Orlando Fideli
“O sistema bergsoniano
é essencialmente anti intelectualista”
Duvidamos que Plínio Corrêa de Oliveira tenha se dado ao estudo da Filosofia de Bergson. Ele preferia a leitura de revistas superficiais, amenas, ou as fofocas da corte de Luis XIV, lidas nas memórias de Saint Simon.
Mas de alguma forma, parece que ele teve notícia de algo do que Bergson expôs sobre o conhecimento humano, pois esse filósofo gnóstico estava muito na moda na juventude de Plínio. Ele ouviu cantar o galo desafinado do bergsonismo. E um galo que coincidia com sua maneira romântica de ver e de mitificar a realidade. Daí, uma grande afinidade e proximidade do que dizia Plínio C. de Oliveira sobre o conhecimento humano, e o que dizia o gnóstico Bergson
“Para Bergson,
sendo o conhecimento inefável...
“Desde que falamos, mentimos”
(Jacques Maritain. Op. cit. p. 69).
“O mundo moderno veio à luz
como uma revolta contra a ordem
intelectual da Idade Média”.
(Simpson, The Gothic Cathedral).
A cosmovisão católica medieval era sábia e se fundamentava no ser e no conhecimento intelectual do ser, por meio da abstração.
A Gnose da Modernidade
recusa o ser e, por isso mesmo,
recusa o conhecimentointelectivo da realidade.
A Modernidade, como a velha Gnose,
é antimetafísica e antirracional.
Para Francis Yates a Modernidade significa Magia mais Gnose (Cfr. F. Yates, Giordano Bruno e a Tradição Hermética ed. Cultrix, p. 180).
Essa Gnose do Humanismo renascentista se desenvolveu em Descartes, Kant, Hegel e, depois, penetrou na Igreja com o Modernismo de Blondel e de
Bergson,
alcançando seu triunfo no Modernismo
anti intelectualista do Vaticano II.
Foi por ser anti intelectualista que o Vaticano II recusou proclamar dogmas, e se disse pastoral, isto é, visou dar conselhos operativos.
O Modernismo recusa o ser
e a verdade estáveis. Recusa a inteligência
e abstração que conduzem
à verdade objetiva e estável.
Na filosofia de Bergson,
assim como a mudança se opõe ao ser,
a intuição se opõe paralelamente à inteligência.
Esta seria voltada para a matéria, e, influenciada por ela, tudo geometriza, fixa e divide. A consciência enganaria o homem porque, conceituando, produz uma visão petrificada de cada coisa, fazendo supor que existe fixidez nas coisas. Mais ainda, a inteligência isola cada conceito, fazendo imaginar que a realidade é fixa, e formada por um número infinito de seres isolados uns dos outros. Para Bergson, a inteligência nega a mudança, e nos ilude forjando miragens de seres inexistentes.
A lógica e a razão,
trabalhando com conceitos ilusórios,
completariam o engano do homem.
Então, pode-se bem dizer que a inteligência só conhece o imóvel e o descontínuo, que ela não compreende nada da vida, que ela decompõe artificialmente o real, que ela substitui a realidade por elementos fictícios escolhidos no que é já conhecido, e que assim, buscando a facilidade, não a verdade, e esvaziando todas as coisas da sua realidade própria, ela não pode mais se deter senão nos elementos quantitativos e geométricos aos quais ela quer tudo reduzir. Corruptio optimi péssima. (J. Maritain, op cit., p. 55).
Por esse motivo, Bergson considera que ver tudo fixamente, e como se o todo fosse uma mosaico estilhaçado, constituiria o “pecado do raciocinar” (J. Maritain, op cit., p. 183).
A faculdade humana que corresponde à matéria espacial é a inteligência, e esta se caracteriza por sua exclusiva orientação para a ação. É a ação que comanda, sem mais, a forma da inteligência. Como para a ação necessitamos de coisas exatamente definidas, o objeto principal da inteligência é o fixo corpóreo, inorganizado, fragmentário; a inteligência não concebe claramente senão o imóvel. Seu domínio é a matéria. Ela a capta para transformar os corpos em instrumentos; é o órgão do homo faber e subordinado, essencialmente, à construção de instrumentos. (...)
Bergson abandona o fenomenismo de Kant
e dos positivistas, e confere à inteligência,
no domínio do corpóreo, a capacidade
de penetrar na essência das coisas.
( como ferramenta,Radeir)
Segundo ele, a inteligência é
também analítica, ou seja, capaz de decompor
segundo qualquer lei ou sistema e de recompor de novo.
Suas características são a clareza
e a capacidade de distinguir.
Mas, ao mesmo tempo, a inteligência caracteriza-se igualmente pelo fato de, por natureza, lhe ser impossível compreender a duração real, a vida. Constituída de acordo com a matéria, ela transfere as formas materiais, extensivas, calculáveis, claras e determinadas, ao mundo da duração; interrompe a corrente vital única e introduz nela a discontinuidade, o espaço e a necessidade. Não pode sequer compreender o simples movimento local, como o provam os paradoxos de Zenão. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Maritain confirma essa recusa de Bergson
dos dados da inteligência com relação ao real:
Precisamente concedendo a Kant seu pressuposto essencial, admitindo com ele que a abstração só permite ver que, de si, o conceito é vazio, inapto a nos comunicar o real—simples fórmula exprimindo não mais as funções a priori kantianas, mas as atitudes práticas de nosso espírito fabricador, e os hábitos da materialidade – sustentando então que, por si mesma, a inteligência, modelada sobre a corporalidade, não pode, desde que ela cessa de manipular matematicamente a matéria, senão nos enclausurar num mundo de ilusões mecanicistas; e pedindo então conseqüentemente os meios para uma evasão, no real, há uma intuição que transcende a inteligência, e que mergulhará como o sentido, e muito mais ainda do que ele, no puro concreto como tal”(J. Maritain, op. cit., p. XXVI).
Para Bergson,
“porque a duração contínua da vida
escapa a toda lógica, e não poderia se acomodar
ao princípio de não-contradição, o método
tornado necessário
para esta densidade própria às coisas da alma
só pode ser inteiramente ‘irracional’,
nota Vladimir Jankélevitch”.(Apud J. Maritain, op. cit., p.XLIX)
Para Bergson,
o conhecer não poderia ser intelectual, mas vivencial.
“Quanto mais se conhecesse intelectualmente
menos se compreenderia.
A tragédia do espírito
consiste em que nosso conhecimento dos objetos
como que nos obstrui para a concepção íntima e central”
(J. Maritain, op. cit., p. L ).
Daí os seguidores de Bergson desprezarem o estudo intelectual e o conhecimento por abstração. Mais que a erudição, valeria uma captação quase que mágica do real por meio de uma misteriosa intuição não racional.
É a inteligência que nos enganaria,
pondo os princípios de identidade
e de não-contradição, princípios que deveríamos
abandonar para atingir a realidade
pelo único meio possível de conhecimento:
a intuição mística, não conceitual,
mas experimental.
“O sistema de Bergson
é essencialmente anti intelectualista”
(Albert Farges, La Philosophie de M. Bergson, p. 463, apud Padre Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 59).
É o que afirma também Maritain- “O bergsonismo é, portanto, essencialmente uma filosofia anti intelectualista; ele nega à inteligência seu privilégio de faculdade do verdadeiro” (J. Maritain, op. cit., p. 121).
Despedaçar o real universal em conceitos,
raciocinar, seria cometer o pecado de pensar
(Cfr. J. Maritain, op. cit., p. 183).
A inteligência seria abstrativa,
universalizante, racionalista, e discursiva.
Ela só contornaria o objeto do conhecimento.
A intuição, pelo contrário, seria experimental e não teórica ou abstrativa; seria do singular e não o conhecimento de um conceito universal; seria exclusiva, pessoal; unificadora do sujeito com o objeto; inefável, e, por isso mesmo incomunicável.
Querer transmitir os conceitos seria ilusão, pois que o conhecimento verdadeiro – que só a intuição atinge—seria inefável. Portanto, falar, ou escrever, seria mentir. E Bergson disse e escreveu isso! Logo, mentiu.
A intuição daria, então, um conhecimento oposto ao da inteligência, pois que nos proporcionaria um conhecimento absoluto do objeto.
Só a intuição teria a capacidade
de “apreender a verdade, graças a um processo
de conhecimento sui generis, graças a um contato imediato,
a uma coincidência absoluta com o real”
(Cfr. J. Maritain, op. cit., p. 125).
Conforme Bergson, “a linguagem e a inteligência fixam termos que realmente não existem. Tal conhecimento não é, portanto, um conhecimento metafísico da realidade” (Padre Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 61).
Em resumo, existem dois domínios: de um lado, o domínio da matéria espacial e rígida, subordinado à inteligência prática; de outro lado, o domínio da vida e da consciência que dura, ao qual corresponde a intuição”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Bergson é bem um filósofo moderno
já que para a Filosofia Moderna o conhecimento
intelectual seria falsificador do real.
Para a Filosofia Moderna haveria um outro recurso último que não a inteligência. Se fosse possível à Filosofia Moderna demonstrar que ao lado do nosso conhecimento ordinário, acima da inteligência, haveria um outro modo de conhecimento, uma faculdade mais intuitiva e mais próxima do absoluto; se lhe fosse possível agarrar essa faculdade, e lhe arrancar o segredo do real, não poderia ela sair, ao mesmo tempo, do absurdo círculo indicado mais acima, e do dilema de que acabamos de falar; de um lado, determinando, graças a este conhecimento superior, a verdadeira relação do sujeito com o objeto, e julgando assim a inteligência e a certeza; de outro lado concedendo que a inteligência conduz invencivelmente ao mecanicismo, mas sustentando que uma faculdade mais alta nos faz “transcender” o mecanicismo e nos introduz no absoluto? Ao mesmo tempo, a Filosofia teria o orgulho de permanecer verdadeiramente moderna, porque ela teria achado um novo fundamento para o pensamento humano, o mínimo indispensável para toda doutrina que se respeita” (J. Maritain, op. cit., p.5).
Ora, esse conhecimento intuitivo pretensamente superior ao intelectual, esse conhecimento que permitiria aceder ao absoluto de modo irracional, não conceitual, é aquilo que sempre se chamou de Gnose. Bergson é um gnóstico moderno.
“A operação pela qual nós nos apoderamos de nós mesmos no vir-a-ser, e pela qual, transportando-nos para o interior das coisas, tomamos contato com a essência das coisas, o Sr. Bergson a chama de intuição.
A intuição não raciocina,
não discorre, não compõe,
e não divide.
Pois que ela é a própria consciência se voltando sobre a duração, e porque a duração é o fundo vivo no qual todas as coisas se comunicam, ela nos faz coincidir com o objeto conhecido, ou antes sentido, ou melhor vivido, ela nos assimila, numa experiência transcendente e inexprimível, à sua mais íntima realidade: “esta intuição atinge o absoluto”(J. Maritain, op. , cit., pp. 7-8. Os destaques são nossos).
Não se poderia descrever melhor a experiência mística da Gnose em sua pretensão de reunir o éon divino de cada ser ao todo da Divindade universal, ao Absoluto.
O conhecimento intuitivo bergsoniano
é uma forma de Gnose.
Bergson é muito vago sobre o que entende por intuição. E isto é bem compreensível, visto que ele afirma que a intuição é inefável. Daí, as várias formulações brumosas do que seria a intuição.
A intuição,
sendo de si mesma evanescente,
pode e deve exprimir-se, ou antes, ser sugerida,
em representações mais flexíveis e mais fluidas
que os conceitos ordinários.
(J. Maritain, Op. cit.,p. 67)
Sendo a intuição incomunicável, inefável, ela “não pode ser traduzida em conceitos ou proposições. Somente metáforas sensíveis podem sugerir a outrem o que percebemos, ajudando outros a fazerem o mesmo esforço metafísico”( J. Maritain, op. cit., p. 92).
O bergsonismo prefere metáforas
e comparações a conceitos, imagens a idéias.
Por exemplo, segundo Lydie Adolphe:
Intuição filosófica, seria expressão para designar “o conhecimento íntimo do espírito pelo espírito, subsidiariamente o conhecimento, pelo espírito, daquilo que há de essencial na matéria” e que está no fundo”[das coisas] (Bergson, La Pensée et le Mouvant, p. 244, apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 139).
Para Bergson,
a inteligência procura conhecer o objeto,
girando em torno dele, enquanto a intuição penetra no objeto
(cfr. Bergson, La Pensée et le Mouvant, p. 202).
Para Bergson,
a intuição resulta de uma experiência,
pois “não há outra fonte de conhecimento,
a não ser a experiência.
”(Bergson, Deux Sources, p. 265 apud,
Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz,
“Só a intuição é capaz
de atingir imediatamente
na sua totalidade concreta, o real”
(Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson,
Contra o que ele considera a falsa ciência do intelecto, Bergson opõe o conhecimento intuitivo da duração, do impulso vital causador da mudança perpétua.
Só a intuição nos permitiria
aceder ao verdadeiro conhecimento,
não racional, não conceitual, não intelectual,
do perpétuo mudar.
Desse modo, Bergson opõe conhecimento intuitivo a conhecimento intelectual.
Julgo que um dos sinais aparentes mais característicos do bergsonismo, encontra-se na oposição entre inteligência e intuição(...). (J. Maritain, op. cit., p. XIX).
Mas, de fato, a noção bergsoniana da duração e a da intuição são estritamente correlativas, elas não podem subsistir uma sem a outra (...) (J. Maritain, op. cit., p. XIX).
A intuição bergsoniana
se caracteriza essencialmente
por oposição ao conhecimento intelectual.
O conhecimento intelectual é abstrato, universal, e se serve do raciocínio ou do discurso. O conhecimento intuitivo requerido pelo bergsonismo será experimental, singular; excludente do raciocínio e do discurso, ao menos no que propriamente o constitui”. A intuição, nos diz Bergson, transcende a inteligência e a razão, é uma simpatia de todo o nosso ser com o real pela qual nós no comunicamos plena e absolutamente com ele, se bem que de modo fugidio, e por assim dizer evanescente (J. Maritain, op. cit., p.123).
O conhecimento intuitivo seria como que uma iluminação fulgurante, mas, momentânea, que nos uniria ao objeto conhecido, determinando uma como que fusão do sujeito conhecedor com o objeto conhecido. Um flash.
Nós não possuímos as coisas,
Só a intuição, oposta à inteligência, seria capaz de captar a realidade “graças a um processo sui generis de conhecimento, graças a um contacto imediato, a uma coincidência absoluta com o real, isto é a intuição” (Cfr. J. Maritain, op. cit., p.124).
A “Metafísica” decorrente da idéia de duração e vir a ser exigiria uma “experiência integral” do mudar para produzir o conhecimento do fluxo universal (Cfr. J. Maritain, op. cit., p.123).
“Onde se deve, pois buscar o conhecimento pleno da realidade, da Metafísica verdadeira? Na direção do instinto, na direção da simpatia” (Padre Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 54).
O conhecimento intuitivo do mudar proposto por Bergson é um conhecimento não intelectivo, mas experimental, místico, que é de fato uma gnose, no sentido literal desta palavra.
Só podemos conhecer a duração graças à intuição; mas com ela conhecemo-la diretamente e como algo íntimo. A intuição distingue-se por características que se contrapõem às características da inteligência. Órgão do homo sapiens, a intuição não está ao serviço da prática; seu objeto é o fluente, o orgânico, o que está em marcha; só ela pode captar a duração. Enquanto a inteligência analisa, decompõe, para preparar a ação, a intuição é uma simples visão, que não decompõe nem compõe, mas vive a realidade da duração. Não se adquire facilmente a intuição; tão habituados estamos ao uso da inteligência que se torna necessária uma viragem íntima violenta, contrária a nossas inclinações naturais, para podermos exercitar a intuição, e só em momentos favoráveis e fugazes somos capazes de o fazer”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
A intuição daria um conhecimento fulgurante, mas fugaz do real. Seria como que um “flash” de luz, que permitia unir o sujeito conhecedor com o objeto do conhecimento, pela união das “almas”, que, como vimos, estão em tudo e que constituem uma só alma.
Essa identificação do sujeito com o objeto constituiria o princípio de imanência, tão querido dos modernistas, e que foi condenado na encíclica Pascendi.
É o que explica o Padre Macdowell:
Reduzida à sua expressão mais simples, a idéia de imanência implica apenas que a realidade só nos é acessível enquanto presente à consciência. Seria evidentemente impossível, para o sujeito sair de si mesmo para considerar-se o ente fora da própria consciência. Daí se segue que a conformidade entre o conteúdo imanente do pensar e o seu objeto não é obtida nem reconhecida através da comparação entre um e outro”(Padre J. A. Macdowell, S.J., A Gênese da Ontologia Fundamental de Martin Heidegger, Editora Herder, São Paulo, Edusp, 1970, p. 51).
Portanto, o princípio de imanência identificaria o sujeito com o objeto, permitindo o verdadeiro conhecimento. Desse modo, Deus e Mundo, como objetos do conhecimento, só nos seriam conhecidos pela identificação do eu com Deus e com o mundo. Deus se tornaria assim imanente ao homem. Daí o Panteísmo ou a Gnose da modernidade e do modernismo.
A intuição daria o conhecimento verdadeiro, superior ao da abstração intelectiva:
Caracteriza-se a intuição como supra intelectual. Para além do conceito, e mesmo virando contra ele a direção do pensamento, além e acima de tudo o que a atividade da inteligência humana comporta inevitavelmente de abstrato e de propriamente racional, um conhecimento imediato, uma intuição do real, que é espírito, é “o instrumento específico” da filosofia. A intuição alcança o espírito”. (Carta de Bergson a M. Chevalier). Em outros termos, uma captação direta e supra conceitual da natureza do espírito; uma percepção imediata e concreta do universo metafísico, por mais evanescente que se a declare, por mais contrária à inclinação natural da inteligência, é o único órgão proporcionado do conhecimento filosófico, enquanto este se eleva acima da matéria”.(J. Maritain, op. cit., pp. XXVI – XVII).
Porém, bem nota Maritain que a intuição bergsoniana, negando que a inteligência seja capaz de, pela abstração captar o real, ela é, de fato, infra intelectual:
De outro lado, não adianta que se nos apresente a intuição bergsoniana como “supra intelectual”, ou como “ultra-intelectual” , é preciso reconhecer que, de fato na realidade, ela só pode ser infraintelectual (J. Maritain, op. cit., p. XVII).
Como bem nota Maritain, Bergson mutila a inteligência.
Sendo a atitude da inteligência exclusivamente prática, a filosofia não pode utilizar senão a intuição. Os conhecimentos, obtidos por este meio, não podem ser expressos em idéias claras e precisas, nem tampouco são possíveis as demonstrações. A única coisa que o filósofo pode fazer é ajudar os outros a experimentarem uma intuição semelhante à dele. Assim se explica a riqueza de imagens sugestivas que as obras de Bergson oferecem”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Para se ter a intuição, seria necessário um esforço imenso, a fim de contrariar e de anular o processo normal, intelectual, do conhecer humano.
Frei Tauzin aponta qual seria o método para se obter a experiência da intuição.
Seria preciso:
a) eliminar toda memória (lembranças, recordações) assim como todos os afetos;
b) não fazer distinções e classificações; tentar quebrar os quadros da linguagem; “rejeitar expressões verbais” Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p.121)
c) combater a noção de estabilidade das coisas;
d) procurar unir o ver com o querer, isto é procurar conhecer pelo amor;
O conhecimento por intuição assim obtido será momentâneo e evanescente. Seria como um flash, extremamente luminoso, mas passageiro, fugidio, evanescente, inefável, e, por isso mesmo, incomunicável. Na realidade, a intuição bergsoniana é uma verdadeira experiência do tipo místico. (Cfr. Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, pp. 71-72).
George Steiner cita, como epígrafe, uma frase do cabalista e marxista Walter Benjamin que diz: “Nos domínios que nos importam, a intuição acontece apenas como um relâmpago. O texto é, muito depois, o ressoar do trovão”(Walter Benjamin, Das Passagen-Werk, N. I. I., in George Steiner, Antígonas, Edit. Relógios d’Água, Lisboa, 2008, p.8).
Isto significa que, para os gnósticos, só se pode ter conhecimento através de iluminações interiores, intuitivas que seriam como fulgurações semelhantes a relâmpagos muito evanescentes e momentâneos, nos quais teríamos visões fugidias de conhecimentos inefáveis. Nossas palavras tentariam traduzir o que entrevemos sem jamais conseguir fazer isso, porque o trovão da palavra não consegue fazer ver a luz do relâmpago.
É exatamente o que Dr. Plínio chama de flash.
O conhecimento por flash seria intuitivo, evanescente e inefável É o conhecimento alógico da Gnose.
Quem tivesse um flash, uma intuição, poderia dizer: “Quem viu, viu. Quem não viu, não viu”,pois o que se capta no tal flash intuitivo seria incomunicável.
Também Lydie Adolphe relaciona a intuição bergsoniana com a mística unificadora do sujeito com o objeto do conhecimento ou do amor, isto é, ao princípio de imanência:
Cremos que é nesse sentido que é preciso compreender a intuição bergsoniana. A intuição deve coincidir em seu ritmo com todos os demais anéis da cadeia [do mudar], com todas as durações respectivas dos seres. Há assim como que uma comunhão, uma “relação”, no sentido místico da palavra, entre o sujeito e o objeto, independentemente do espaço e do tempo. Esta coincidência é comunhão, endosmose, derramamento mutuo, transmutação insuspeitada, de um modo geral, troca. Como definir de outro modo a ação?(Lydie Adolphe , op. cit. p. 178).
Há, sim, uma palavra que define bem esse derramamento mútuo do sujeito no objeto e deste no sujeito: Kenosis.
É na doutrina eslavófila e gnóstica imanentista da Kenosis que se dá essa fusão do conhecedor no conhecido, por intuição, de modo que um se identifique com o outro, esvaziando-se nele. Sendo um no outro.
A intuição bergsoniana é kenótica sem que ele use esse termo. E a Kenosis é um conceito imanentista da Gnose romântica dos místicos eslavófilos.
Que a intuição de Bergson, sob forma de filosofia é uma Gnose que busca fazer conhecer que somos algo que desprendeu do todo original, e que, para salvar-nos, temos que conhecer isso, e buscar retornar à união primeva com o todo em perpetua evolução é fácil de entender nestas palavras de Bergson: “A filosofia não pode ser senão um esforço para fundir-se de novo no todo. A inteligência, se reabsorvendo em seu princípio, reviverá ao avesso sua própria gênese” (Bergson, L´Évolution Créatrice, p. 209. apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 182).
E isso é claramente Gnose e imanentismo.
Se a intuição produz uma união do sujeito com o objeto, então um caminho para alcançar a intuição seria a simpatia, que já é uma certa forma de união no sentir com o outro. “Simpatia é, portanto, caminho da intuição do exterior” (Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, p. 82).
“A intuição” seria “a coincidência vivida,
sentida do sujeito e do objeto”
(J. Maritain, op. cit., p. 13).
A intuição do sr. Bergson é uma identificação vivida do espírito e da coisa em seu ser real (e não em seu ser intencional, que o sr. Bergson não poderia admitir). Bem que supra–intelectual na intenção do sr. Bergson, ela se reduz na realidade à ordem sensível pois que ela é uma experiência da própria materialidade da coisa (...) Com uma tal intuição nós não damos luz às coisas, nós vamos buscar nas coisas um contato que nos transforme nelas.
Nós não possuímos as coisas,
somos possuídos por elas,
nós não intelectualizamos a matéria,
mas materializamos o espírito.
(J. Maritain, op. cit., p. 64)
Seria, de fato, uma intuição cega.
Desse modo a intuição seria uma imersão nossa nas coisas, um “mergulho” nas coisas para que nos identificássemos com elas e, por elas, ao todo universal, ao absoluto.
O próprio Maritain alude à similitude que tem a intuição simpática bergsoniana com as experiências místicas da Gnose e das seitas teosóficas: “(...) enfim, a uma parte do misticismo natural que aparentaria esta intuição ao êxtase de Plotino, e com as diversas imitações que as seitas gnósticas ou teosóficas tentaram da verdadeira contemplação” (J. Maritain, op. cit., p. 65).
Seria a simpatia que abriria caminho para a intuição, a qual seria um como que mergulho no objeto intuído:“Donde se segue que um absoluto só pode ser atingido numa intuição, isto é, na ‘simpatia pela qual nos transportamos ao interior dum objeto, para coincidir com aquilo que ele tem de único, e conseqüentemente de inexprimível” (Bergson, Introduction à la Métaphysique, p. 205 , apud Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p.107).
Essa idéia da identificação plena do sujeito com o objeto através do “mergulho” da intuição levou Maritain a fazer os seguintes comentários:
A doutrina de Bergson,
opõe então sua intuição à idéia,
e à razão e ao conhecimento discursivo.
ao conceito, ao conhecimento abstrato;
Ela não vê que, suprimindo do conhecimento a idéia, isto é, a similitude subjetiva do objeto, formada no sujeito conforme o modo de ser do sujeito, ela se condena a fazer de seu conhecimento intuitivo uma identificação do objeto e do sujeito, conforme o modo de ser do objeto; de modo que para ter, nesse sentido, a intuição da vida vegetativa ou da matéria, seria preciso que de um certo modo o filósofo se tornasse, ele mesmo, materialmente, vegetal ou mineral.
A intuição bergsoniana, deste ponto de vista, só pode nos aparecer como uma tentativa de fazer violência ao espírito para absorvê-lo na materialidade das coisas” (Jacques Maritain, La Philosophie Bergsonienne,Librarie P. Téqui, Paris, 1948, p. 133).
E ainda :
Deixemos agora de lado a lógica e o raciocínio, e tentemos captar o real, não mais por uma idéia, e graças ao conhecimento intelectual, mas diretamente em si mesmo, graças a uma espécie de simpatia vivida que nos faz coincidir com ele, ou antes, para chamar as coisas por seu nome, por uma dilatação de percepção, e graças a um esforço de nossa alma toda para nos transformar no objeto, para enganá-lo, [pour le jouer], para entrar nele.( J. Maritain, op. cit., p. 91)
Intuindo um rubi,
o homem unindo-se a ele se “rubinizaria”;
intuindo uma safira, ele se safirizaria,
intuindo o mar, ele se identificaria com ele etc...
Intuindo Deus...
A intuição não é uma visão de algo, mas contato, é bem uma simpatia ‘ pela qual se daria um transporte ao interior de um objeto para coincidir com aquilo que ele tem de único, e, por conseqüência de inexprimível” Bergson, La Pensée et le Mouvant, p. 205, apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 163).
Alguns pretendem que este modo de conhecimento intuitivo, pelo qual se daria um “mergulho” no outro, é relacionado como conhecimento por conaturalidade de que falam Aristóteles e São Tomás. Ora, o conhecimento por conaturalidade dar-se-ia, segundo Aristóteles e São Tomás quando alguém, possuindo uma certa virtude, embora sem ter a ciência dela, teria um certo conhecimento de quem atua de acordo com essa mesma virtude.
Bergson não diz isto.
Bergson julga que, por meio da intuição haveria uma coincidência do intuidor com o intuído, que se tornariam um só e o mesmo absoluto.
Daí, escrever Frei Tauzin: “Se conhecer é ser, conhecer o outro é ser o outro” (Frei Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, p. 272).
Conhecer o outro seria ser o outro. Essa fórmula seria plenamente aceita por PCO.
Outro meio auxiliar para alcançar a intuição seria a imaginação:
Se falamos dum movimento absoluto, é, diz Bergson, porque atribuímos ao móvel ‘um interior e como que estados de alma ”e neles nos inserimos“ por um esforço de imaginação” (Bergson, Introduction à la Métaphysique. La Pensée et le Mouvant, p. 202, apud Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p.105).
É interessante notar como a intuição bergsoniana influiu na Arte Moderna, especialmente no Surrealismo, pois disse Bergson que ela exige ação violenta que rasgue o véu da figuração simbólica que recobre a realidade. Ela exigiria um olhar ‘naif’ [ingênuo] para alcançar uma outra realidade superior àquela que vemos (Cfr.Lydie Adolphe, op. cit., p. 165).
A filosofia do devir de Bergson deu origem a uma nova Moral.
Segundo Bergson, há duas espécies de moral, a moral fechada e a moral aberta. A moral fechada deriva dos fenômenos mais gerais da vida; consiste numa pressão exercida pela sociedade, e as ações que lhe correspondem são levadas a cabo de modo automático, instintivamente. Só em casos excepcionais se trava luta entre o eu individual e o social. A moral fechada é impessoal e triplamente fechada: visa a conservação dos costumes sociais, faz coincidir quase inteiramente o individual com o social, de sorte que a alma se move constantemente dentro do mesmo círculo, e, por último, é sempre função de um grupo limitado e nunca pode ser válida para a humanidade inteira, porque a coesão social, da qual é função, repousa em grande parte na necessidade de autodefesa.
A par desta moral fechada, que obriga absolutamente, existe a moral aberta. Esta aparece encarnada em personalidades. eminentes, em santos e heróis, e não é moral social, mas humana e pessoal. Não consiste numa pressão, mas num apelo; não é fixa, mas essencialmente progressiva e criadora. É aberta no sentido que abarca a vida inteira no amor, proporciona até o sentimento da liberdade e coincide com o próprio princípio da vida. Procede de uma emoção profunda que, do mesmo modo que o sentimento provocado pela música, carece de objeto”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Por fim, seria conveniente mostrar que o bergsonismo, afirmando que o único conhecimento possível é o intuitivo –que seria inefável e incomunicável—se condena a não poder ser transmitido. Bergson näo podia ter discípulos, mas só repetidores. É o que nota Maritain:
Uma filosofia anti intelectualista não poderia formar discípulos em sentido próprio, porque discípulo é aquele cuja inteligência, posta em ato por uma doutrina recebida, a pensa de novo por sua própria conta; somente as idéias se comunicam, as impressões, sensações e simpatias intuitivas só podem ser individuais. O bergsonismo, portanto, só pode ter propagadores mais ou menos fiéis à “corrente de pensamento” de seu mestre, e que repetem, mais ou menos bem, as metáforas que aprenderam” (Jacques Maritain, La Philosophie Bergsonienne,Librarie P. Téqui, Paris, 1948, p. 300).
As características da teoria do conhecimento do gnóstico Bergson são:
a) O Conhecimento é Inefável.
b) A Inteligência é contrária à Intuição
c) A Inteligência é Enganadora ( uma ferramenta apenas)
d) A Intuição não engana
e) Intuição é Flash Iluminante, Evanescente e Inefável
f) A Intuição, identificando sujeito e objeto, causa a Imanência.
g) Intuição, “Mergulho” e Simpatia.
h) Supervalorização da Imaginação
I ) Nova Moral “Aberta” contra a Moral “Fechada”
j ) Fanáticos Propagadores de Metáforas.
Esta teoria do conhecimento herética, imanentista e gnóstica é muito afim com a teoria do conhecimento de Plínio Corrêa de Oliveira, tal qual ela foi exposta em seus artigos e estudos. E é o que veremos a seguir. Isso, porém, não significa que Plínio leu Bergson e que adotou sua teoria gnoseológica. Essa doutrina era exposta de mil formas no tempo da Belle Époque em que Plínio foi educado [?]. Tal doutrina estava no “ar” da Belle Époque. Era a teoria do conhecimento do Romantismo que Bergson sistematizou. Foi essa mentalidade romântica que gerou, em Bergson, a sua filosofia, e em Plínio, seus devaneios a-sistemáticos.Gnosticizantes.
Orlando Fideli
Fonte:
Montfort AssociaçãoCultural
http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cadernos&subsecao=religiao&artigo=pco-v&lang=bra#c2
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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