quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O SIMULACRO DAS PROFUNDIDADES -- AS "ALICES" QUE ME MOVEM


AULA ANÁLISE:
Lewis Carrol - Alice no Pais das Maravilhas - 89min
As “Alices” que me movem: Simulacro e
Verossimilhança no filme A casa de Alice


Franciele Paes Pimentely

Universidade Federal da Bahia

Partindo da premissa de Adorno1 sobre o gênero ensaístico, tomo aqui
a liberdade de descrever o caminho percorrido até a escolha do foco
de análise deste estudo. O clássico “Alice no País das Maravilhas”, de
Lewis Carroll (1865), permeia meus estudos desde a escrita de minha
Dissertação em 2008/2009. Ao considerar as inúmeras possibilidades
de relações entre esta obra e o conteúdo apresentado na disciplina
Teorias Ensaio apresentado à disciplina Teorias da Representação Literária
ministrada pela Profa Evelina Hoisel do Programa DINTER UFBA/UNIOESTE
(Doutorado Interinstitucional Universidade Federal da Bahia –
 UFBA/Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE). yMestre
 pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Aluna especial do Programa
 de Pós-Graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da Bahia –UFBA.

1 No texto intitulado “Ensaio como forma”, Theodor Adorno defende a forma
ensaística como a maneira mais adequada do autor traduzir seu pensamento: estabelecendo
um contato direto com o leitor, coordenando suas ideias, mostrando de
forma subjetiva a escolha do tema e demonstrando espontaneidade na exposição das
opiniões. É assim que Adorno julga o ensaio, afirmando que nesta forma é dada ao
autor a possibilidade de decifrar seu objeto sem prender-se à teia rígida dos conceitos.
Cf. ADORNO, Theodor. Ensaio como forma. In: Notas de literatura I. Trad. Jorge
de Almeida. São Paulo: Editora 34, 2003. da Representação Literária2, me
 vi diante das possíveis interlocuções existentes entre o clássico literário e o
 filme “A casa de Alice”, de Chico Teixeira (2007); a começar pelo nome.
2
Inserida no universo de significações que constitui o maravilhoso
mundo de Alice (a da obra literária) e os percalços vividos pela personagem
Alice (a da casa), fui em busca da crítica ao filme, ganhador
de diversos prêmios nos festivais nacionais e internacionais pelos quais
passou.

Foram diversos os textos encontrados a respeito do filme, em especial
na internet, dentre eles a crítica de Rodolfo Lima3, que trazia
a seguinte afirmação: “Retratados sem maniqueísmos os familiares de
Alice, não são meros simulacros. São verossímeis e se não residem dentro
da nossa casa, estão ao lado, no parente distante.” Aqui encontrei o
ponto de convergência entre a narrativa cinematográfica e as Teorias da
Representação Literária: Por que afirmar que os personagens não são
meros simulacros? E por que os mesmos são verossímeis?

Compartilhando ainda da ideia de Adorno, decifro os questionamentos
à luz das teorias clássicas de Platão, retomadas por Deleuze;
e também das contribuições de Compagnon, no intuito de minimizar as
inquietações pertinentes à definição dos termos simulacro e verossimilhança.

Contudo, sem prendê-los à forma rígida dos conceitos, mas
considerando, despretensiosamente, uma simples interpretação.

O termo simulacro, desde os anos 1970 e 1980, vem adquirindo
uma conotação bastante generalizada. É comum encontrarmos o termo
fazendo referência a algo artificial, ou seja, a um conjunto ficcional cujo
valor é equiparável ao “modelo verdadeiro”. Tem-se que o primeiro filósofo
a desenvolver a noção de simulacro, de forma mais abrangente, foi
Gilles Deleuze, apresentando a noção de simulacro de uma forma crítica
e liberta. É importante ressaltar a evolução do pensamento deleuziano
no que tange às teorias do simulacro, uma vez que, a partir de suas publicações,
o teórico tornou-se um dos maiores comentadores da história
da filosofia.

2 Disciplina obrigatória da Linha de Pesquisa em Literatura do Programa DINTER
UFBA/UNIOESTE.

3 Jornalista, ator e crítico de cinema. Sua crítica ao filme A casa de Alice pode ser
lida em www.cranik.com/acasadealice_critica.html.
 3
Na obra A Lógica do Sentido, Deleuze aponta uma mudança de tom
e de teor aos seus estudos, fazendo considerações sobre o pensamento
grego e sua recepção. Na visão de Platão os simulacros seriam erros,
cópias ruins da mímesis e Deleuze apresenta nesta obra a resposta a
tal afirmativa na intenção de “fazer subir os simulacros, afirmar seus
direitos entre os ícones ou as cópias.” (DELEUZE, 1974, p. 267), frase
que caracteriza a tão bem conhecida “reversão do platonismo”.

Nas considerações de Deleuze, Platão considera que o simulacro
possui um valor inferior ao ícone, para tanto o justifica ao apontar o seu
“efeito improdutivo”, que estaria relacionada a uma imitação que não
passa de uma simulação, cujos efeitos de semelhança residem apenas
em seu nível exterior. O efeito produtivo, para Platão, dizia respeito à
dimensão, profundidade e à distância que o simulacro deve ter.

Platão precisa o modo como este efeito improdutivo é obtido:
o simulacro implica grandes dimensões, profundidades
e distâncias que o observador não pode dominar. É porque
não as domina que ele experimenta uma impressão de semelhança.
O simulacro inclui em si o ponto de vista diferencial;
o observador faz parte do próprio simulacro, que se
transforma e se deforma com seu ponto de vista. Em suma,
há no simulacro um devir-louco, um devir ilimitado [...].(DELEUZE, 1974, p. 264)

Se considerarmos possível a relação entre o “observador” de Platão
e o leitor da pós-modernidade, é notório um dos pontos de tensão existentes
na teoria platônica que podem ter gerado a ânsia pela “reversão
do platonismo”:

[...] Por sua vez, o viver em linguagem na pós-modernidade
solicita esse leitor astucioso, capaz de migrar e transmigrar
através dos signos e das linguagens que trançam a malha
cultural contemporânea. Trata-se, portanto, de delinear o
perfil de um leitor compromissado com determinados protocolos
de leitura, utilizando-se de aparatos interpretativos
que sustentam os seus investimentos afetivos, pois, da perspectiva
aqui esboçada, a leitura se processa em um entrelugar
da afetividade do saber. Saber precário, que não se
quer totalitário nem totalizante, mas que também nada tem
de liberal, no que diz respeito a conferir ao texto um sentido
consistente e unívoco. (HOISEL, 2008, p. 66)
4
O leitor contemporâneo é parte do texto que lê, uma vez que encontra
no texto as diversas possibilidades de entendimento que lhe é pertinente.
O “devir-louco” a que Deleuze faz referência seria a constante
oscilação que permeia essas diversas possibilidades de entendimento do
simulacro, uma oscilação contínua entre um universo e outro:

[...] um devir subversivo das profundidades, hábil a esquivar
o igual, o limite, o Mesmo ou o Semelhante: sempre
mais e menos ao mesmo tempo, mas nunca igual. Impor
um limite a este devir, ordená-lo ao mesmo, torná-lo semelhante
– e, para a parte que permaneceria rebelde, recalcá-la
o mais profundo possível [...] tal é o objetivo do platonismo
em sua vontade de fazer triunfar os ícones sobre os simulacros.
(DELEUZE, 1974, p. 264)

É importante ressaltar que Platão já evidenciava sua “repulsa” pelo
simulacro no Livro IV da República, onde apontava a arte poética como
algo inútil, uma vez que era subversiva ao homem – o homem imitava
uma realidade depreciativa que não poderia levá-lo ao bem. Esta visão
é percebida quando os poetas são expulsos da polis, por terem falsificado
a imagem dos deuses como corruptos e ainda por produzirem simulacros
de generais, governantes, médicos, sem que estes possuíssem
o saber digno às suas atribuições. Os poetas foram então expulsos
porque suas produções foram vistas como tipos-cópias, que não poderiam
servir de modelo para os cidadãos de um Estado filosófico ideal
baseado na justiça.

O platonismo funda assim todo o domínio que a filosofia reconhecerá
como seu: o domínio da representação preenchido
pelas cópias-ícones e definido não em uma relação extrínseca
a um objeto, mas numa relação intrínseca ao modelo
ou fundamento. O modelo platônico é o Mesmo: no
sentido em que Platão diz que a Justiça não é nada além
de justa, a Coragem, corajosa etc. – a determinação abstrata
do fundamento como aquilo que possui em primeiro
lugar. À identidade pura do modelo ou do original corresponde
a similitude exemplar, à pura semelhança da cópia
corresponde a similitude dita imitativa. (DELEUZE, 1974, p. 264)
5
Torna-se pertinente reforçar a teoria de Platão com relação ao simulacro,
uma vez que a partir de suas próprias imposições foi possível
avistar adiante a possibilidade da reversão de suas teorias.

 “Não se pode dizer, contudo, que o platonismo desenvolve 
ainda esta   potência da representação por si mesma:
 ele se contenta em balizar o seu domínio, isto é, 
em fundá-lo, selecioná-lo, excluir dele tudo o que viria 
embaralhar seus limites.”
 (DELEUZE, 1974, p. 264).
Assim, o próprio Platão impõe seus limites, quando em seus desdobramentos
põe em cheque as noções de cópia e de modelo, o que nos
leva a pensar que o próprio filósofo deu aos filósofos contemporâneos o
alimento para aquilo que Deleuze chama de “reversão do platonismo”.

Partindo da premissa de que o simulacro era visto por Platão como
algo de efeito improdutivo, tem-se que a reversão do platonismo trouxe
enfim uma nova forma de assimilação do termo. Mas não se trata de
desmentir/desconsiderar a teoria platônica e sim de esmiuçar e compreender
as tensões que nela residem, gerando assim diferentes entendimentos.

Mas se o simulacro trouxe consigo esta noção problemática e negativa,
foi justamente por causa da sua injusta marginalização, afinal,
à revelia de Platão, a intenção com a reversão do platonismo era justamente
a de afirmar o simulacro entre as cópias e os ícones, dando-lhe
o mesmo valor destes. Assim, como Deleuze (1974) afirma: “o simulacro
não é uma cópia degradada, ele encerra uma potência positiva que
nega tanto o original como a cópia, tanto o modelo como a reprodução.
(DELEUZE, 1974, p. 267- grifo do autor).

Assim, dada a exposição do termo simulacro, passemos então ao
entendimento da noção de verossimilhança para, enfim, procedermos
ao objetivo deste estudo.
Partimos da definição de verossimilhança dada pelo dicionário Silveira
Bueno:

6
 VEROSSIMILHANÇA, s. f. Qualidade do que é verossímil;
verdade; coerência. (BUENO, 2007, p. 795)
E do termo verossímil:

VEROSSÍMIL, adj. Semelhante à verdade; que tem
aparência de verdadeiro. (BUENO, 2007, p. 795)
Assim, de acordo com o Dicionário de Termos Literários de Massaud
Moisés:
VEROSSIMILHANÇA – Lat. veri, verdade, similis,
semelhante à. (MOISÉS, 1988, p. 465)

No livro “O Demônio da Teoria: Literatura e senso comum”, Antoine
Compagnon aborda o conceito de verossimilhança a partir da relação
entre literatura e realidade, entendendo o mundo como o sujeito
e a matéria da obra. A indicação do subtítulo “O Mundo” [Capítulo III
do livro citado], se refere à representação. Mas não se trata mais de
uma representação da realidade, afinal a própria realidade é dada pelos
argumentos/pressupostos apresentados na narração:

No cinema, trata-se da verdade do filme. Por entender tratar-
se da verdade interna, costumamos dizer: "acreditamos
que o super-homem voa". Porque essa é a premissa estabelecida,
habilmente construída pela narrativa em questão.

Sim, a obra precisa assemelhar-se à vida, mas dentro da
lógica e coerência construídas pela narrativa. Se fosse apenas
"semelhança"com a vida, o super-homem não poderia
voar. (CASTRO, 2005, p. 4)

Quando o crítico Rodolfo Lima afirma: “Retratados sem maniqueísmos
os familiares de Alice, não são meros simulacros. São verossímeis
e se não residem dentro da nossa casa, estão ao lado, no parente distante.”,
este aponta para a possível fragilidade do simulacro, por implicar
sempre uma perversão, um desvio da realidade. O simulacro não
é a cópia degradada, como afirma Deleuze (1974), pois nega o original
e a cópia, o modelo e a representação, logo não objetiva a semelhança.
 7
Já a verossimilhança captura toda a possibilidade de persuadir, de
convencer de que o que está sendo mostrado é real. Ao assistir o filme é
possível perceber que os personagens não representam pessoas específicas,
fogem à cópia, mas a narrativa traz a coerência interna ao texto,
tanto personagens quanto enredo são plausíveis.
O verossímil, como insistirão os teóricos, não é pois, aquilo
que pode ocorrer na ordem do possível, mas o que é aceitável
pela opinião comum, o que é endoxal e não paradoxal, o
que corresponde ao código e às normas do consenso social.(COMPAGNON, 2001, p. 107)

Não se trata mais da verdade do filme, e sim de uma verdade real,
passível de acontecer. Aqueles personagens retratam uma realidade
possível, podiam estar dentro da nossa casa, ao lado ou até ser a representação
de uma parente distante, como o próprio crítico afirma.
O drama narrado em “A casa de Alice” parece-nos remeter a uma
outra Alice, a de Lewis Carroll, em “Alice no país das maravilhas”,
pois a personagem central do filme também mergulha em um mundo de
fantasias para fugir da sua cruel realidade – a infidelidade do marido,
crise no casamento, a indiferença dos filhos, a impotência frente aos
problemas da mãe. Ela mente e passa a estabelecer novos sentidos às
experiências que vive.

A Alice do país das maravilhas é a personificação do simulacro,
porque o habita. Deleuze (1974) explica esta relação no momento em
que afirma ser a obra um completo nonsense, não segue uma lógica normal,
é a desordem cronológica. Essa desordem é notória nas variações
de tamanho da personagem do livro:

Quando digo “Alice cresce”, quero dizer que ela se torna
maior do que era. Mas por isso mesmo ela também se torna
menor do que é agora. Sem dúvida, não é o mesmo tempo
que ela é maior e menor. Mas é ao mesmo tempo que ela
se torna um e outro. Ela é maior agora e era menor antes.
Mas é ao mesmo tempo, no mesmo lance, que nos tornamos
maiores do que éramos e que nos fazemos menores do que
nos tornamos.

Tal é a simultaneidade de um devir cuja propriedade
é furtar-se ao presente. Na medida em que se furta
ao presente, o devir não suporta a separação nem a distinção
do antes e do depois, do passado e do futuro. Pertence à essência
do devir avançar, puxar nos dois sentidos ao mesmo
tempo: Alice não cresce sem ficar menor e inversamente.

O bom senso é a afirmação de que, em todas as coisas, há
um sentido determinável; mas o paradoxo é a afirmação dos
dois sentidos ao mesmo tempo. (DELEUZE, 2007, p. 01)
Ao discutir a vida cotidiana de uma família suburbana de São Paulo,
Chico Teixeira envolve-nos numa trama de sentidos e emoções. Estes,
distante do simulacro “Alice no país das maravilhas”, nos traz uma possível
realidade, afinal:

O estar diante dos fatos é uma ilusão em dois sentidos: nem
o cineasta pode garantir que apreendeu no filme a realidade,
uma vez que são sempre possíveis outros enquadramentos;
muito menos o filme deve pretender ser a realidade, pois se
trata, em qualquer hipótese, de uma representação. Há, em
toda narrativa, constantes e fundamentais escolhas estéticas
e ideológicas, mesmo que implícitas, mesmo que remotas.
[...] O cinema será entendido como realista se apreender
e narrar bem, com verossimilhança, parte significativa do
drama humano. (CASTRO, 2005, p. 5)

Desta discussão do simulacro e verossimilhança, podemos afirmar
que a verossimilhança é a própria verdade da narrativa, sua verdade
interna, é a coerência à proposta do filme, a audácia e a perspicácia em
demonstrar os dramas humanos. Trata-se da realidade dos personagens,
uma espera da semelhança com o mundo.

 Franciele Paes Pimentel


Referências
ADORNO, Theodor. (2003) “Ensaio como forma.” In: Notas de literatura
I. Trad. Jorge de Almeida. São Paulo: Editora 34.
BUENO, Silveira. (2007) Minidicionário da língua portuguesa. 2.
Ed. São Paulo: FTD.
www.bocc.ubi.pt
As “Alices” que me movem 9
CARROLL, Lewis. (2002) Alice no país das maravilhas. Trad. Clélia
Regina Ramos. Petrópolis, RJ: Editorial Arara Azul. Versão digital
disponível em: www.ebooksbrasil.org/eLibris/alice
p.html.
CASTRO, Guilherme. (2005) Documentário, realidade e ficção. Revista
AV-Audio Visual. São Leopoldo do Sul – RS: Unisinos, v. 3,
no 5, jan-jun.
COMPAGNON, Antoine. (2001) O Demônio da Teoria: Literatura e
senso comum. Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo
Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG.
DELEUZE, Gilles. (1974) “Platão e o Simulacro.” In: Lógica do sentido.
Trad. Luiz Roberto Salinas. São Paulo: Perspectiva.
HOISEL, Evelina. (2008) O leitor astucioso. In: NASCIMENTO,
Evando. (Org.) Literatura e experiência: teoria crítica e relato.
São Paulo: Anablume; Juiz de Fora: Luiz de Fora: PPG – Letras
Estudos Literários, UFJF, p. 63-74.
MOISÉS, Massaud. (1988) Dicionário de termos literários. 5a ed.
Editora Cultrix: São Paulo.
PLATÃO. (1900) A República. Lisboa: Fundação Colouste Gulbenkian.



Li-Sol-30
Fontes:
www.bocc.ubi.pt
http://escola-de-filosofia.webnode.com

O VIRTUAL OU A SUPERFÍCIE PARADOXAL METAFÍSICA - Claudio Ulpiano


Aula de 11/02/1992

 – O virtual ou a superfície paradoxal metafísica


A superfície metafísica e os corpos: Parte 1
A superfície metafísica e os corpos: Parte 2
A superfície metafísica e os corpos: Parte 3


Para vocês, nossos votos de Boas Festas! 
 (Clique em Leia Mais para ouvir a aula)
a página de
 
Filósofo Claudio Ulpiano
Na aula a seguir – O virtual ou a superfície paradoxal metafísica – Claudio nos dá um belo exemplo de que, para ele, filosofia e vida são indiscerníveis. Para explicar o subsistente, ele chega ao PAPAI NOEL:  ”Os objetos são aquilo que pertencem ao real. A teoria dos objetos, inicialmente, no Meinong, é uma ciência do real. Quando ele faz uma teoria dos objetos, está fazendo uma teoria do real, uma teoria daquilo que existe. Ao fazer esta ciência, ele verifica que existe alguma coisa  que aparece para o pensamento, mas não está dentro da teoria do real. Logo, esta coisa não é inexistente. Meinong acrescenta então aos objetos a noção de “Objectif”.

O “Objectif” é exatamente o subsistente. É aquilo que pode ser pensado, mas não tem existência. O subsistente não existe, só tem sentido. Eu já dei um exemplo de subsistente numa outra aula  - é o Papai Noel. 

 A criança não é imbecil. 
A criança não lida com o Papai Noel como existente,
 mas sim como subsistente”.
Esta aula foi gravada em três partes. Quando vocês a ouvirem, perceberão que na passagem da segunda para a terceira parte, um trecho está faltando. Claudio já começa a terceira parte da gravação usando a fonologia como exemplo; claramente, um segmento do que disse se perdeu.  Além disso, a gravação se interrompe antes que a aula termine. Por sorte, nas partes um e dois, a questão central da aula – as duas metades do ser, o virtual e o atual, a superfície metafísica e os corpos – já está brilhantemente exposta. A terceira parte, então, por conta dos trechos perdidos, paira incompleta, inacabada, por sobre a absoluta precisão, clareza e rigor com que o filósofo desenvolve sua fala.

Optamos, porém, por mantê-la. É certo que, mesmo incompleta, ela continua a ser esclarecedora. Nossa intenção ao mantê-la, todavia, desta vez, vai além disso. Pois esta belíssima aula incompleta revela  também uma inusitada composição: o precioso material que temos nas mãos – patrimônio de todos, patrimônio aberto, patrimônio da humanidade -, sua fragilidade material (gravações caseiras em fita cassete), e os ainda escassos recursos do Centro de Estudos Claudio Ulpiano. Que esta aula, assim, expresse a beleza, a potência e a resistência da filosofia frente ao mundo material, com sua incongruência e temporalidade.


Para vocês, nossos votos de Boas Festas! 
 (Clique em Leia Mais para ouvir a aula)


A superfície metafísica e os corpos: Parte 1
A superfície metafísica e os corpos: Parte 2
A superfície metafísica e os corpos: Parte 3


“O que importa nesse momento é que os estoicos fizeram uma coisa incrível! Eles dividiram o ser em dois planos – o plano metafísico, da superfície, e o plano dos corpos. E a partir de agora o objeto do pensamento passa a ter dois lados. Se você quiser pensar, pense os dois lados. Usando a linguagem do Bergson, se você quiser pensar, pense o lado virtual e pense o lado atual. Não se pensa mais um objeto como sendo apenas atual. Pensa-se os dois lados: o virtual e o atual (esse virtual é o que se chama estrutura, depois eu volto a esta questão).

O virtual, agora, ainda que não seja existente, é absolutamente real, e se compõe com o objeto atual. Você vai fazer ciência, pense os dois. Vai fazer arte, vai fazer filosofia, pense os dois. Todo objeto é dividido em duas partes: o virtual e o atual, a superfície metafísica e o corpo. Esta superfície metafísica é o que se chama transcendental em filosofia.

O transcendental é componente fundamental na constituição do objeto, tanto em termos de conhecimento quanto em termos reais. Neste instante, eu constituo o objeto como tendo duas partes – virtual e real – e chamo o virtual de transcendental. Este transcendental, esta parte virtual do objeto, vai se transformar, na obra de Deleuze – já era assim na obra estoica, à oposição de Husserl, de Descartes, de Kant – em genética, gênesis, transcendental genético. Esta parte virtual é a gênese dos seres. Logo, a existência dos seres implica toda esta superfície paradoxal metafísica”.


terça-feira, dezembro 24, 2013 @ 05:12 PM
postado por: Editoria
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=6418

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A SUPERFÍCIE INFINITA: ESTOICOS E BERGSON - Claudio Ulpiano



Aula de 11/03/1992 

– A superfície infinita: Estoicos e Bergson

terça-feira, dezembro 24, 2013 @ 03:12 PM
postado por: Editoria 



A superfície infinita: Parte 1
A superfície infinita: Parte 2
A superfície infinita: Parte 3
A superfície infinita: Parte 4


“A filosofia estoica está atrelada à doutrina do Eterno Retorno.
 A doutrina do Eterno Retorno é o fundamento da filosofia estoica.

E se essa doutrina, como expliquei pra vocês, não necessita de nenhum princípio transcendente, de nenhuma mitologia – ela dá a eternidade ao mais vil dos elementos (um excremento ganha a eternidade!) -, então a vida humana ganha a eternidade sem a necessidade de transcendência.  Esta é talvez a eternidade mais bela que possa existir!

Pois é evidente que a eternidade que queremos é a eternidade que repete aquilo que nós somos. Ser eternos mas diferentes do que somos, não nos interessa. E a eternidade religiosa dirá que, na eternidade, nós seremos diferentes; porque o corpo desaparecerá, seremos só alma, seremos ungidos. Os estoicos dizem: não!  

A eternidade é a eternidade da sua intimidade. 
 Ou seja, eu nunca perderei a infância na minha eternidade. Nem os gestos mais simplórios que fiz ficarão perdidos. Assim, para eles, a constituição desta doutrina do Eterno Retorno gera uma ética; uma ética, inclusive, de altíssimo nível, pois o que se repete pela eternidade é tudo aquilo que você é. Vamos chamar esta doutrina do Eterno Retorno de lei da natureza, campo de possibilidades, onde a repetição é absoluta…”
***
“A tese de Bergson é de que o cérebro
 é uma imagem no seio de um universo de imagens. 
Nós temos uma impressão tola, diz ele, de que o cérebro tem a capacidade de reter imagens dentro dele. Pensamos assim que o cérebro é mais potente do que o sistema de imagens, quando na verdade ele é apenas um ponto imagístico – sem a menor importância – ali dentro. Mas o cérebro está incluído no sistema de imagens e movimento. O cérebro, então, é matéria. Está ali, no mundo!”

Um comentário para “Aula de 11/03/1992 

– A superfície infinita: Estoicos e Bergson”

Pedro disse:
Obrigado por esta tão bela prenda de Natal. (Também eu sinto assim)
 Obrigado pelo vosso trabalho em recuperar a memória de Claudio Ulpiano…uma inspiração! De facto, tudo o que demora a aparecer, demora a desaparecer…demorei a encontrar o legado de Ulpiano e agora que ele habita em mim, não mais irá desaparecer.

 Fonte: