fazer-nos crer que a descontinuidade é o lado real e positivo da matéria, quando é tudo o contrário. "A inteligência só se representa claramente o descontínuo". (16)
Mas, se atentarmos para a realidade como tal, veremos que ela consta de objetos móveis. O movimento em si é o que, nela, existe de real, sendo a imobilidade puramente aparente e relativa. Contudo, para efeitos utilitários, o entendimento substitui o movimento por imobilidades justapostas, pois, naturalmente, ele tende sempre ao estável e ao mutável.
"Nossa inteligência só se representa claramente a imobilidade". (17)
E como fabricar consiste precisamente em talhar em certa matéria a forma de um dado objeto, a ação da inteligência se caracteriza "Pela capacidade infinita de decompor de acordo com qualquer lei e de recompor em qualquer sistema". (18)
Esse poder limitado sobre a matéria reaparece sempre que
"projetamos, em bloco, todas essas decomposições possíveis por trás da extensão real, sob forma de um espaço homogêneo vazio e indiferente que a reduzisse. Esse espaço é, pois, antes de tudo o esquema de nossa ação possível sobre as coisas". (19)
O tempo por sua vez, presta-se a idêntica manipulação por parte do entendimento, que o espaço. "Assim como separamos no espaço, fixamos no tempo". A inteligência se representa também o tempo com um descontínuo, isto é, como uma série de momentos imóveis num espaço homogêneo. Ela
"não foi feita para pensar a evolução, no sentido próprio da palavra, isto é, a continuidade de uma transformação que fosse mobilidade pura... se representa o transformasse como uma série de estados, cada um dos quais homogêneos consigo mesmo e por conseguinte não se transforma". (20)
E justamente, na medida em que trata de
"reconstituir como dado, a inteligência deixa escapar o que há de novo a cada momento de uma história. Ela não admite o imprevisível. Ela rejeita toda criação". (21)
Daí manifestar uma incompreensão total para com a vida
"ao obstinar-se em tratar o ser vivo como se trata o inerte e em pensar toda realidade, por mais fluida que seja, sob a forma de sólido definitivamente parado. Só nos sentimos à vontade no descontínuo, no imóvel, no que está morto. A inteligência é caracterizada por uma incompreensão natural da vida". (22)
Bergson insiste e persiste em repetir, de muitos modos essas idéias que, em última análise, reduzem-se sempre ao mesmo: a tendência incoercível de nossa atividade intelectual a transformar tudo que considera em elementos sólidos, descontínuos e imóveis, a solidificar tudo que encontra no seu caminho; ao mesmo tempo que revela sua incapacidade radical de pensar a mudança, a mobilidade, a vida, o devir em geral. Essa incapacidade de pensar o devir foi magistralmente (e também poeticamente) exprimida por H. Bergson, quando compara o mecanismo de nosso pensamento com a cinematografia.
Nossa inteligência, nos diz, se comporta com o conhecimento da realidade como um aparelho de cinema. Toma uma série de instâncias imóveis de devir e intenta depois reconstituir o movimento, projetando na tela a sucessão de fotografias, por exemplo, de um pelotão de soldados marchando. Assim o mecanismo de nosso conhecimento intelectual é de "natureza cinematográfica". Para pensar o devir não fazemos outra coisa que acionar o nosso "toma-vistas" interior. Porém, esse mecanismo deixa escapar o peculiar, o típico da vida, que é a continuidade do devir. E por mais que se esforça por apreendê-lo só consegue transformá-lo em uma série de imobilidades sucessivas.
À inteligência atribui-se outra função peculiar; a linguagem e a formação dos conceitos.
O homem é um ser isolado; ele vive em sociedade, é um ser social. Um ser inteligente que se associa a outro ser inteligente. E dessa associação nasce irremediavelmente a comunicação que se faz mediante sinais para satisfazer as necessidades de uma "ação comum". O conjunto desses sinais é a linguagem, que é eminentemente social.
Há uma linguagem do instinto e outro da inteligência. Nos animais, as necessidades da ação são sempre limitadas e determinadas pela própria ação. Por isso sua linguagem se constitui por um reduzido número de sinais que visam sempre coisas concretas. Não acontece assim com o homem no qual as necessidades da ação são ilimitadas e variáveis. É por isso que sua linguagem está constituída por sinais "móveis" em número tal que possam aplicar-se a coisas as mais diversas. O que caracteriza, pois, a linguagem humana é, precisamente, esse alargamento de adaptação de um mesmo signo à objetos diferentes. "O signo inteligente é um signo móvel". (23)
A invenção de uma linguagem "móvel", capaz de transitar livremente de um objeto para outro, tornou possível uma adaptação das coisas às idéias e contribuiu enormemente para a libertação da inteligência, "hipnotizada pelo seu trabalho".
Pois, a partir o dia em que
"a inteligência, refletindo sobre seus desempenhos, a si mesma se percebe como criadora de idéias, como faculdade de representação em geral, não há objeto que não queira Ter a idéia, mesmo que ela não tenha relação direta com a atividade prática". (24)
Com o apoio da linguagem, a inteligência elabora os conceitos nascidos não da "percepção", senão da "concepção". Trata-se de um trabalho ou ato do espírito por trás do qual está "a faculdade de conceber ou de perceber generalidades". Conceito confunde-se assim com idéia geral que se define como "uma representação que agrupa um número indefinido de coisas sob o mesmo nome. A maior parte das palavras corresponderá assim a uma idéia geral". (25)
a qual é fruto de um processo de abstração e generalização. Essa operação abstrativa, entretanto, não é de caráter lógico e sim de caráter biológico, pois, "os conceitos e as generalizações são o que são, porque são úteis, porque são necessários à vida". (26)
Todo ser vivo
"isola a característica que o interessa, vai direto a uma propriedade comum; em outros termos, ele classifica, e, consequentemente, abstrai e generaliza". (27)
Mas, essa ação abstrativa torna-se, para ele, instintiva, "vivida", não pensada, com vistas às necessidades imediatas mais permanentes.
Só o homem chega à representação abstrata, classificando diversos objetos num gênero e criando assim a idéia geral, o conceito, através de uma ação abstrativa "consciente, refletida, intencionalmente criada".
Pode-se dizer que a inteligência é a faculdade das idéias gerais, dos conceitos, os quais são a reunião, a síntese daquilo que uma multidão de objetos singulares tem de comum ou de semelhante. Quando dizemos, por exemplo, de um objeto que é uma árvore, não nos referimos, na realidade, ao objeto mesmo na sua singularidade, no seu puro ser, senão à comparação estabelecida entre esse objeto e outros muito semelhantes. Assim, por meio de conceitos, conhecemos um aspecto das coisas, o aspecto geral a todas elas, o que elas tem em comum. Esse aspecto é que chamamos de abstrato. Com efeito, fazer um conceito, é por definição, juntar o comum e prescindir do peculiar a cada objeto, é abstrair. Conhecimento intelectual vale tanto como conhecimento abstrato, conhecimento de relações de coisas pelo seu lado externo e superficial.
"A inteligência é, antes de tudo, a faculdade de relacionar um ponto do espaço a outro ponto do espaço, um objeto material a outro objeto material; ela se aplica a todas as coisas, mas permanecendo fora delas, e de uma causa profunda só percebe sempre a difusão em efeitos justapostos". (28)
Falamos, e com razão, que o conceito é um instrumento de que nos servimos para conhecer o concreto, o singular. Isso é verdade.
Mas, examinaremos, mais de perto, essa apreensão das coisas singulares. Em que consiste? Consiste em que colocados diante de uma coisa nova, fazemos uma separação entre os elementos já conhecidos e os elementos inéditos. Os já conhecidos não nos causam nenhuma surpresa, nenhuma emoção.
Possuímos um conceito onde enquadrá-los: parecem-se ao já visto; cumprem, obedientes, com aquilo que esperamos de antemão. "O pensamento se representa geralmente o novo, como um novo arranjo de elementos preexistentes". (29)
Diríamos então que os elementos já conhecidos são os que menos pertencem à coisa nova. Não é por eles que nós dizemos que a coisa é nova para nós. A novidade da coisa encontra-se, realmente, nos elementos inéditos. Estes, entretanto, nos desconcertam, não se parecem a nada, nem nada semelhante nós tínhamos percebido. Não podemos dizer o que são porque nossa realidade não possui o conceito adequado para lhes aplicar. E, "como não os podemos reconstruir com elementos preexistentes... nosso primeiro movimento é taxá-la de incompreensível". (30)
e não descansamos até, que, por meio de uma observação mais minuciosa, uma revisão mais completa de conceitos anteriores nos permita encaixar também os elementos novos nos marcos intelectuais.
"É esta a razão porque orientamos em várias direções sucessivas nosso conhecimento do mesmo objeto e fazemos variar os pontos de vista sobre ele...
O objeto é remetido então, não a um conceito único, mas a vários conceitos nos quais ele é dito "particular"". (31)
Este esforço de compreensão, por parte da inteligência, não tem, nem pode Ter nunca pleno êxito; pois sempre existirá em cada coisa particular algo puramente seu, incomparável, inefável, incompreensível que ela jamais poderá alcançar.
3. O MÉTODO DA FILOSOFIA É A INTUIÇÃO
Se a inteligência é assim como acabamos de descrever anteriormente, se, por sua natureza, ela se singe inseparavelmente, à matéria, então, ou devemos renunciar a penetrar o objeto próprio da filosofia, que é a alma, a vida, isto é, tudo aquilo que no universo há de imaterial, ou teremos que buscar, para esta especulação, um método próprio, inconfundível com o intelecto. Existe esse órgão de conhecimento não intelectual? De um modo mais geral, é possível conhecer sem intelecto?
A responder esta pergunta destina-se toda a obra de H. Bergson. Tocamos, portanto, o núcleo de sua filosofia.
Com freqüência confundimos e identificamos a significação destes dois termos: conhecer e estabelecer relações. Semelhante identificação, entretanto, não é legítima, pois junto ao modo de conhecer por conceitos está a intuição. É certo que o conhecimento intuitivo possui caracteres radicalmente diferentes daqueles que tem a inteligência; penetra o singular, deprecia o símbolo e até, em certo sentido, se rebela contra a própria linguagem. Mas, nem por ser outra espécie de conhecimento deixa de ser conhecimento.
Dizíamos anteriormente, ao falar da função do conceito que, quando estamos diretamente em presença de uma coisa nova, sentimo-nos desconcertados e admirados ao ver que os marcos preparados pela inteligência não tem aplicação ao caso particular.
Esse desconcerto e admiração provém de que estamos conhecendo sem conceitos, de que estamos conhecendo por intuição.
Suponhamos, por exemplo, que uma pessoa nunca visitou Paris.
De repente, alguém lhe oferece uma série completíssima de fotografias dessa cidade, tomadas de todos os pontos de vista possíveis. Essa pessoa, com o intuito de saber, passa-as em revista, observa-as, analisa-as, estuda-as detidamente. Ao final desse processo, ela poderá obter uma idéia aproximada de Paris, tanto mais próxima à realidade quanto maior for o número de fotografias a sua disposição. Mas, que diferença entre a idéia assim obtida e a intuição viva e imediata:
"Todas as fotografias de uma cidade, tomadas de todos os pontos de vista possíveis poderão completar indefinidamente uma as outras, porém não eqüivalem nunca a este exemplar em relevo que é a cidade por onde caminhamos". (32)
A intuição sensível, entretanto, tem um inconveniente; ela é incomunicável, e portanto, inutilizável em termos práticos. Para que possa prestar algum serviço na vida, é preciso que ela seja conceitualizada, intelectualizada. Esta intelectualização da intuição, tratando-se da matéria, não acarreta maiores dificuldades ou conseqüências. Afinal de contas, inteligência e matéria afinam perfeitamente. O problema começa quando ela se dirige para além da matéria e tenta captar a vida interior do espírito. Eis aí um mundo fechado para ela. A intimidade da consciência é, precisamente, onde a intuição se exercita com preferência, seu domínio específico. Uma coisa, pelo menos, aprendemos todos na sua interioridade: o nosso próprio eu e a sua duração no tempo.
"Desçamos então ao interior de nós mesmos; quanto mais profundo for o ponto que tocarmos, mais forte será o impulso que nos reenviará à superfície. A intuição filosófica é este contato, e a filosofia é este elã". (33)
Nosso conhecimento do mundo exterior pode ser apenas intelectual; porém nosso conhecimento de nós mesmos só pode ser intuitivo. Se tentarmos vertê-lo em imagens, logo advertiremos que toda comparação deixa sempre algo inefável sem exprimir.
Poderemos então multiplicar as comparações, as metáforas, completando-se uma às outras, e sempre teremos a impressão de não Ter esgotado a plenitude do saber intuitivo que temos do nosso próprio eu. Em pior situação ficaremos, se quisermos fazer uso dos conceitos. Os conceitos manifestam o geral, o comum, o imóvel, e cada um, uma parte do objeto; nenhum, o resto inefável. Além disso, os conceitos marcam, não sugerem, não podem se contradizer, sob pena de fazer-se absurdos e incompreensíveis.
Damos, pois, todavia uma vantagem à tradução em imagens da intuição do eu. E a vantagem está em que as imagens sugerem e solidificam, de certo modo, o espírito para a intuição mesmo, coisa que os conceitos não podem fazer.
"Aquele que não for capaz de se dar a intuição da duração constituída do seu ser, nada será capaz de fazê-lo, e os conceitos menos ainda que as imagens...
Ora, a imagem tem ao menos esta vantagem: ela nos mantém no concreto. Nenhuma imagem substituirá a intuição da duração, mas muitas imagens diversificadas, emprestadas a ordem de coisas muito diferentes, poderão por convergência de sua ação, dirigir a consciência para o ponto preciso em que há uma certa intuição a ser apreendida". (34)
Um problema à vista. Mas, a intuição pode transcender a esfera da própria vida interior e penetrar na totalidade da corrente vital? A especulação do filósofo, vai ficar restringida a ver-se viver na pura duração contínua do seu ser? Ou, pelo contrário, poderá o filósofo sair de se mesmo, adentrar-se torrente íntima da vida, adotar por um instante seu movimento e intuí-lo?
"Mas, se a metafísica deve proceder por intuição, se a intuição tem por objeto a mobilidade de duração, e se a duração é de essência psicológica, não vamos encerrar o filósofo na contemplação exclusiva de si mesmo?" (35)
H. Bergson não responde diretamente e tenta solucionar o problema, referindo a intuição a outra forma de atividade psicológica que chamamos instinto; o instinto dos animais e do homem.
O instinto nos animais, é um modo de conhecimento totalmente diverso do da inteligência. Quase estaríamos tentados a dizer que o instinto é a intuição inconsciente de si mesma.
Pois bem, todo mundo conhece as espetaculares manifestações do instinto de certos insetos, dos himenópteros, por exemplo. Lembremos a habilidade do sítaris, o pequeno escaravelho. Este animalzinho deposita seus ovos na entrada da galeria fabricada por uma abelha antífora. A larva do sítaris espera a saída do macho
"agarra-se a ele, fica aferrada a ele até o "vôo nupcial"; nessa oportunidade, ela aproveita para passar do macho à fêmea, e espera tranqüilamente que esta ponha seus ovos. Salta então sobre o ovo, que lhe vai servir de sustento do mel, devora o ovo em alguns dias e, instalada na concha sofre a primeira metamorfose. Organizada para flutuar sobre o mel, ela consome esse suprimento de alimentação e torna-se ninfa, depois inseto perfeito". (36)
Tudo se passa como se a larva do sítaris soubesse de antemão, tudo que vai acontecer nas galeria das antóforas.
E que dizer do esfex de asas amarelas? Ele sabe que
"o grilo tem três centros nervosos que movem seus três pares de patas, ou pelo menos age como se o soubesse. Ele pica o inseto primeiro debaixo do pescoço, e depois atrás do protórax, e finalmente na base do abdômen". (37)
Como explicar esta pergunta do instinto, esta verdadeira ciência? É evidente que devemos excluir totalmente toda idéia de consciência. No instinto, o conhecimento se explicita em ação e só em ação. Guardemo-nos, entretanto, de traduzir essa ação, essa ciência de himenópteros, em termos de inteligência; nem a suponhamos precedida de uma representação por conceitos do que vai acontecer. Admitamos, pelo contrário, que se trata de uma compenetração entre o esfex e sua vítima, de "uma simpatia (no sentido etimológico da palavra) que o informasse por dentro, por assim dizer, sobre a vulnerabilidade da lagarta". (38)
Em todo caso, e isto é importante assinalar, estamos diante de um saber que não sabe, de um saber que sente, que intui sem consciência, que dirige cegamente sua ação para onde ela deve ir, ao ponto concreto que interessa. É verdade que
"O esfex apreende pouca coisa, precisamente o que lhe interessa; mas, pelo menos, o apreende por dentro... por uma intuição (vivida mais que representada) que se assemelha sem dúvida ao que chamamos de comunhão adivinhadora... Instinto é comunhão". (39)
Consideramos o impulso vital cindido, por força da evolução, em duas direções opostas: uma, perdendo sua energia de penetração, se abrindo em extensão, tomando, de fora, o maior número possível de ângulos do objeto que pretende captar. É a inteligência. A outra, conservando sua direção para o singular e concreto, tentando apreender os objetos por dentro, na sua interioridade. É o instinto.
A primeira amolda-se à matéria. O segundo, acomoda-se, especialmente, à vida. Essas duas direções encontram-se no homem. Cada um de nós sente em si mesmo "algo que deve ocorrer na consciência de um inseto que age por instinto". (40)
As emoções irracionais que costumamos Ter, as apreensões, os pressentimentos são, provavelmente, dessa mesma ordem. Se agora, por um esforço de tensão especial, pudéssemos fazer coincidir, por um instante, inteligência e instinto, teríamos certamente, como resultado, uma intuição, isto é, "um instinto que se tornou desprendido, consciente de si mesmo, capaz de refletir seu objeto e de o ampliar infinitamente". (41)
Se, no conhecimento do objeto, a intuição ultrapassa à inteligência, isso se deve, precisamente, à própria inteligência, pois, sem ela, jamais passaria de ser simples instinto.
"Mas se, com isso, a intuição ultrapassa a inteligência, da inteligência terá vindo o arranco que a terá feito subir ao ponto em que ela se encontra. Sem a inteligência, ela teria permanecido, sob forma de instinto, cravada ao objeto especial que a interessa na prática". (42)
A intuição, assim concebida, pode transcender da intuição do eu e estender-se à vida em geral, como o seu objeto próprio. A ela aplicamos à seguinte definição:
"Chamamos aqui intuição a simpatia pela qual nos transporta para o interior de um objeto para coincidir com que ela tem de único e, consequentemente, de inexprimível". (43)
Por ela entraríamos no objeto como entramos no nosso eu, viveríamos sua vida como vivemos a nossa; duraríamos na sua duração ao mesmo tempo que seguimos durando na nossa.
A diferença entre esse objeto e o nosso eu, entretanto, não percebida por relações; pois sabemos que as relações são obras da inteligência: Essa diferença seria, antes de tudo, vivida e sentida como algo único que, para ser exprimido, necessitaria exteriorizar-se num complexo conjunto de imagens, de metáforas, convergentes todas a suscitar, a sugerir, no leitor a intuição requerida.
Uma pergunta final. É possível a transformação do simples instinto em intuição, isto é, em instinto consciente de si mesmo?
Bergson responde: não só é possível, como também é um fato.
A existência da criação artística no homem, demonstra-o suficientemente. O artista adentra-se na matéria; sua visão vai além da superfície, penetrando no coração mesmo do seu ser.
Para ele, o aspecto material se apresenta como a exteriorização de algo inédito e único, de um movimento original simples, que ele sente e ao mesmo tempo derrama, verte com confusão, por assim dizer, nas suas obras, tornando explícita essa realidade latente e fazendo com que o espectador participe da intuição que o próprio artista sentiu primeiro.
"A intenção da vida... é o que o artista visa captar, colocando-se no interior do objeto por uma espécie de comunhão abaixando, por um esforço de intuição, a barreira que o espaça interpõe entre ele e o modelo". (44)
A intuição artística, entretanto, é individual. Este é seu pecado de origem. "Mas pode conceber-se uma pesquisa orientada no mesmo sentido que a arte e que assumiria por objeto à vida em geral". (45)
Tal seria a intuição filosófica.
Como resumo, tentemos caracterizar, por tópicos, a intuição tal como H. Bergson a concebe.
1º - A intuição não é possível de uma definição estrita. "Que não nos seja pedida, pois, uma definição simples e geométrica da intuição". (46)
2º - O conhecimento por intuição é imediato, isto é, realiza-se sem intermediários de espécie alguma, sobretudo, sem conceitos, juízos, raciocínios; sem a aparelhagem conceitual da inteligência. "A inteligência se ela é possível, é um ato simples". (47)
3º - A intuição é um conhecimento intrínseco, em profundidade. Penetra o fundo mesmo da realidade e alcança i absoluto. "O conhecimento intuitivo instala-se no movente e adota a própria vida das coisas. Esta intuição atinge o absoluto". (48)
4º - A intuição conhece por uma certa simpatia com que se transporta ao interior de um objeto para coincidir com que ele te de único e inexprimível.
"Pois não obtemos uma intuição da realidade, isto é, uma simpatia espiritual com o que ela tem de mais interior, se não ganhamos sua confiança por uma longa camaradagem". (49)
5º - A intuição percebe a mobilidade, a continuidade fluente da vida em que consiste a realidade. "A intuição parte do movimento, coloca, ou melhor, percebe-o como a realidade mesma". (50)
6º -
"Para a intuição, o essencial é a mudança". Pois é a duração que percebe uma continuidade ininterrupta de novidade imprevisível". (52)
7º - "A intuição é difícil e penosa de prolongar". (53) Supõe um esforço doloroso para torcer o curso do nosso modo comum de conhecer. O hábito de pensar com conceitos nos impede o uso da intuição, a qual procede em sentido inverso.
"Hesitemos muito tempo em nos servir do termo "intuição", e, quando nos decidimos a empregá-lo, designamos por esta palavra a função metafísica do pensamento; principalmente o conhecimento íntimo do espírito pelo espírito, subsidiariamente o conhecimento, pelo espírito, do que há de essencial na matéria, uma vez que a inteligência fora feita para manipular a matéria e consequentemente para conhecê-la, mas não para tocar-lhe o fundo". (56)
CONCLUSÃO
Digamos duas palavras apenas à guisa de conclusão.
É fácil de prever o comportamento que o nosso filósofo vai adotar em relação às filosofias que o procederam e o rumo que deve seguir a metafísica para tornar-se digna de seu nome.
Com base na doutrina exposta, H. Bergson critica impiedosamente e sempre do mesmo ângulo, empiristas e racionalistas, idealistas, dogmáticos e críticos. Todos eles fracassaram no empenho filosófico e se contradisseram, ao tentar reconstruir a realidade viva com conceitos rígidos pré-fabricados. Todos pensaram inteligentemente, isto é, indo dos conceitos às coisas. Este é o seu pecado capital.
Se algo de permanente e duradouro encontramos em suas doutrinas, deve-se àquilo que mais se aproxima da fonte intuitiva original. Acontece que esses brotes vivos da fonte, os filósofos verteram-nos em moldes inflexíveis intelectuais, condenando, assim, a filosofia a um eterno conflito entre as escolas e instalando a contradição no próprio coração do objeto e do método.
Todos assumiram um compromisso com a realidade, semelhante ao dos cientistas. Com uma diferença: os cientistas, trabalhando sobre conceitos de relações, geraram o simbolismo científico; ao passo que os filósofos, operando sobre conceitos de coisas, desembocaram no simbolismo metafísico. Uns e outros deslizam-se sobre o exterior da realidade, deformando-a com imagens e símbolos relativos.
Diríamos que os cientistas construíram uma ponte elegante por cima e os filósofos cavaram um túnel profundo por baixo, enquanto que a corrente viva do rio da realidade transita livremente "entre estas duas obras de arte sem as tocar".
Para que a metafísica possa ser ela mesma autenticamente, andar desembaraçadamente sobre os seus próprios pés e alcançar seu destino próprio, só resta um caminho, a intuição filosófica. Só ela pode revelar o segredo da vida, só ela pode acompanhar todas as ondulações do real.
É evidente que ela não abarcará de uma só vez a totalidade das coisas, como pretendem os filósofos construtores de sistemas: mas, de cada coisa, ela pode dar-nos uma explicação que se adapte exatamente, exclusivamente a ela. A filosofia não é, nem pode ser nunca obra exclusiva de um só filósofo. Ela se constitui pelo esforço coletivo e progressivo de muitos pensadores que se completam, corrigem e endereçam uns aos outros, sem nunca esgotar a totalidade da realidade de que se prolonga indefinidamente.
Se agora, na conclusão de nosso trabalho, quiséssemos enquadrar a intuição que o próprio Bergson rotulou de "filosófica" ou "metafísica", num dos três mencionados na introdução, não duvidaríamos em qualificá-las de "intuição emotiva".
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
sábado, 9 de julho de 2011
Time - Pink Floyd
nviado por Spellitic em 11/06/2006
This is as old upload. Click for a much higher quality video: http://www.youtube.com/watch?v=MUt7qmSvxLI
This is Time (The Dark Side of the Moon, 1973), from Pink Floyd, live at P.U.L.S.E; recorded at Earls Court, London, in 1994. Roger Waters, one of the the composers of Time, is not in this show.
Current members of Pink Floyd are: David Gilmour (guitars, lead vocals) • Richard Wright(keyboards, secondary vocals, backing vocals) • Nick Mason(drums, percussion);
Lyrics:
Ticking away the moments that make up a dull day
You fritter and waste the hours in an offhand way
Kicking around on a piece of ground in your home town
Waiting for someone or something to show you the way
Tired of lying in the sunshine staying home to watch the rain
You are young and life is long and there is time to kill today
And then one day you find ten years have got behind you
No one told you when to run, you missed the starting gun
And you run and you run to catch up with the sun,
but it's sinking
And racing around to come up behind you again
The sun is the same in a relative way, but you're older
Shorter of breath and one day closer to death
Every year is getting shorter, never seem to find the time
Plans that either come to naught or half a page of scribbled lines
Hanging on in quiet desperation is the English way
The time has gone, the song is over,
thought I'd something more to say
Home, home again
I like to be here when I can
When I come home cold and tired
It's good to warm my bones beside the fire
Far away across the field
The tolling of the iron bell
Calls the faithful to their knees
To hear the softly spoken magic spells.
_______________________
Ripped, edited, and encoded by me. I did my best to maintain the quality, but for some reason there is a problem of sync, with some audio lag. Please enjoy the wonderful music.
http://www.pinkfloyd.co.uk/
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Regina Rosseti, doutora em filosofia pela USP, aprofundou seus estudos no filósofo Henri Bergson e nos diz que:
“O filósofo Henri Bergson é um crítico dos pressupostos filosóficos da ciência de sua época, particularmente, da psicologia e da biologia. O período que compreende o final do século XIX e o começo do século XX é marcado pelo positivismo e pelo cientificismo; as ciências particulares deveriam seguir o paradigma das ciências positivas ¾ cujo modelo era a física ¾ e assim trabalhar com dados empíricos e mensuráveis submetidos à lei de causalidade. Nessa atmosfera científica, desenvolveram-se pesquisas que buscavam determinar um paralelismo rigoroso entre a vida psíquica e o cérebro; este fato contribuiu para que a psicologia tivesse seu ramo psicofísico reforçado: a psicologia passou a buscar no físico a explicação do psíquico e a propor a quantificação dos fenômenos psicológicos a partir de suas pretensas causas físicas. Neste contexto, Bergson se coloca como um crítico da psicofísica e seu determinismo psicológico, mostrando que o campo de investigação da psicologia, dada a própria natureza de seu objeto, estende-se para além do meramente material. Segundo o filósofo, a psicofísica, que entendia os fatos da consciência como se fossem de natureza física, reduziu o mental ao cerebral e pensou poder medir os fenômenos psíquicos da mesma maneira como era possível medir os fenômenos físicos. Assim procederam porque não perceberam a distinção fundamental entre tempo e espaço ¾ e, conseqüentemente, entre interioridade e exterioridade ¾ e tentaram fazer dos estados internos da consciência uma multiplicidade quantitativa, isto é, uma justaposição numérica e espacial dos estados psicológicos, marcados pela exterioridade recíproca de seus elementos, como veremos. Não se deram conta de que a realidade psicológica é pura duração, isto é, uma sucessão indistinta da multiplicidade qualitativa dos estados da consciência que se interpenetram em constante e continua mudança. Ao confundirem o tempo com o espaço atribuíram extensão àquilo que somente possui intensidade pura e, assim, trataram a realidade psíquica como se fosse espacial, exterior e extensa. Já em um de seus primeiros estudos, Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência (1889/1988), Bergson trata desses pressupostos filosóficos da psicologia de sua época, criticando seu determinismo psicofísico.
Na Origem do Problema: A Confusão entre Tempo e Espaço
Na raiz do problema está a confusão que se faz entre tempo e espaço quando não se percebe que os estados psicológicos e toda vida psíquica são de natureza temporal e não espacial. A partir desta confusão, tem-se a representação de um eu superficial e de uma multiplicidade quantitativa dos estados da consciência porque se concebe a vida psíquica existindo num tempo espacial.
Os pressupostos do determinismo psicológico, enquanto ciência, foram levantados sobre uma base filosófica comum, onde encontramos como idéia central o conceito de tempo homogêneo. Este conceito surge da aplicação imprópria de noções como quantidade, extensão e espaço à concepção do tempo psíquico, deformando o tempo-qualidade vivido pelo eu, transformando-o no tempo-quantidade representado pelo espaço. Tal deformação, no fundo, ocorre porque se confunde a verdadeira duração da psique com sua representação simbólica, ou seja, substitui-se o tempo pelo espaço. Este tempo homogêneo pode ser definido como um misto de tempo e espaço. A duração homogênea não é a verdadeira duração, mas um conceito híbrido, formado por meio da representação espacial que introduz seus cortes descontínuos na sucessão interna, heterogênea e contínua da duração psicológica. Bergson explica como se processa esta confusão entre tempo e espaço:
“Mas familiarizados com esta última idéia (espaço), e obsessionados até por ela, introduzimo-la sem saber na nossa representação da sucessão pura; justapomos nossos estados da consciência de maneira a percepcioná-los simultaneamente, não já um no outro, mas um ao lado do outro; em resumo, projetamos o tempo no espaço, exprimimos a duração pela extensão, e a sucessão toma para nós a forma de uma linha contínua, ou de uma cadeia, cujas partes se tocam sem se penetrar.” (Bergson, 1889/1988, p. 73)
O tempo homogêneo tem sua origem numa “endosmose entre o interno e o externo” (Prado Jr., 1989, p. 99). A confusão é bilateral. De um lado, ocorre uma aparente temporalização do espaço, por meio da ilusão de que possa ocorrer uma sucessão num meio homogêneo; fato impossível porque qualquer sucessão somente ocorre no tempo e para a consciência. A ilusão da existência de sucessão num meio homogêneo surge porque inventamos um espaço invadido pelo tempo, sobre o qual podemos justapor quantidades, esquecendo do ato essencial do espírito que realiza esta justaposição. De outro lado, ocorre uma especialização do tempo interno invadido pelo modo de ser do que é externo, dando origem, assim, a duração homogênea. A duração interna representada como homogênea, surge exatamente desta troca entre a exterioridade e a interioridade. O que possibilita este movimento de endosmose, entre o tempo puro e o espaço puro, é a simultaneidade, que segundo Bergson: “se poderia definir como a intersecção do tempo e do espaço.” (Bergson, 1889/1988, p. 78). Se não houvesse simultaneidade, entre o externo e o interno, a endosmose seria impossível. Somente porque um fenômeno exterior ocorre ao mesmo tempo em que o percebo no meu interior modificando os estados da minha consciência, é que ocorre uma troca ente o espaço exterior e a duração interior. Portanto, é a simultaneidade que possibilita a endosmose espaço-temporal que produz o tempo homogêneo. “Na medida em que o tempo aparece como multiplicidade numérica, medir a duração significa contar simultaneidades. Quando aplicamos este conceito de duração à vida psicológica, formamos um conjunto suscetível de decomposição e recomposição de elementos simultâneos. A simultaneidade é a noção-chave nesta endosmose entre tempo e espaço” (Leopoldo e Silva, 1994, p. 136).
Substituímos o espaço pelo tempo e definimos o tempo interior como um meio vazio e homogêneo preenchido por uma sucessão de fatos psicológicos, da mesma maneira que concebemos o espaço como um meio vazio e homogêneo preenchido por uma coexistência. Essa homogeneidade pode ser entendida como ausência de qualidade, assim, o tempo homogêneo é um tempo sem qualidade no qual os fatos da consciência com seus contornos definidos e exteriores uns aos outros se sucederiam. “A tese geral de Bergson é bem conhecida: nós projetamos sobre a duração verdadeira, infinitamente móvel, o espaço no qual nós vivemos visando a comodidade social” (Vieillard-Baron, 1991, p. 58).
Mas o tempo homogêneo não é o tempo real porque, segundo Bergson: “os fatos da consciência, ainda que sucessivos, penetram-se, e no mais simples deles pode refletir-se a alma inteira” (Bergson, 1889/1988, p. 71). Assim, Bergson vê o tempo real como heterogêneo e qualitativo. Se o tempo fosse homogêneo e sem qualidade seria espaço; se definirmos espaço como homogêneo tudo que é homogêneo é espaço, isto porque seria contraditória a existência de duas homogeneidades distintas. A confusão entre estes “dois tempos” ocorre porque movidos por interesses úteis à ação, espontaneamente substituímos o tempo verdadeiro da existência e da consciência pela ilusão do tempo da ciência e da vida cotidiana. Assim é que, introduzindo a idéia de espaço na pura duração que se chega à idéia de um tempo homogêneo e sem qualidade, usado pela ciência determinista e pela psicofísica que acabaram por tirar do tempo o essencial, isto é, a duração.
Bergson (1889/1988), como vimos, constrói sua crítica ao conceito de tempo homogêneo espacial a partir da percepção de que existem dois tipos distintos de multiplicidade, uma qualitativa e outra numérica, que levam respectivamente a duas concepções diferentes acerca da natureza do tempo: um heterogêneo e contínuo e outro homogêneo e divisível. O erro do determinismo psicológico, denunciado por Bergson, foi o de ter aplicado o conceito de tempo espacial à compreensão do modo de ser do psiquismo. Bergson demonstra que o tempo homogêneo é uma noção híbrida de tempo e de espaço que surge porque se concebe a duração como homogênea, concepção que no fundo não passa de uma representação simbólica e inexata da verdadeira realidade psíquica.
Para Bergson (1889/1988), há o tempo real: a duração. Tempo que é mudança essencial e contínua; tempo que passa incessantemente modificando tudo e que constitui a própria essência da realidade psíquica. Todavia, não é assim que percebemos a realidade; presos aos hábitos da inteligência visando a nossa ação no mundo, percebemos a realidade como estática e passível de ser fragmentadas em partes que facilitam nosso agir no mundo. Temos, assim, uma concepção espacial da realidade, que olha o mundo do ponto de vista da extensão. A esta visão espacial da realidade, escapa o tempo real, que flui incessantemente em seu contínuo movimento, porque pensa o tempo nos moldes do espaço e, assim, concebe um tempo ilusório: o tempo espacializado, originado da confusão que inadvertidamente se faz entre tempo e espaço3. E a consciência, imbuída de representações espaciais, olha para si mesma e não se reconhece como duração pura, enxerga estados que se sucedem sem se penetrarem, não vê o eu no seu conjunto inter-relacionado, esquece o passado num lugar escondido sem relação com o presente, torna as sensações e os sentimentos unidades estanques sem movimento, concebe a imobilidade como substrato da realidade.
Somente da confusão entre duas realidades distintas, tempo e espaço, é que surge a idéia de tempo homogêneo, representação simbólica da verdadeira duração, sobre a qual se construiu a psicofísica e outras formas de representação do mundo que carregaram consigo este equívoco primordial. Para evitar equívocos, é necessário distinguir o tempo do espaço e pensar a vida psíquica como essencialmente temporal. Para tanto, Bergson esclarece que:
“Há um espaço sem duração, mas onde fenômenos aparecem e desaparecem simultaneamente com os nossos estados da consciência. Há uma duração real, cujos momentos heterogêneos se interpenetram podendo cada momento aproximar-se de um estado do mundo exterior que é dele contemporâneo e separar outros momentos por efeito dessa aproximação. Da comparação destas duas realidades nasce uma representação simbólica da duração, tirada do espaço. A duração toma assim a forma ilusória de um meio homogêneo” (Bergson, 1889/1988, p. 78).
Assim, não podemos reduzir a noção de tempo à noção de espaço porque são realidades distintas. Logo, é necessária a depuração do misto entre tempo e espaço, da qual surgirá, de um lado, o puro espaço e, de outro lado, a pura duração4. Esclarecer essa confusão é um dos principais objetivos do Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência (Bergson, 1889/1988); trata-se, pois, de separar duas concepções diferentes de tempo, de um lado, o tempo-espacial utilizado pela ciência, de outro lado, o tempo interior, no qual vive e dura o eu. “Em verdade, o tempo da ciência é assim o tempo da linguagem, a expressão de uma espécie de ‘senso comum’ cuja vocação natural e de pensar visando a agir. O tempo da existência é, ao contrário, esse da duração interiormente vivida e, de fato, interiormente percebida” (Gouhier, 1989, p. 42). Portanto, devemos separar duas realidades distintas: primeiro, um espaço sem duração onde somente existe o presente absoluto e, segundo, uma duração pura onde encontramos o tempo real passando contínuo e heterogêneo, no qual ocorrem os fenômenos psíquicos.
Bergson (1889/1988) busca construir uma metafísica que não ignora a realidade de fato. Compreende que o primeiro acesso a essa realidade é a vida interior, constituída por nossa psique; assim, volta seu olhar a esse acesso privilegiado, buscando compreender sua natureza, antes de buscar investigar a realidade tida como exterior. Descobre que essa vida interior é de natureza temporal: o tempo, enquanto duração, é a essência da vida psíquica. Todavia, não é assim que, no geral, a psicologia de seu tempo a entendeu; marcada pelo determinismo psicofísico, acabou por não reconhecer a verdadeira natureza psíquica, ao confundi-la com o físico, entendendo-a como sendo de natureza espacial. A contribuição de Bergson está em mostrar que é necessário pensar os pressupostos filosóficos da psicologia e, assim, manter um diálogo entre filosofia e psicologia, disciplinas que por muito tempo caminharam juntas.”
Regina Rossetti in ” Bergson e a Natureza Temporal da Vida Psíquica” Psicol. Reflex. Crit. vol.14 no.3 Porto Alegre 2001
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-79722001000300017&script=sci_arttext
Regina Rossetti é Filósofa, Pesquisadora de Pós-Doutorado da Fapesp, Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo.