Seguindo a tradição dos povos indo-germânicos, para os quais o Uno configura o múltiplo, desenvolve-se na Grécia (séc. VII a. C.) uma produção de livros a serem discutidos por todos os cidadãos, que procuram responder à questão
"o que é?".
São as formas separáveis (Ideias) dirá Platão, são as formas inseparáveis, portanto energizadas nelas mesmas,dirá Aristóteles. E assim se desenha o campo em que a batalha pela metafísica se dará.
Hoje olhamos, falamos, discutimos muito sobre a violência e as conseqüências sociais e psicológicas decorrentes, mas, o que mais nos assusta e atinge é a indiferença com que o violento se comporta, como não se importasse nem com o seu ato e muito menos com as conseqüências dele; como se nada do que nos horrorizasse lhe fizesse algum sentido; mas, assim também é com o menino que rouba ou com o jovem que atropela porque bebeu.
São as seqüelas da ausência da lucidez a Aufklãrung de Kant ou a ausência do Superego de Freud, que pode ser ganho no colo de um cuidador.
Carl Gustav Jung e a Jornada para o Auto-Descobrimento.
Legendas em português feitas por mim mesma.
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As críticas de Henri Bergson e de Maurice Merleau-Ponty aos enfoques materialistas do problema corpo-mente
Danilo Saretta Verissimo; Reinaldo Furlan
Universidade de São Paulo
RESUMO Neste
artigo, apresentamos as críticas de Henri Bergson e de Maurice
Merleau-Ponty aos enfoques materialistas do problema corpo-mente. Tais
enfoques são intrinsecamente ligados às ambições científicas,
inauguradas com a modernidade, de totalizar os fenômenos que nos
circundam e de unificar a diversidade do mundo através de um único
padrão explicativo. Bergson, em uma espécie de fenomenologia do ato
perceptivo, buscou suplantar as teses materialistas da relação entre
mente e cérebro. Atendo-se ao paralelismo psicofisiológico, mostrou que a
percepção atende às necessidades do ser vivo.
Além disso, abordou a
relação entre memória e cérebro, combatendo a ideia de que as
recordações possuam uma tal natureza que permita que elas sejam
armazenadas na massa cerebral. Já Merleau-Ponty, n'A Estrutura do Comportamento, após realizar a crítica das concepções clássicas do funcionamento
nervoso e depois de se apropriar dos resultados de pesquisas que
apresentam o cérebro enquanto entidade coordenadora da estrutura do
comportamento, apresenta uma visão do funcionamento nervoso apoiada no
primado do mundo percebido a partir da noção de forma. Discutimos,
ainda, as heranças filosóficas legadas por Bergson a Merleau-Ponty e
algumas críticas deste à obra do seu antecessor. Palavras-chave: Problema corpo-mente. Paralelismo psicofisiológico. Bergson, Henri Louis, 1859-1941. Merleau-Ponty, Maurice, 1908-1961.
Introdução O
problema mente-corpo, com suas diversas variedades, permanece vivo e
causando embaraços a neurocientistas, psicólogos, filósofos, linguistas e
cientistas da computação, fato que justifica estudos
histórico-filosóficos que retomem a questão e os encaminhamentos que lhe
foram dados por pensadores cujo alcance das suas reflexões é
inquestionável. Esse
é o caso de Bergson e Merleau-Ponty. Esses dois autores possuem
confluências significativas no que tange à pesquisa filosófica e à
contribuição que suas obras representam para a epistemologia da
psicologia, das neurociências e da biologia. Trata-se de dois filósofos
franceses de gerações consecutivas e que se preocuparam, ao longo de
suas obras, com a superação das antinomias geradas pelo pensamento
cartesiano na filosofia e nas ciências. Ademais, ambos desenvolveram uma
mesma atitude na pesquisa filosófica: a de buscar nas ciências,
sobretudo naquelas anteriormente mencionadas, os fatos sobre os quais
organizaram e elaboraram o seu pensamento. Os trabalhos desses dois
pensadores remetem-nos diretamente às psicologias e ciências do
funcionamento nervoso do século XIX e do início do século XX,
constituindo, ao mesmo tempo, um precioso retrato e uma inestimável
crítica do pensamento científico daquele período.
Os termos do problema Bergson
(1974a, 1974b) atém-se ao paralelismo psicofisiológico, cuja tese,
segundo ele, é de que há equivalência entre o estado psíquico e o estado
cerebral. O autor estabelece os axiomas do paralelismo nos seguintes
termos:
Sendo
dado um estado cerebral, segue-se um estado psíquico determinado". Ou
ainda: "Uma inteligência sobre-humana, que assistisse ao movimento dos
átomos de que é feito o cérebro humano e que tivesse a chave da
psicofisiologia, poderia ler, num cérebro trabalhando, tudo o que se
passa na consciência correspondente'. Ou enfim: A consciência não diz
nada mais do que se passa no cérebro; ela apenas o exprime numa outra
língua. (Bergson, 1974a, p. 49).
Para
Bergson, no interior dessa questão, destacam-se as correntes que buscam
assimilar o mental ao físico. Nessa perspectiva, a consciência surge
como uma duplicação casual do estado cerebral, como uma "fosforescência"
acrescentada ao jogo de moléculas na substância cerebral e que,
iluminando a si mesma, engendraria a ilusão de agenciar alguma vontade
própria.
Bergson
é peremptório ao afirmar a fonte metafísica, e não científica, da tese
paralelista. Segundo ele, suas origens remontam à filosofia de
Descartes, que postulou um dualismo de substâncias. Espírito e matéria,
apesar de unirem-se estreitamente, o fazem de um modo difícil de
conceber, visto que configuram substâncias radicalmente diferentes. O
espírito é inextenso e indivisível, um sopro que anima o organismo e que
sente o mundo por intermédio dos órgãos exteriores e interiores do
aparelho nervoso. Além disso, o espírito é uma substância pensante.
(Descartes, 1636/1992, 1641/1992). A matéria e o corpo são, por outro
lado, substâncias extensas e, por isso, podemos tocá-los, examiná-los,
dissecá-los e observá-los em funcionamento.
No
tocante à tese paralelista, Bergson entreviu uma simplificação
progressiva da metafísica cartesiana que culminou, justamente, na
expressão do materialismo na ciência do século XIX. De fato, a
experiência revela-nos uma solidariedade entre o corpo e a vida da
consciência. Essa relação deveria ser abordada, na visão de Bergson, por
um contínuo movimento de ida e volta entre o que ele chamou de método
de observação interior, preconizado especialmente ao filósofo, e os
fatos expostos pela psicologia e pela patologia, movimento esse que
traria a possibilidade de obtenção de um saber cada vez mais
aperfeiçoado sobre a relação entre corpo e consciência.
Mas, completa
Bergson, "(1974b) o metafísico não desce facilmente das alturas" (p.
93), ele frequenta com mais satisfação e segurança o plano dos puros
conceitos e, por isso, não pôde jamais oferecer à ciência uma filosofia
que, baseada nos fatos conhecidos, iluminasse a sua prática. Houve
espaço, então, para que a hipótese paralelista fosse deduzida dos
princípios básicos de uma metafísica que sustentava as esperanças da
física moderna, cujos representantes reduziam os problemas astronômicos e
físicos a problemas de mecânica. O universo material, em seu todo,
concebido como uma imensa máquina, poderia ser submetido às leis
matemáticas. Os corpos em geral, e o corpo humano em particular,
representavam engrenagens cujas ações poderiam ser matematicamente
calculadas.
Quanto à alma humana, seria, principalmente, a tradução
daquilo que o corpo exprimia em extensão e movimento. Quanto mais
estreita ia se tornando esta metafísica, mais ela se infiltrava na
fisiologia. Estava aberto, então, o caminho para que se afirmasse a
primazia do cérebro na experiência humana. Afinal, o fisiologista,
desamparado pelo pensamento filosófico, e que possuía recursos apenas
para compreender o cérebro, procedeu como se o pensamento fosse
simplesmente uma função daquele. Em suma, na falta de uma teoria
filosófica flexível acerca da dupla experiência do interior e do
exterior, a ciência do século XIX aceitou uma doutrina adequada aos
métodos e objetivos que julgava vantajosos (Bergson, 1974b).
Estamos
tratando, portanto, da pretensão da ciência de conhecer cada passo da
"dança de moléculas, átomos e elétrons de que é feita a substância
cerebral" (Bergson, 1974b, p. 91) e de elaborar uma espécie de
dicionário que correlacione cada movimento cerebral à linguagem da razão
e da emoção. Assim, a consciência, com todas as suas manifestações, não
passando de um efeito, seria conhecida em suas bases causais. Diz
Bergson (1974a):
"Quanto mais a ciência aprofunda
na natureza do corpo
em direção à sua realidade',
tanto mais ela reduz cada propriedade
deste corpo e,
consequentemente, sua própria existência, às reações que
ele mantém
com o restante da matéria capaz de influenciá-lo" (p. 54).
A desconstrução do materialismo em Bergson Voltando-nos,
propriamente, para a abordagem bergsoniana das teses materialistas no
que tange ao problema mente-corpo, notamos que é na crítica à noção de
percepção nelas presente que o filósofo encontra os instrumentos para a
sua desconstrução. No materialismo, os acontecimentos cerebrais são
suficientes para explicar a percepção do mundo e, por isso, são
concebidos de modo quase isolado dele. Desse modo, a percepção é
reduzida à tradução do que ocorre no sistema nervoso. Mas, Bergson
demonstra, com clareza, que recaímos em uma contradição se fazemos do
cérebro a condição da imagem total1,
visto que ele, em hipótese, é uma parte dessa imagem. Se a
representação do universo material vem dos movimentos moleculares
cerebrais, o universo deverá ser tomado por uma representação do todo
nascida do que seria apenas uma parte desse mesmo todo. Então, uma
pequena parte da imagem do todo estaria gerando a imagem total?
Em
seu retorno à percepção, motivado pelo intuito de combater tanto o
realismo quanto o idealismo, Bergson deu crédito aos seus aspectos
fenomenais e, assim, a base orgânica do fenômeno perceptivo foi colocada
em outro ponto de referência. O filósofo reconhece, sem dúvida, a
sustentação material exercida pelos elementos do sistema nervoso, mas
deseja destacar que a percepção, em seu conjunto, possui sua razão de
ser na tendência do corpo a se mover, na sua tendência de responder aos
interesses e necessidades do ser vivo.
À semelhança do que será
defendido por Merleau-Ponty em "A Estrutura do Comportamento" (1942 /
2002), Bergson observou uma indeterminação implicada na estrutura do
sistema nervoso. Para ele, os tecidos nervosos parecem ter sido
construídos antes em função dessa indeterminação do que da própria
representação. E é esse indeterminado que sinaliza a necessidade de se
conceber a percepção enquanto "... relação variável entre o ser vivo e
as influências mais ou menos distintas dos objetos que lhe interessam"
(Bergson, 1968, p. 29). Atento em questionar a percepção do modo como
aparece a si mesma, e não dentro dos quadros do realismo, projeto que
Merleau-Ponty (2000) classificaria como uma espécie de fenomenologia,
Bergson apresenta-a como um processo no qual o mundo solicita do corpo
ações que expressam um discernimento prático voltado para a manutenção e
desenvolvimento do ser vivo. No quadro de referência cujo relevo fica
por conta dos seus aspectos fenomenais, a percepção deixa de poder ser
reduzida a uma tradução dos movimentos moleculares cerebrais, e a tese
materialista da relação entre o corpo e a mente perde sua razão de ser2.
A
crítica ao materialismo também se faz presente nas análises de Bergson
sobre as relações entre memória e cérebro. Discutindo o processo de
reconhecimento de imagens, sobretudo com base em casos de lesão cerebral
que perturbam esse processo, o autor combate a idéia de que as
recordações possuam uma tal natureza que permita que elas sejam
armazenadas na massa cerebral. A questão que parece dirigir o filósofo
na sua argumentação é a seguinte: em que sentido uma lesão cerebral pode
atingir a memória?
A hipótese bergsoniana é que as recordações ligam-se
aos movimentos que esboçam uma ação nascente e que são esses movimentos
que podem ser atingidos no caso de uma lesão cerebral e não as
recordações propriamente ditas.
Segundo
Bergson, para que o processo pelo qual reconhecemos algo seja estudado
adequadamente, é necessário que as recordações sejam dissociadas em dois
elementos: a imagem-recordação e o movimento. Com efeito, o ato de
reconhecimento envolveria, inicialmente, um processo motor seguido da
projeção das recordações sobre as atitudes correspondentes. É uma visão
mista da recordação que leva a dificuldades na compreensão do ato de
reconhecimento. Nessa perspectiva, o fenômeno da recordação permanece
composto, de um lado, por uma carga de hábito motor e, de outro, por uma
imagem mais ou menos conscientemente localizada. Com a pretensão de
simplificar o fenômeno, dando-lhe inteligibilidade, o mecanismo cerebral
que sustenta o hábito motor será identificado, também, como o substrato
da imagem consciente. "De onde a estranha hipótese de recordações
armazenadas no cérebro, que se tornariam conscientes por um verdadeiro
milagre, e nos reenviariam ao passado por um processo misterioso"
(Bergson, 1968, p. 95). As teorias do reconhecimento acabam, portanto,
em hipóteses fisiológicas em que o cérebro é concebido como um armazém
de ideias. O reconhecimento se daria por traços cerebrais semelhantes ou
pela comunicação das células de percepção com as células que guardam as
recordações.
Nessa
direção, entende-se que lesões cerebrais possam destruir as
recordações, como se as representações auditivas, por exemplo,
permanecessem adormecidas no córtex sob a forma de modificações
físico-químicas das células nervosas. Tais representações, despertadas
por vibrações vindas do exterior, encontrariam representações
complementares, que evocariam as idéias. Mas, um cérebro que não
registra senão a materialidade dos sons percebidos, o que faz das
recordações coisas inertes e passivas, deveria armazenar incontáveis
imagens da mesma palavra, levando-se em conta que as palavras são
pronunciadas por vozes diferentes, com timbres e volumes diferentes e,
no mais das vezes, com acentuações distintas.
Além disso, conceder
individualidade às palavras constitui uma abstração. Não aprendemos a
pronunciar palavras, mas frases. A palavra se insere na "fisionomia" e
no "movimento" da frase, encontra o seu sentido no todo do que está
sendo dito. "Onde está, com efeito, a medida comum, onde está o ponto de
contato entre a imagem seca, inerte, isolada, e a realidade viva da
palavra que se organiza com a frase?" pergunta Bergson (1968, p. 131). A
menos que todos os homens tivessem vozes idênticas, não há como
imaginar que as palavras ouvidas possam unir-se a suas imagens no córtex
cerebral. Além do mais, se fosse verdade que as recordações são
armazenadas nas células corticais, observaríamos, nas afasias
sensoriais, a perda irreparável de algumas palavras, argumenta o
filósofo. Mas, isso não é o que se verifica nos estudos clínicos.
Outro
ponto de apoio à tese de Bergson são os casos em que a amnésia segue uma
marcha "metódica": atinge primeiramente os nomes próprios até chegar
aos verbos. Se considerarmos as imagens verbais armazenadas nas células
nervosas, devemos considerar, também, que a doença ataca as células
sempre numa mesma ordem. Isso é possível? Para Bergson, a questão se
esclarece se admitimos que as recordações têm necessidade de um
adjuvante motor para se atualizar, que a atitude mental se insere numa
atitude corporal.
Ora, os verbos exprimem, essencialmente, as ações.
Assim, quando a linguagem ameaça nos deixar, um esforço corporal é capaz
de resgatá-la. Já os nomes próprios estão, efetivamente, distantes das
ações do nosso corpo, sendo, assim, atingidos em primeiro lugar nas
perturbações progressivas da linguagem. Toda
percepção nasce das vibrações transmitidas pelos nervos aos centros
perceptivos. Se essa propagação é a origem das imagens nos centros
corticais, pode-se afirmar que a memória é uma função do cérebro. Assim,
perturbações na memória seriam explicadas por lesões cerebrais que
atingem, exatamente, as regiões ocupadas pelas recordações. Mas,
movimento não produz senão movimento, diz Bergson.
As vibrações
perceptivas imprimem no corpo uma atitude na qual as recordações se
inserem, sendo selecionadas, conforme dissemos, segundo o ponto de vista
prático ou vital, que representa a situação do corpo no mundo. Em si
mesmas, as recordações devem ser procuradas alhures. Nessa perspectiva,
as lesões cerebrais atingem somente as ações nascentes. O corpo é
impedido de esboçar a atitude adequada frente a um objeto e a
recordação, por conseguinte, é impedida de se atualizar, uma vez que a
percepção tem, em primeiro lugar, uma função eminentemente prática. O
que significa, portanto, que a lesão cerebral não destrói as
recordações. Dessa forma, Bergson contorna, ao mesmo tempo, os embaraços
provenientes da tese do armazenamento das recordações no cérebro, e, de
modo mais geral ou fundamental, os decorrentes da consideração de uma
imagem em particular, por exemplo, essa que temos do cérebro como
representante do campo das imagens, do qual, na verdade, faz parte, e
que chamamos de campo fenomenal.
Heranças filosóficas Conforme
afirmação anterior, a obra de Bergson foi marcante na herança
filosófica recebida por Merleau-Ponty. Tal herança distingue-se por duas
características principais. Primeiramente, a preocupação com a
superação dos embaraços teóricos do dualismo cartesiano, e aqui
invocamos as palavras iniciais de Bergson (1968) em Matéria e Memória:
Este
livro afirma a realidade do espírito, a realidade da matéria, e tenta
determinar a ligação de um ao outro a partir de um exemplo preciso, o da
memória. Ele é portanto claramente dualista. Mas, de outra parte, ele
visa corpo e espírito de maneira tal que ele espera atenuar bastante,
senão suprimir, as dificuldades teóricas que o dualismo sempre suscitou e
que fazem com que, sugerido pela consciência imediata, adotado pelo
senso comum, ele seja pouco estimado entre os filósofos. (p. 1)
A
segunda característica é um método de reflexão psicológica tendendo a
uma metafísica da natureza. Merleau-Ponty buscou, claramente, um
deslocamento em relação a esse segundo ponto (Bimbenet, 2004). Com
efeito, Bergson foi o último filósofo de uma tradição espiritualista que
buscava, em uma metafísica, a conciliação entre natureza e espírito.
Segundo Bimbenet (2004),
Merleau-Ponty
não cessa de se diferenciar de seu primogênito nos seus primeiros
trabalhos, mas pensamos que é preciso compreender essas tomadas de
distância inicialmente sobre o fundo de um projeto comum, de pensar o humano sem restrição, e ao mesmo tempo sem redução, a partir da vida (p. 29, itálicos nossos)
Merleau-Ponty
vê no pensamento de Bergson, assim como na filosofia husserliana, um
significativo ensaio de retorno às coisas (Barbaras, 1999, citado por
Pinto, 2006). Mas, para Merleau-Ponty, noções bergsonianas como as de
ação e de imagens-recordações não alteraram significativamente a
psicologia da percepção. De um modo geral, sua opinião é de que a
filosofia não possui noções de consciência e de ação que possibilitem
uma verdadeira comunicação interior entre elas. A consciência enquanto
duração ou enquanto berço de julgamentos permanece sem estrutura e sem
natureza. A ação, enquanto expressão natural pura, permanece uma série
de eventos exteriores uns aos outros. Consciência e ação, concebidos
dessa maneira, estão justapostos e não unidos.
A ação a que Bergson se
refere é sempre uma ação vital, destinada à manutenção da existência.
Assim, os atos propriamente humanos, como o de falar, de vestir-se, de
trabalhar, permanecem destituídos de um sentido próprio, além daquele
reservado pela biologia3. Além disso, a ação, em Bergson, parece, no mais das vezes, reduzida a uma noção motora4.
Quanto às imagens-recordações, não se pode afirmar que escapam ao
tratamento dado a uma espécie de objeto mental, igual a tantos outros
criados no âmbito da psicologia. Bergson, envolvido em um esforço para
se desvencilhar das concepções materialistas presentes no problema
mente-cérebro, parece não ter se afastado de um realismo mentalista.
Cabe voltarmo-nos às palavras de Merleau- Ponty (1942/2002):
A
negação do realismo materialista não parece possível senão em benefício
do realismo mentalista e inversamente. Não se vê que a partir do
momento em que o comportamento é tomado "em sua unidade" e no seu
sentido humano, não se trata mais de uma realidade material e tampouco,
de outra parte, de uma realidade psíquica, mas de um conjunto
significativo ou de uma estrutura que não pertence propriamente nem ao
mundo exterior, nem à vida interior. É o realismo em geral que seria
preciso pôr em causa. (p. 197)
Apesar
das diferenças filosóficas, que, em realidade, sugerem um avanço no
processo reflexivo, Merleau-Ponty, da mesma forma que Bergson, não
hesitava em "entrar em contato com os fatos". Sua atitude não era a do
metafísico que, conforme os dizeres de Bergson (1974a), acreditaria
"sujar as mãos" caso entrasse em contato com os dados referentes às
patologias mentais, por exemplo. Tudo nos faz crer que Merleau-Ponty
herdara de seu antecessor a ideia de que o pensamento filosófico,
sobretudo aquele que se instala no campo de uma pretensa natureza
humana, não pode prescindir dos fatos apresentados pelas ciências tais
como a psicologia, a patologia e a fisiologia.
Com efeito, já em seu
primeiro trabalho, A Estrutura do Comportamento(1942/2002),
Merleau-Ponty debruçou-se sobre os conhecimentos que vinham sendo
produzidos, sobretudo, na psicologia e na neurofisiologia. Com o intuito
de aproximar-se do problema das relações entre consciência e natureza,
neste livro optou por partir "de baixo", da análise do comportamento
desde suas bases orgânicas. A partir daqui, focalizaremos alguns
argumentos, presentes nessa obra, que podem ser significativos para a
discussão que ora nos ocupa.
Campo fenomenal e funcionamento nervoso Merleau-Ponty,
após realizar a crítica das concepções clássicas do funcionamento
nervoso, bem representadas na reflexologia de Pavlov, e depois de se
apropriar dos resultados de pesquisas mais modernas cuja essência é
apresentar o cérebro enquanto entidade funcional e coordenadora da
atividade que sustenta a estrutura do comportamento, logra alcançar uma
visão do funcionamento nervoso apoiada no primado do mundo percebido a
partir da noção de forma.
Contra
o "espírito anatômico", que faz do funcionamento nervoso uma atividade
fundada em conexões visíveis e territórios bem demarcados, elevaram-se
resultados de pesquisas que se destacaram pela ambição de realizar uma
descrição concreta dos fenômenos observados, ou seja, sem isolá-los do
seu contexto, e pela realização de análises diametralmente opostas às
análises que fragmentam os fenômenos em partes reais externas umas às
outras.
De
fato, um novo gênero de análise se impõe. As lesões corticais não podem
ser consideradas como perturbações eletivas, que dizem respeito apenas a
fragmentos do comportamento. Retornando aos fenômenos, vemos que a
transformação patológica acarreta um comportamento menos organizado,
mais amorfo e que permanece impermeável a um olhar que nele busque
isolar elementos ou conteúdos. O comportamento normal ou patológico
exige uma análise que se paute não na observação enquanto simples
notação das diferenças, mas na compreensão, buscando a "fisionomia de um
conjunto" irredutível às suas partes e buscando a sua lei imanente.
Dessa forma, a doença deixa de ser algo que apenas produz efeitos e pode
passar a ser considerada como uma nova significação do comportamento.
Disso
advêm conclusões sobre o "setor central" da atividade nervosa.
"A
existência de perturbações
de estrutura sugere a de uma função geral
de
organização do comportamento.
Esta função deveria caracterizar a região
central do córtex",
diz Merleau-Ponty (1942/2002, p. 74),
referindo-se
às conclusões de autores como Buytendijk, Piéron e Goldstein. Assim, o
cérebro deixa de ser considerado sede de inúmeros dispositivos
anatômicos para ocupar a posição de um sistema regulador, capaz de
garantir ao comportamento as suas características gerais.
Com
isso, estes autores não pensam em dizer que as funções cerebrais são
indiferentes ao substrato pelo qual se realizam. De fato, o local das
lesões é o ponto principal das perturbações de estrutura e determina a
sua distribuição preferencial. Sabemos, por exemplo, que a destruição de
uma área especializada do córtex cerebral leva a substituições
funcionais, mas que estas nunca restituem plenamente a função afetada.
Por outro lado, a especialização das regiões cerebrais não suprime a sua
relação com o conjunto do funcionamento nervoso. Assim é que lesões
occipitais levam a perturbações no pensamento visual, não porque as
áreas occipitais sejam a sede deste modo de pensamento, mas porque são
"os meios privilegiados de sua realização" (Merleau-Ponty, 1942/2002, p.
79), segundo as indicações de Piéron.
Em outros termos, a relação entre
a função e o substrato é de reciprocidade.
Qualquer território
da massa cerebral está ligado ao funcionamento global do sistema nervoso
e, de modo análogo, o funcionamento nervoso não deixará de ser
profundamente alterado se houver uma alteração em qualquer um desses
territórios. Os comportamentos superiores estão ligados ao cérebro
enquanto entidade funcional, sustentada por centros coordenadores cuja
atividade concerne à estrutura, organização e configuração dos
comportamentos. Estes centros possuem por função improvisar a todo
instante as coordenações necessárias para que sejam elaboradas as
propriedades estruturais da linguagem, por exemplo.
A flexibilidade é
uma marca deste processo. "Se o centro coordenador, no lugar de realizar
as coordenações de fonemas possui nele próprio tantos dispositivos
reguladores quanto há de palavras, não se vê mais o que os distingue de
traços cerebrais'" (Merleau-Ponty, 1942/2002, p. 95). Neste caso, não
se ultrapassa os hábitos do antigo paralelismo, que encontra no mapa
cerebral relações de semelhança entre as palavras, por exemplo. Em
qualquer forma de percepção - visual, espacial, de linguagem -, o
funcionamento nervoso não implica o desencadeamento de dispositivos
preestabelecidos. O processo fisiológico "deve ser improvisado,
constituído ativamente no momento mesmo da percepção" (p. 97).
Diante
do exposto, conclui-se que uma concepção funcional do paralelismo é o
máximo que se pode aceitar. Segundo Merleau-Ponty, a antiga fisiologia
não errou ao colocar em paralelo a atividade nervosa e as operações da
consciência. Contudo, ao se valer do método de análise elementar,
alcançou tão somente um paralelismo ilusório, no qual se dissociava o
funcionamento nervoso em uma série de processos justapostos, reduzindo,
por outro lado, os atos de consciência à associação de conteúdos reais.
Com o descrédito da análise elementar na psicologia e na fisiologia,
passou-se do paralelismo de elementos a um paralelismo funcional ou
estrutural, em que os fatos psíquicos não são mais justapostos aos fatos
fisiológicos, em que a psicologia e a fisiologia procuram os modos de
organização do comportamento, "uma para descrevê-los, a outra para
determinar-lhes o suporte corporal" (Merleau-Ponty, 1942 / 2002, p.84).
Qual
é, então, o significado do substrato somático na estrutura do
comportamento? De fato, se tomarmos o cérebro por uma massa de células e
de condutores, diz Merleau-Ponty, e o espaço por uma multiplicidade de
partes exteriores umas às outras, será preciso dizer que os
comportamentos superiores não estão contidos nem no cérebro nem no
espaço, visto que a realidade fisiológica cerebral não é representável
nos parâmetros do pensamento real. Em se tratando da relação entre a
percepção e o cérebro, deve-se, portanto, admitir que os eventos
nervosos constituem a condição de existência do fenômeno perceptivo,
contudo deve-se admitir, também, que eles não dão conta daquilo que
percebemos. Merleau-Ponty (1942/2002) diz:
A
passagem do influxo nervoso em tais condutores não produz o espetáculo
visível, ela nem mesmo determina-lhe a estrutura de modo unívoco, visto
que esta se organiza segundo leis de equilíbrio que não são nem aquelas
de um sistema físico, nem aquelas do corpo considerado como tal. O
substrato somático é o ponto de passagem, o ponto de apoio de uma
dialética. (p. 222)
Dialética
que se estabelece entre o organismo e o mundo percebido, e que revela o
lugar do comportamento propriamente dito enquanto motivado pelo sentido
percebido.
Chegamos,
assim, à concepção propriamente merleau-pontiana do funcionamento
nervoso em sua relação com o comportamento, concepção essa calcada em
uma filosofia da forma, desenvolvida a partir das experiências da escola
de Berlin, acrescida da ruptura em relação à ideia dessa mesma escola
acerca do isomorfismo entre as formas psíquica, fisiológica e física.
Segundo Merleau-Ponty, partindo dessa noção, a psicologia da forma
mostra não ter reconhecido como necessária a reforma da concepção de
conhecimento e de metafísica que se atrelava às próprias experiências
que ela trazia à luz.
Afinal, o isomorfismo terminava por assentar no
mundo da física, segundo a tradição do materialismo, o sentido da
percepção. Merleau-Ponty a todo instante frisa que, para que se possa
compreender o fenômeno perceptivo, não há como deixar de reconhecer o
primado do mundo percebido, não há como partir senão dos dados
fenomenais, como veremos a seguir.
Uma
forma, seja em um sistema físico ou em um sistema orgânico, adquire uma
realidade própria. Com isso quer-se dizer que a forma não é a simples
consequência da presença dos materiais que a compõem. Nela, os processos
que ocorrem, quaisquer que sejam eles, configuram a ocasião para a
formação de uma unidade indecomponível e que não pode ser apreendida
pela soma de processos locais e parciais. A forma adquire propriedades
originais em relação às suas partes. Cada momento da forma define-se
pelo todo, o valor de cada uma das suas partes depende do estado de
equilíbrio total. O sistema, a estrutura, gera suas próprias leis de
equilíbrio e de funcionamento cuja fórmula é um fator intrínseco à
própria forma.
Nesse
sentido, a noção de forma possui qualidades que lhe possibilitam dar
conta do funcionamento nervoso. Esse pode ser apreendido enquanto
processo do tipo "figura e fundo", no qual a ambiguidade do lugar na
substância nervosa parece encontrar uma significação. Tanto as
localizações horizontais, ou seja, pontuais, quanto aquelas verticais,
que dizem respeito a campos funcionais, podem ser compreendidos como
"figuras" inseparáveis do fundo constituído pela atividade do todo da
matéria nervosa.
Mas
é importante sublinhar que é ao mundo fenomenal que recorremos quando
utilizamos os termos "figura" e "fundo" para descrever as "formas
fisiológicas". É somente no mundo percebido que a função "figura e
fundo" encontra sentido. Portanto, pode-se afirmar que o percebido
somente é acessível por meio do próprio percebido; falar de processos
fisiológicos pretensamente puros no que tange à análise da percepção é
impossível. Isso se coaduna com o fato de que, caminhando rumo ao centro
do córtex cerebral, percebemos que as condições do comportamento
encontram-se menos na substância nervosa do que nos "modos
qualitativamente variáveis do seu funcionamento global" (Merleau-Ponty,
1942/2002, p. 102). É por isso que Merleau-Ponty atrela decisivamente a
fisiologia ao pensamento psicológico no que diz respeito às relações do
comportamento com o cérebro. Diz o autor:
"A fisiologia não poderia ser
pensada completamente
sem empréstimo à psicologia"
(p. 102).
Sem o
recurso ao percebido, a fisiologia do funcionamento nervoso não alcança
senão abstrações que, em um momento ou em outro, revelam a sua
infertilidade.
Em
suma, o funcionamento nervoso não é concebível sem que se faça
referência ao campo fenomenal e às suas leis de equilíbrio interior, ao
mundo percebido e às suas estruturas próprias. Ele constitui um processo
de forma, noção ela própria emprestada ao mundo fenomenal e fundamental
para que compreendamos as relações do comportamento com o cérebro.
Através dela, pensa-se em ultrapassar o atomismo nas concepções sobre o
funcionamento nervoso sem reduzi-lo a uma atividade indiferenciada e,
ainda, sem reduzir o próprio comportamento às funções nervosas, na
medida em que estas não podem ser abstraídas do campo fenomenal ou do
corpo enquanto ser no mundo; pensa-se, também, em ultrapassar o
localizacionismo ou o materialismo no sentido estrito do termo, sem
deslizar para a formulação de teses intelectualistas ou espiritualistas.
Considerações finais As
teses materialistas acerca do problema mente-corpo possuem suas origens
no dualismo cartesiano, agravado pelas disputas entre espiritualistas e
realistas ao longo de três séculos. Tais teses apoiam-se na esperança
no triunfo da ciência em sua pretensão de explicar todos os fenômenos
que nos cercam. Sob esse viés materialista, parte da ciência espera dar
conta de explicar o funcionamento cerebral e, consequentemente, de
explicar as facetas do nosso funcionamento psicológico. Bergson, em uma
espécie de fenomenologia do ato perceptivo, tentou suplantar a tese
materialista. Mostrou que as hipóteses fisiológicas acerca dos fenômenos
da percepção e da memória não desfazem a necessidade de que, em algum
ponto, a consciência seja reconhecida, ou como um milagre, como um
epifenômeno ou como um mero acaso. Todavia, as noções trabalhadas por
Bergson deixam lacunas. A tese de que a percepção tem seu motivo na
tendência de aderir aos interesses do ser vivo não deságua em uma
espécie de vitalismo?
Para Merleau-Ponty, Bergson articula uma noção de
percepção, mas que não leva a consciência e a ação a um imbricamento
verdadeiro em uma estrutura natural e, assim, o autor não escapa ao
dualismo, o que o próprio Bergson reconhece, como vimos, na introdução
de "Matéria e Memória". Já Merleau-Ponty apresenta-nos uma noção
estrutural do funcionamento nervoso, fazendo brotar a consciência
enquanto forma. O filósofo reafirma o cérebro como o "setor central" do
comportamento, mas também, e com a mesma convicção e sustentação
empírica, que as condições fisiológicas cerebrais não são suficientes
para a sua compreensão. O funcionamento nervoso de modo geral e, em um
grau mais específico, a consciência perceptiva, exigem uma análise de
caráter estrutural, pautada no campo fenomenal e no mundo percebido.
Esperamos ter mostrado, ainda, que ambos escolheram desenvolver seus
pensamentos em um mesmo campo da filosofia, o da questão mente-corpo, e
com atitudes muito parecidas, sobretudo ao fazê-la dialogar com o
conhecimento científico. Os projetos filosóficos de Bergson e de M-P
convergem em suas investigações sobre a noção de experiência, sobretudo
na medida em que ambos almejam liberá-la das determinações prévias
advindas do senso comum, da ciência ou da própria reflexão filosófica.
Acima de tudo, os dois autores recusam as soluções clássicas da
filosofia moderna que se encontravam amalgamadas ao trabalho científico
do seu tempo (Pinto, 2006).
Bergson escreveu: "É preciso optar, em
filosofia, entre o puro raciocínio que visa a um resultado definitivo,
imperfectível, pois é suposto perfeito, e uma observação paciente que
fornece apenas resultados aproximativos, capazes de ser corrigidos e
completados indefinidamente" (Bergson, 1974b, p. 104). Bergson optou
pelo segundo plano de ação e, sem dúvida, Merleau-Ponty fez o mesmo,
dando continuidade e fazendo avançar as investigações do seu antecessor.
Henri Bergson's and Maurice Merleau-Ponty's critique to the materialistic approaches to the mind-body problem Les critiques de Henri Bergson et de Maurice Merleau-Ponty aux conceptions materialistes du problème corps-esprit Las críticas de Henri Bergson y Maurice Merleau-Ponty a los enfoques materialistas del problema mente-cuerpo ABSTRACT In
this paper we present Henri Bergson's and Maurice Merleau-Ponty's
critique to the materialistic approaches to the mind-body problem. These
approaches are intrinsically connected to the scientific aspirations,
inaugurated with modernity, by encompassing all phenomena around us and
of unifying the world's diversity in only one explaining pattern. In a
kind of phenomenology of the perceptive act, Bergson tried to overcome
the materialistic theses of the relationships between mind and brain. By
attaining to the psychophysical parallelism, Bergson showed that
perception answers to the needs of the living being. Besides, he
approached the relationship between memory and brain, fighting the idea
that recollections exhibit a nature such that permits they are stored in
the brain mass. On the other hand, in The Structure of Behavior,
after his critique of the classical conceptions of the nervous system
functioning, and after considering the results of research presenting
the brain as the coordinating entity of the behavioral structure,
Merleau-Ponty presents his perspective based on the primacy of the
perceived world, which in turn is based on the notion of form. We also
discuss the philosophical heritage left by Bergson to Merleau-Ponty as
well as some of latter's critiques to the former's work. Keywords: Mind-body problem. Psychophysical parallelism. Bergson, Henri Louis, 1859-1941. Merleau-Ponty, Maurice, 1908-1961. RÉSUMÉ Dans
cet article, nous présentons les critiques de Henri Bergson et de
Maurice Merleau-Ponty aux conceptions materialistes du problème
corps-esprit. Tels conceptions sont, intrinsèquement, attachées aux
ambitions scientifiques, inaugurées avec la modernité, de totaliser les
phénomènes que nous entourent et d'unifier la diversité du monde par une
norme explicatif unique. Bergson, dans une sorte de phénoménologie de
l'acte perceptif, a essayé de surmonter les théses materialistes du
rapport entre esprit et cerveau. En s'occupant du parallélisme
psychophysiologique, il a montré que la perception répond aux nécessités
de l'être vivant. D'ailleurs, il a abordé le rapport entre mémoire et
cerveau, en refusant l'idée que les souvenirs possèdent une telle nature
qui permette qu'elles soient emmagasinées dans la masse cérébral.
D'autre part, Merleau-Ponty, dans « La Structure du Comportement »,
après réaliser la critique des conceptions classiques du fonctionnement
nerveux et après s'approprier des résultats de recherches que présentent
le cerveau comme entité coordinatrice de la structure du comportement,
il présent une vision du fonctionnement nerveux soutenue dans le primat
du monde perçu à partir de la notion de forme. On discute, encore, les
héritages philosophiques léguées par Bergson à Merleau-Ponty et quelques
critiques de celui-ci à l'oeuvre de son prédécesseur. Mots-clés: Problème corps-esprit. Parallélisme psychophysiologique. Bergson, Henri Louis, 1859-1941. Merleau-Ponty, Maurice, 1908-1961. RESUMEN En
este artículo se presentan las críticas de Henri Bergson y Maurice
Merleau-Ponty a los enfoques materialistas del problema mente-cuerpo.
Tales enfoques están intrínsecamente vinculados a las ambiciones
científicas, inauguradas con la modernidad, de totalizar los fenómenos
que nos rodean y de unificar la diversidad del mundo por un solo patrón
explicativo. Bergson, en una especie de fenomenología del acto
perceptivo, intentó superar las teorías materialistas de la relación
mente y cerebro. Acercándose del paralelismo psicofisiológico, mostró
que la percepción se ocupa de las necesidades del ser vivo. Por otra
parte, abordó la relación entre memoria y cerebro, rechazando la idea de
que los recuerdos son de tal naturaleza que les permite ser almacenados
en la masa cerebral. A su vez, Merleau-Ponty, en La Estructura del Comportamiento,
después de hacer la crítica de conceptos clásicos del funcionamiento
nervioso y utilizando los resultados de investigaciones que presentan el
cerebro como entidad coordinadora de la estructura del comportamiento,
presenta una visión del funcionamiento nervioso apoyado en la primacía
del mundo percibido a través de la noción de forma. Discutimos además
las herencias filosóficas legadas por Bergson a Merleau-Ponty y algunas
críticas de este último al trabajo de su antecesor. Palabras-clave: Problema mente-cuerpo. Paralelismo psicofisiológico. Bergson, Henri Louis, 1859-1941. Merleau-Ponty, Maurice, 1908-1961.
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D. C. M. (2006). A meditação segundo a percepção: Bergson,
Merleau-Ponty e o verdadeiro sentido da experiência. In D. C. M. Pinto
& R. V. Marques (Orgs.), A fenomenologia da experiência: horizontes filosóficos da obra de Merleau-Ponty (pp. 171-202). Goiânia: Editora da UFG. [ Links ]
Recebido em: 13/07/2008 Aceito em: 24/09/2008
Danilo Saretta Verissimo,
Doutorando na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo, Bolsista CAPES. Endereço para
correspondência: Rua General Rondon, 26, ap. 53, CEP 11030-570, Santos,
SP. Endereço eletrônico: dsverissimo@pg.ffclrp.usp.br
Reinaldo Furlan,
Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Av.
Bandeirantes, 3900, CEP 14040-901, Ribeirão Preto, SP. Endereço
eletrônico: reinaldof@ffclrp.usp.br
1Sobre
a noção de imagem em Bergson: "A matéria, para nós, é um conjunto de
imagens'. E por imagem' entendemos uma certa existência que é mais do
que aquilo que o idealista chama uma representação, mas menos do que
aquilo que o realista chama uma coisa, - uma existência situada a meio
caminho entre a coisa' e a representação'. Esta concepção da matéria é
simplesmente aquela do senso comum... Pois, para o senso comum, o
objeto existe nele mesmo e, de outra parte, o objeto é, nele mesmo,
pitoresco como nós o percebemos: é uma imagem, mas uma imagem que existe
em si" (Bergson, 1968, pp.1-2) 2
Sobre a relação entre a análise bergsoniana da percepção e a
fenomenologia, Pinto (2006) comenta: "Bergson redefine a percepção como
ação no mundo e repõe a unidade primordial entre mundo e corpo próprio,
unidade recuperada pelo encontro com o fundo de intuição real
sobre o qual a inserção pragmática se dá, fundo que explicita um domínio
pré-objetivo como relação entre imagens, como imagens em movimento.
Nessa medida, ele estaria oferecendo uma alternativa igualmente
perscrutada pela fenomenologia, já que circunscrever a percepção como
ação no mundo efetivada por uma imagem especial significa vincular
internamente percepção e vida, o perceber passa a ser considerado um
processo vital e suas conseqüências são retomadas enquanto determinações
de um mundo antes de mais nada vivido" (p. 175).3
"como se a consciência não pudesse ultrapassar as melodias do instinto
sem se liberar de toda forma determinada", quando se trata, justamente,
de "descrever as estruturas de ação e de conhecimento nas quais ela se
engaja" (Merleau-Ponty, 1942 / 2002, p.178) 4
A respeito do vínculo entre consciência e motricidade na filosofia de
Merleau-Ponty, Furlan (2006) comenta: "a consciência é um eu posso', e
não um eu penso', e toda percepção revela determinada postura do corpo
no mundo enquanto um campo de ação efetiva e / ou virtual. Por isso a
motricidade se revela desde o princípio de fundamental importância para a
descrição do sentido do mundo e da encarnação da consciência,
importância que a uma só vez lembra a crítica de Bergson à concepção
abstrata da percepção enquanto contemplação – quando ela é eminentemente
vital ou devotada à ação –, e a insuficiência de sua filosofia nessa
direção, pois nela ainda se trata, segundo Merleau-Ponty, de entender a
percepção como a consciência dos movimentos nascentes no próprio corpo, o
que configuraria novamente a separação entre o automatismo desses
movimentos e a sua consciência, quando se trata de perceber a própria
motricidade como um modo de ser consciência." (pp. 48-49)