domingo, 3 de março de 2013

A RELAÇÃO ENTRE O MISTICISMO E A EXPERIÊNCIA METAFÍSICA EM BERGSON ao som de Mahler: 7. Sinfonie - hr-Sinfonieorchester - Paavo Järvi - 1:21:19


Mahler: 7. Sinfonie - hr-Sinfonieorchester - Paavo Järvi



I. Langsam (Adagio) -- Allegro risoluto, ma non troppo
II. Nachtmusik I: Allegro moderato
III. Scherzo: Schattenhaft. Fließend, aber nicht schnell
IV. Nachtmusik II: Andante amoroso
V. Rondo-Finale: Allegro ordinario

hr-Sinfonieorchester (Frankfurt Radio Symphony Orchestra)
Paavo Järvi, Dirigent

Rheingau Musik Festival 2011
Wiesbaden, Kurhaus, 12. August 2011


A RELAÇÃO ENTRE O MISTICISMO E A EXPERIÊNCIA METAFÍSICA EM BERGSON

Prof. Dr. Adelmo José da Silva

Departamento das Filosofias e Métodos – DFIME

Resumo:
 Para Bergson, o misticismo é algo que ultrapassa em termos de profundidade o ato de filosofar; parte do pressuposto de que o místico é capaz de ir além do que possa ser capaz o filósofo. Relacionado ao conceito de misticismo, Bergson apresenta um discurso segundo o qual a evolução não é entendida à maneira do evolucionismo que nega qualquer forma de cria ção. Para este pensador é inadmissível a teoria que pretende deduzir as formas elementares e, finalmente, deduzir a vida da matéria. Bergson não apenas rejeita essa forma de pensar, típica dos evolucionistas, como também repudia o mecanicismo, descartando assim a idéia de que a evolução siga um plano previamente determinado.

O misticismo bergsoniano aparece em toda parte compreendido como uma dimensão de humanidade, em estágio elevado.
Misticismo é para Henri Bergson algo que ultrapassa em termos de profundidade o ato de filosofar, pois o místico é, segundo ele, capaz de ir além do que possa ser capaz o filósofo.

Bergson considera o místico como aquele que vive uma experiência mais profunda do que o ato de filosofar.

O que é o misticismo para Bergson? O misticismo, em si, é definido por Bergson pela sua relação com o impulso vital:

Implicitamente, admitíramos que o misticismo era raro ao defini-lo por sua relação com o impulso vital. Falaremos, pouco adiante, de sua significação e de seu valor. Limitemo-nos por ora a observar que ele se situa, segundo o que precede, em um ponto até onde o fluxo espiritual lançado através da matéria teria provavelmente qu erido, até onde não pode ir. Porque ele zomba de obstáculos com os quais a natureza teve que conciliar, e por outro lado não se compreende a evolução da vida, com abstração das vias laterais pelas quais ela enveredou pela força, a menos que a vejamos à procura de algo inacessível a que o grande místico atinge.

 Se todos os homens, se muitos homens pudessem subir tão alto quanto esse homem privilegiado, não é na espécie humana que a natureza se teria detido, porque o místico é na r ealidade mais que homem. De resto, dir-se-ia o mesmo das demais formas de gênio: todas são igualmente raras. 

Não é, pois, por acaso, é em virtude de sua própria essência que o verdadeiro místico é excepcional. (BERGSON, M. R.,1991, p. 1156).

Relacionado a este conceito de misticismo, Bergson fala de uma grande corrente de energia criadora.

Isto porque a evolução não é entendida à maneira do evolucionismo que nega qualquer forma de criação.

Bergson vai discordar frontalmente de todos aqueles que pretendem deduzir as formas mais complexas da vida partindo de formas elementar es e, finalmente, deduzir a vida da matéria. Exemplo desta forma de co ncepção
é Darwin, para o qual o meio seleciona mecanicamente os seres vivos, somente sobrevivendo aqu eles que se adaptaram ao meio. Bergson não apenas rejeita esta forma de pensar, típica dos evolucionistas,como também repudia o mecanicismo, pois para ele não é possível imaginar que a evolução siga um plano previamente determinado. Isto significaria na concepção de Bergson retornar à ilusão do possível.

Ao contrapor-se ao evolucionismo e mecanicismo, Henri Bergson desenvolve uma reflexão sobre a evolução, partindo do pressuposto de que a mesma só acontece em função de um i mpulso vital que faz aparecer formas cada vez mais complexas, surgindo como uma imprevisível novidade, como uma verdadeira solução original para um problema colocado pelas necessidades vitais, observemos o que ele diz acerca do impulso vital:

Grande fluxo de energia criadora lança-se na matéria para obter dela o que pode. Na maior parte dos pontos ele se deteve; essas pausas se traduzem ao nosso ver por outros tantos aparecimentos de espécie vivas, isto é, organismos em que nosso olhar, essencialmente analítico e sintético, discrimina uma multidão de elementos que se coordenam para perfazer um sem número de funções; o trabalho de organização não era todavia senão a própria pausa, ato simples, análogo ao aprofundamento do pé que determina instantaneamente que milhares de grãos de areia se estendam para produzir um desenho. 

Numa dessas linhas onde ela teria conseguido ir mais além, poder-se-ia acreditar que essa energia vital arrastaria o que tinha de melhor e continuaria diretamente à frente; ela, porém, desviou-se, e tudo se encurvou:
surgiram seres cujas atividades girava infinitamente no mesmo círculo, cujos órgãos eram instrumentos completos em vez de dar ensejo a uma invenção incessantemente renovada de instrumentos, cuja consciência deslizava no sonambulismo do instinto em vez de aprumar-se e identificar-se em o pensamento refletido (BERGSON, M. R., 1991, p.1152-1153).

Esta teoria bergsoniana que sugere a evolução em função de um impulso vital, propiciando o apar ecimento de formas cada vez mais complexas, vai de encontro ao evolucionismo materiali sta: enquanto para os evolucionistas o espirito é apenas matéria evoluída e complexa, para Bergson é a matéria que, antes de qualquer coisa, teria o espírito como origem longínqua. A extensão material é como a recaída do impulso vital, isto é, a matéria é um produto desvitalizado do espírito vital.

O misticismo de Bergson vai c onceber a inteligência como sendo um aperfeiçoamento do instinto,embora o instinto e a inteligência representem dois instrumentos adversos à teoria do impulso vital. No caso do instinto, o impulso vital dá ao animal meios já prontos, com a atitude inata d e se servir deles. 

No caso da inteligência, este impulso deu ao ser vivo o meio de ele próprio fabricar os instrumentos, é consciente. 

A inteligência possui a capacidade de escolha. No entanto, ela é antes um meio de utilização das coisas mediante artifícios técnicos do que um conhecimento profundo e íntimo. 

A inteligência é um artifício do impulso vital, uma faculdade prática.

A ciência que é sua obra prima, em suas descobertas, responde antes à pergunta sobre a forma de processar algo, ao passo que na intuição, o impulso vital torna tudo clarividente.

Tendo posto que o impulso vital é esta grande corrente de energia criadora lançada através da matéria com o objetivo de obter tudo aquilo que pode, a reflexão bergsoniana coloca o homem como a razão de tudo o que foi criado. Ele ocupa um lugar todo especial na criação, senão aquilo de mais perfeito que foi produzido pela vida.

O conceito antropológico desenvolvido por Bergson está associado à inteligência, isto é, o homem é inteligência.

Observamos que o misti cismo bergsoniano aparece em toda parte compreendido como uma dimensão superior de humanidade, um estágio mais elevado. E a este nível superior da hum anidade, o homem, mediante as forças individuais, somadas às forças da vida, pode chegar. De acordo com 
Bergson foi exatamente este esforço individual, associado ao esforço geral da vida, que teria conduzido os místicos a uma relação interpessoal com Deus.

O encontro com este Deus coincide com o encontro com aquilo denominado por Bergson como o amor perfeito da humanidade.

Uma alma capaz e digna desse esforço nem mesmo indagaria se o princípio com o qual se mantém agora em contato é a causa transcendente de todas as coisas ou não se passa de sua delegação terrestre. Bastar -lhe-ia sentir que ela se deixa penetrar, sem que sua personalidade nele se absorva, por um ser que pode imensamente mais que ela, como o ferro pelo fogo que o incandesce. Seu apego à vida seria daí por diante sua inseparabilidade desse princípio, gozo no gozo, amor do que é só amor. Ela se daria à sociedade por acréscimo, mas a uma sociedade que fosse então a humanidade inteira, amada no amor do que lhe é o princípio. 

A confiança que a religião estática trouxe ao homem nela se acharia transfigurada: não mais preocupação quanto ao futuro; não m ais retorno inquieto sobre si mesma; o objeto não mais lhe valeria a pena, assumiria moralmente uma significação muito alta (BERGSON, M. R., 1991, p. 1155).

No entanto, à luz da concepção bergsoniana não se pode conceber como realização progressiva de um ideal as sucessivas tentativas antes do surgimento definitivo da vida mística perfeita. Isto porque para que se possa falar da realização de um ideal, é condição básica poder representá -lo antecipadamente; mas Bergson também considera que, cada tentativa d e misticismo forja a sua idéia ao criar -se, razão pela qual ele não poder, antes de sua realização, possuir uma idéia dela, nem mesmo desejar como fim.

Não podendo arrastar a matéria, o impulso vital vai buscar e retomar a individualidade, então esses homens privilegiados, nos quais surgiram em definitivo a vida mística perfeita, são na visão de Bergson uma espécie nova, especialmente quando os mesmos possuem consciência desta transformação operada, de terem chegado a um grau de perfeição tipicamente messiâ nico.
Este é o momento marcante e singular do surgimento da vida mística, conforme a descrição de Bergson:

Por um aspecto, entretanto, essas transformações apresentavam em si mesmas, e não apenas em sua tradução co nceitual,
alguma coisa de comum. Todos queriam abrir o que estava fechado; o grupo, que desde a precedente abertura se dobrava sobre si mesmo, era sempre reconduzido à humanidade. Sigamos mais além: esses esforços sucessivos não eram precisamente a realização progressiva de um ideal, dado que nenhuma idéia, forjada por antecipação, podia representar um conjunto de aquisições, cada uma das quais, ao se criar, criava sua própria idéia; e, no entanto, a diversidade dos esforços se resumiria bem em alguma coisa única: um impulso, que dera sociedades fechadas porque não mais podia arrastar a matéria, mas que vai em seguida procurar e retomar, na falta da espécie, esta ou aquela individualidade privilegiada.

 Esse impulso continua assim, por intermedio de certos homens, cada um dos quais se  verifica constituir uma espécie composta de um só indivíduo. Se o indivíduo tem plena consciência disso, se a franja de intuição que envolve sua inteligência se amplia o suficiente para aplicar-se a todo o seu objeto, é a vida mística(BERGSON, M. R., 1991, p. 1203).

O surgimento da vida mística vai coincidir com o aparecimento, simultâneo da denominada religião dinâmica bergsoniana. Aquela que, segundo Bergson é a que se manifesta nos grandes místicos, no Cristo, em Santa Teresa de Ávila e em São Francisco de Assis. El es se identificaram, por meio de uma intuição privilegiada, com o próprio impulso vital, com este esforço criador que Bergson considera ser de Deus ou senão o próprio Deus.

O misticismo é, portanto, comunicação intima com este impulso que é amor. Pensando assim, Bergson vai considerar que o homem que chega a este estágio transcende a esfera comum. Chega a afirmar que este homem, na realidade, é mais do que homem. Julga que, se todos os homens, sem exceção, tive ssem atingido este grau de perfeição, estabelec ido esta relação estreita com o impulso vital, a espécie h umana, naturalmente, teria evoluído de tal forma que não seria na espécie humana que a natureza teria parado.

Por este motivo, o misticismo é considerado como algo essencial à evolução do indivíduo e da espécie humana. E isto ocorre exatamente por ele ser concebido por Bergson pela sua relação com o impulso vital:

Esse esforço jamais teria atingido o alvo; mas a cada vez, no momento de se esgotar, teria confiado à dialética o que restava de si mesmo em vez de desaparecer inteiramente; e assim, com o mesmo dispêndio de força, nova tentativa só se iria deter mais longe; ocorrendo a inteligência em ponto mais avançado do desenvolvimento filosófico que, no intervalo, adquirira mais elasticidade e comportasse mais caráter místico. De fato, vemos uma primeira vaga, puramente dionisíaca, vir perder-se no orfismo, que era de uma intelectualidade superior; uma segunda, que se poderia chamar de órfica, culminou no pitagorismo, isto é, numa filosofia; por sua vez, o pitagorismo comunicou algo de seu espírito ao platonismo; e este, tendo-se recolhido, abriu-se mais tarde naturalmente no misticismo alexandrino. 

Mas seja como for que se represente a relação entre as duas correntes, uma intelectual e a outra extra-intelectual, só nos colocando no termo poderemos qualificar esta de supraintelectual ou de mística, e tomar por mística uma impulsão que partiu dos mistérios (BERGSON, M. R., 1991, p. 1162).

Bergson procura ressaltar que o misticismo, para ser completo, precisa acontecer na sua plenitude.

De acordo com este pensador alguns povos não tiveram um misticismo completo, perfeito. Entre estes povos ele vai citar a Grécia e a Índia, esclar ecendo que as dificuldades ligadas às circunstâncias materiais, intelectualidade estreita ou insuficiência do impulso fizeram com que estes povos e também outros não experimentassem um misticismo perfeito. O que é, portanto, este misticismo completo?

 Responde Bergson:
Restaria, a saber, então, se o termo do movimento foi um misticismo completo. Podemos dar às palavras o sentido que quisermos, desde que as definamos primeiro. A nosso ver, o advento do misticismo é uma tomada de contato e, por conseguinte, uma coincidência parcial, com o esforço criador que a vida manifesta. Esse esforç o é de Deus, se não for Deus mesmo. 

O grande místico seria uma individualidade que ultrapasse os limites impostos à espécie por sua mater ialidade, individualidade que continuasse e prolongasse assim a ação divina. Essa é nossa definição. Somos livres para estabelecê-la, desde que indaguemos se ela alguma vez encontra aplicação, se ela se aplica a este ou aquele caso determinado.

No que se refere a Plotino, a resposta não comporta dúvida. Foi lhe dado ver a terra prometida, mas não lhe tocar o solo (BERGSON, M. R., 1991, p. 1162).

Este é, segundo Bergson, o misticismo completo experimentado fundamentalmente pelos grandes místicos do cristianismo.


SILVA, Adelmo José da “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano I - Número I – janeiro a dezembro de 2005
A relação entre o misticismo e a experiência metafísica em Bergson
“Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da
Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano I - Número I – janeiro a dezembro de 2005

Referências Bibliográficas
BERGSON, Henri. Les Deux Sources de la Morale et de la Religion ; IN: Oeuvres. 5ª édition. Paris: PUF,
Édition du Centenaire, 1991.
____. L’Évolution Créatrice; IN: Oeuvres. 5ª édition. Paris: PUF, Édition du Centenaire, 1991.
____. Essai sur les Données Immédiates de la Conscience ; IN: Oeuvres. 5ª édition. Paris: PUF,
Édition du Centenaire, 1991.
 Li-Sol-30
 Fontes:
hrSinfonieorchester
Publicado em 27/03/2012
 http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/1_.pdf
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