Professor José Américo Motta Pessanha
Entrevista:(?) José Américo Motta Pessanha - 42min.
Professor José Américo Motta Pessanha
Ética : A Arte de Viver - 2min.
Grande Professor
adoro aprender com ele
- a arte de viver.
Ade
Respostas do capitulo 2 do texto
Platão e as ideias de José Américo Motta Pessanha
1- Com o dialogo Sócrates pretendia demolir as opiniões frágeis e enganosa, buscando conhecer a si mesmo e levar aos outros o autoconhecimento, para assim conquistar à própria alma.
2- Platão busca outro caminho para explicar a situação atual do universo naquele momento, diferente das outras dialéticas que buscavam as explicações em acontecimentos passado para explicar o presente. Ele já busca as respostas por meio das causas intemporais, que explicam sempre por que cada coisa é o que é.
3- Tendo a sua frente um problema, Platão dizia que era necessário o levantamento de uma hipótese para assim poder resolvê-lo, se ela então se apresenta satisfatória, passa a ser verificada e se diante de outra hipótese mais geral e assim sucessivamente ate uma hipótese se sobre sair diante de todas as outras que estão subordinadas a ela.
4- Embora sejam chamadas de ideais, elas não existem na mente humana, elas podem ser compreendidas como essência, elas que dão forma as coisas. Como no exemplo dado no texto, à cadeira é a essência seja ela de metal, madeira, colorida ou não, mas mesmo com essas diferenças ela não deixara de ser uma cadeira.
5- O processo de conhecimento se da do objeto mais obscuro e instável ate o mais claro e que passa a maior segurança. Para chegar nesse patamar é necessário passar por diversas fases, que são como o aprofundamento e reconhecimento do conhecimento que será necessário.
6- A reminiscência se da pelo fato de não estamos em total ignorância em relação às ideais, não temos desejo nem poder de procurá-las. Em vez disso, é uma condição necessária que temos em nossa alma alguma espécie de lembrança ou conhecimento do contato que tivemos com ela e que nos recordamos dessas ideais por vê-las reproduzidas em alguma coisa.
7- Para Platão a Ideia do bem se pela conclusão das hipóteses levantadas no método dos geômetras, segundo ele a ideia do bem é percebida com dificuldade, mas que ela que no mundo sensível cria a luz e no inteligível... [continua]
EPICURO -
VIDA E OBRA
José Américo
Motta Pessanha
(Do livro: Os pensadores, Ed. Abril, 1985)
A perda da liberdade política — primeiro dominada pelos macedônios, depois
pelos romanos — alterou profundamente os quadros dentro dos quais a Grécia
Antiga vinha desenvolvendo sua experiência cultural e, em particular, sua
criação mais arrojada: a especulação filosófica. Tornando-se parte do império
fundado por Filipe da Macedônia e ampliado por seu filho Alexandre, o país passa
a integrar vasto organismo político, verdadeiro mosaico de povos. Tendem a se
diluir as distinções entre gregos e orientais, distinções que, então, os
primeiros orgulhosamente proclamavam e procuravam preservar.
O historiador Heródoto (c.480-c.425 a.C.) mostrara que a raiz dessas distinções
estava no senso de liberdade política que um grego possuía por pertencer a uma
cidade-Estado, cônscia de sua autonomia e de suas tradições, e onde, ao usufruir
os direitos de cidadania, ele não estava submetido a nenhum senhor. O abismo
entre os gregos do período helênico e os "bárbaros" orientais provinha, segundo
Heródoto, da consciência de liberdade que os gregos desenvolveram a partir da
peculiaridade de sua organização social e política. Essa consciência de
liberdade está ilustrada, pelo historiador, no episódio dos dois espartanos que,
por ocasião das Guerras Médicas, se apresentam voluntariamente aos persas para
serem sacrificados como expiação pelo assassínio dos embaixadores de Xerxes.
Indagados sobre por que Esparta insistia em resistir ao Grande Rei, rejeitando
as vantagens da rendição e da submissão, os dois gregos respondem, altaneiros,
ao persa que os conduzia ao sacrifício: "Tu não podes compreender. Conheces
apenas a vida de servidão. Jamais experimentaste a liberdade, para saber se ela
é doce ou não. Do contrário, tu nos aconselharias a combater por ela não somente
com a lança mas também com o machado".
Depois da batalha de Queronéia (338 a.C), que marca a derrota dos gregos frente
à Macedônia, a situação muda completamente. O desaparecimento da autonomia da
cidade-Estado torna sem sentido qualquer sentimento isolacionista. Mas,
pelo fato mesmo de inserir-se no grande organismo político dos macedônios, a
cultura grega se difunde, tornando-se patrimônio comum a todos os países
mediterrâneos. Começa o chamado período helenístico, no qual, desde a morte
de Alexandre até a conquista romana, a cultura grega vai progressivamente se
impondo do Egito e da Síria até Roma e Espanha. E se Atenas inicialmente
permanece como centro da investigação científica e filosófica, outros focos de
atividade intelectual passarão depois a se afirmar, particularmente Alexandria.
No período helenístico as ciências particulares começam a ter desenvolvimento
autônomo, despregadas do tronco original da antiga sabedoria filosófica. O
século III a.C. é o século de Euclides, de Arquimedes (287-212 a.C.) e de
Apolônio de Perga (c.262-c.180 a.C), um esplêndido século, portanto, para as
matemáticas e a astronomia. Mas é também o século em que, no museu de Alexandria
— cujo bibliotecário é o geógrafo Eratóstenes (275-194 a.C.) —, ocorre grande
desenvolvimento da crítica filosófica e das ciências baseadas na observação.
Surge um novo tipo de intelectual, inexistente na fase helênica: o especialista
erudito. E se isso representa um impulso às especializações científicas,
manifesta também o novo rumo que tomara o conhecimento, desde que sua meta
deixara de ser o universo político: o da realização subjetiva e pessoal, que
acompanha o ideal de ciência pela ciência.
Em busca da
serenidade
As novas condições impostas ao mundo grego tornam impossível a participação do
indivíduo no governo da polis, que o cidadão helênico conhecera sobretudo na
fase democrática. O conhecimento deixa de ser preparação para a atividade
política (como fora em Platão), passando a se ocupar do aprimoramento
interior do homem. Distanciada das preocupações políticas, a filosofia
aspira ao estabelecimento de normas universais para a conduta humana e se propõe
a dirigir as consciências: o problema ético torna-se o centro da especulação de
diferentes, correntes filosóficas.
As éticas helenísticas partem à procura do bem individual, de uma sabedoria que
represente a plenitude da realização subjetiva: o alcance da perfeita serenidade
interior, independente das circunstâncias. O bem não mais terá o sentido
metafísico do Bem de Platão, fundamento das idéias, dos modelos do mundo
corpóreo, e, consequentemente, sustentação tanto do sujeito do conhecimento e da
ação quanto da própria realidade objetiva. O bem das éticas helenísticas terá
acepção estritamente existencial: é o bem como sinônimo do que é bom para o
indivíduo, para a vida de cada homem.
Para traçar o caminho que conduz à serenidade interior, algumas éticas
helenísticas — o epicurismo e o estoicismo — partem de uma concepção do
universo fundamentada racionalmente. Ao contrário do que propunha o
socratismo, epicuristas e estoicos fazem da ciência sobre a natureza das
coisas a base para suas construções morais. Bem diverso será o itinerário
prescrito pelo ceticismo, fundado por Pirro de Élis (360-270 a.C): à
imperturbabilidade de espírito só se chegaria partindo-se da suspensão de
qualquer julgamento, renunciando-se a qualquer explicação científica,
abandonando-se toda pretensão de alcançar certezas inatingíveis.
Outra corrente de pensamento que se manifesta no período helenístico é o
ecletismo. Procurando um critério para a ação que escapasse às disputas das
diferentes escolas, essa filosofia pretenderá estabelecer, para além das
divergências, um "sentido comum", um consenso universal. Tal forma de pensar
teve larga aceitação na fase romana e Cícero foi seu mais eminente
representante.
O caráter de religiosidade, que se tornará evidente no pensamento ocidental a
partir do século I d.C, afirma-se antes em centros orientais da cultura
helenística, como Alexandria. Manifesta-se então acentuada tendência à fusão ou
ao sincretismo religioso. Ao mesmo tempo, ocorre o confronto entre duas
tradições: a greco-romana, formulada através de filosofias dotadas de alto
índice de racionalização, e a da religiosidade oriental, fundada — como no
judaísmo e no cristianismo — na noção de "verdade revelada". Os primeiros
efeitos da repercussão do espírito religioso sobre a filosofia manifestam-se nos
judeus-alexandrinos (do século II a.C. ao I d.C), nos neopitagóricos e
platônicos pitagorizantes (entre os séculos I a.C. e III d.C.) e nos últimos
defensores do pensamento e da religião do politeísmo: os neoplatônicos do século
II ao século VI d.C.
O neoplatonismo constituiu a mais perfeita manifestação de sincretismo religioso
dessa época e teve em Plotino (204-270) seu principal representante. Para o
neoplatonismo — canto de cisne do pensamento da Grécia Antiga —, todos os seres
resultariam de sucessivas emanações do Um, divino, transcendente e inefável.
Antes de se calar, a filosofia grega medita sobre um último tema: o silêncio do
Ser.
O jardim da
amizade e do prazer
Nascido em 341 a.C, em Atenas ou em Samos, Epicuro teria acompanhado, dos
catorze aos dezoito anos, os ensinamentos do acadêmico Pânfilo. E, através de
Nausífanes de Teo, discípulo de Demócrito (c.460-370 a.C), teria conhecido as
doutrinas desse grande atomista. Durante algum tempo ganhou a vida como
professor de gramática. Em seguida deu cursos de filosofia, primeiro em Lâmpsaco,
depois em Mitilene e Colofonte. Finalmente regressa a Atenas, por volta de 306
a.C, onde adquire uma pequena casa e abre uma escola de filosofia, que ficará
conhecida como o Jardim de Epicuro.
Os alunos não têm em Epicuro um mestre no estilo tradicional: na verdade, formam
um grupo de amigos que filosofam juntos. Epicuro exerce influência, não só pelo
ensino direto como pela extraordinária personalidade. É um homem bondoso, de
natureza terna e amável, que, apesar dos sofrimentos físicos impostos pela
doença que o tortura e aos poucos o paralisa, cultiva as amizades, auxilia os
irmãos e trata delicadamente os escravos. Por essa razão todos os que o conhecem
dificilmente deixam seu convívio.
Epicuro foi intensamente venerado por seus primeiros discípulos, grandes
admiradores seus. E cerca de dois séculos depois de sua morte — ocorrida em 270
a.C. — ainda será assim exaltado pelo poeta romano Lucrécio, seguidor e
expositor de suas ideias:
"Foi um deus, sim, um deus,
aquele que primeiro
descobriu essa maneira de viver
que agora se chama sabedoria, aquele que por sua
arte
nos fez escapar de tais tempestades e de tais noites,
para colocar nossa
vida numa morada tão calma e tão luminosa".
As tempestades e a noite a que se refere o poeta Lucrécio significam os temores
e as perturbações que agitam o espírito humano e que Epicuro teria ensinado como
vencer. "A morada tão calma e tão luminosa" seria a meta proposta pelo
epicurismo: a morada da serenidade e do prazer. Com efeito, toda a ética de
Epicuro representa um esforço para libertar a alma humana de equívocos ou de
infundadas crenças aterrorizadoras. A filosofia, para Epicuro, deveria
servir ao homem como instrumento de libertação e como via de acesso à verdadeira
felicidade. Esta consistiria na serenidade de espírito que advém da consciência
de que é ao homem que compete conseguir o domínio de si mesmo.
O autodomínio — objetivo de toda reflexão filosófica — exige a libertação do
jugo das falsas opiniões e a conquista do conhecimento verdadeiro e seguro da
realidade e da posição do homem dentro dela. Consequentemente, a filosofia pode
ser dividida em três partes que se articulam. Em primeiro lugar, a lógica, que
permitiria distinguir quais as formas de conhecimento verdadeiro, quais as
falsas. Em segundo lugar — com base nas soluções indicadas pela lógica —, uma
física que mostrasse a verdadeira estrutura da realidade na qual se insere o
homem. A lógica e a física constituiriam, assim, as disciplinas preliminares
a possibilitar a descoberta dos fundamentos da ética. Esta seria a terceira
parte da filosofia e seu objetivo último, constituindo a chave para abrir as
portas da felicidade.
A teoria do conhecimento dos epicuristas (que eles chamavam de canônica) é
empirista, isto é, reduz toda a origem do conhecimento à experiência
sensível. As repetidas experiências dos sentidos, preservadas pela memória,
dariam nascimento à antecipação (em grego: prolepsis), equivalente à
noção geral ou conceito. Quando se ouve a palavra homem, por exemplo,
antecipa-se a presença real e efetiva de um homem, sem que o mesmo esteja sendo
apreendido de fato por qualquer dos sentidos. A prolepsis teria a função
de classificar as experiências e fixar seus limites de variação. Seria em si
mesma verdadeira, pois simplesmente registra e preserva as diferenças e
semelhanças encontradas na experiência sensível.
A fonte da
verdade
Depois que se possui um número suficientemente grande de prolepsis,
podem-se formar juízos, verdadeiros ou falsos. A verdade de um juízo pode ser
provada, segundo os epicuristas, de duas maneiras. Quando o juízo diz
respeito a algo observável pelos sentidos, o critério é pura e simplesmente a
concordância entre o juízo e os fenômenos sensíveis correspondentes. O
segundo critério de verificação da verdade de uma proposição refere-se aos
juízos sobre fenômenos não passíveis de observação através dos sentidos. Nesse
caso diz-se que certa proposição é verdadeira se não entrar em contradição com
outros dados fornecidos pela experiência (critérios da não-infirmação). Os
fenômenos adotados como prova são apenas signos de uma realidade invisível.
Por exemplo, segundo a doutrina atomista, adotada por Epicuro,
Por exemplo, segundo a doutrina atomista, adotada por Epicuro,
"todos os corpos,
por mais compactos que sejam,
possuem interstícios vazios dentro deles".
Esse
juízo não é atestado diretamente pelos sentidos; mas, se não for admitido como
verdadeiro, também não seria verdade que
"a água destila através das rochas",
ou
que "o calor e o frio passam através das paredes".
A conjugação do conhecimento sensível e do conhecimento racional permite a
Epicuro justificar sua adesão ao atomismo criado por Leucipo (meados do século V
a.C.) e Demócrito (c.470-c.370 a.C).
Com efeito, se os sentidos atestam o movimento como uma evidência, seria
verdadeira, graças ao critério da não-infirmação, a teoria atomista, que
apresenta uma explicação racional para o movimento, afirmando que tudo é
constituído de átomos (invisíveis) que se movem no vazio.
Como os anteriores atomistas, Epicuro considera os átomos como infinitos em
número, indivisíveis fisicamente (insecáveis) e imensamente pequenos (sua
variação de tamanho estaria situada aquém do limiar de percepção); além disso,
seriam móveis por si mesmos, pois o vazio não ofereceria qualquer resistência à
locomoção. Leucipo e Demócrito haviam afirmado que os átomos, materialmente
idênticos, diferiam uns dos outros apenas pela forma, pelo tamanho, pela posição
ou, quando constituíam conjuntos, pelo arranjo. Epicuro, porém, introduz uma
nova distinção: os átomos seriam diferentes também quanto ao peso.
Os primeiros atomistas consideravam o peso uma resultante do tamanho dos átomos: os maiores, mais sujeitos aos impactos dos outros, locomovem-se com mais dificuldade e tendem a ocupar o centro dos agrupamentos de átomos, comportando-se como mais pesados. Ao contrário, Epicuro considera o peso um atributo inerente aos átomos, concebendo, portanto, um peso absoluto e não relativo. E devido ao peso é que os átomos, num momento inicial, são imaginados por Epicuro como "caindo"; mas, situados dentro do vazio, teriam que desenvolver, nessa "queda", trajetórias necessariamente paralelas. Isso significa que os átomos jamais se chocariam — dando origem aos engates e aos torvelinhos indispensáveis à constituição das coisas e dos mundos — se algum fator não viesse interferir naquele paralelismo das trajetórias.
Os primeiros atomistas consideravam o peso uma resultante do tamanho dos átomos: os maiores, mais sujeitos aos impactos dos outros, locomovem-se com mais dificuldade e tendem a ocupar o centro dos agrupamentos de átomos, comportando-se como mais pesados. Ao contrário, Epicuro considera o peso um atributo inerente aos átomos, concebendo, portanto, um peso absoluto e não relativo. E devido ao peso é que os átomos, num momento inicial, são imaginados por Epicuro como "caindo"; mas, situados dentro do vazio, teriam que desenvolver, nessa "queda", trajetórias necessariamente paralelas. Isso significa que os átomos jamais se chocariam — dando origem aos engates e aos torvelinhos indispensáveis à constituição das coisas e dos mundos — se algum fator não viesse interferir naquele paralelismo das trajetórias.
Afastando-se do rígido mecanismo da física dos primeiros atomistas, Epicuro
introduz então a noção de "desvio" (clinamen): sem nenhuma razão mecânica, os
átomos, em qualquer momento de suas trajetórias verticais, podem se desviar e se
chocar. O clinamen aparece, assim, como a introdução do arbítrio e do
imponderável num jogo de forças estritamente mecânico: é a ruptura da
necessidade, no plano da física, para acolher a contingência.
A justificativa do clinamen está garantida pela canônica de Epicuro: a
evidência imediata revela que existe um ser — o homem — que, embora constituído
de átomos (como todos os seres do universo), manifesta a possibilidade de
arbítrio, pelo qual altera os rumos de sua vida ou, pelo menos, pode modificar
sua atitude interior diante dos acontecimentos. A existência da vontade
livre seria, portanto, o fato experimentado que, através do critério da
não-infirmação, encontraria explicação no desvio que deve também ocorrer nas
trajetórias atômicas. Inconcebível seria admitir que um composto (o homem)
apresentasse atributos inexistentes em seus componentes (os átomos).
A doutrina do clinamen serve, assim, para fundamentar, dentro de um universo de coisas regido pelo fatalismo e pela necessidade mecânica, a espontaneidade da alma, a autonomia da vontade, a liberdade humana. Na física Epicuro situa as premissas de sua ética.
A doutrina do clinamen serve, assim, para fundamentar, dentro de um universo de coisas regido pelo fatalismo e pela necessidade mecânica, a espontaneidade da alma, a autonomia da vontade, a liberdade humana. Na física Epicuro situa as premissas de sua ética.
A verdadeira
sabedoria
Deuses e morte
Com sua concepção materialista da realidade, Epicuro pretende libertar o homem
dos dois temores que o impediriam de encontrar a felicidade: o medo dos deuses e
o temor da morte. Os deuses existem, afirma Epicuro, mas seriam seres
perfeitos que não se misturam às imperfeições e às vicissitudes da vida humana.
Os deuses viveriam em perfeita serenidade nos espaços que separam os mundos.
Sua perfeição suprema constitui o ideal a que aspiram os sábios e deve ser
objeto de culto desinteressado; não teria sentido adorá-los de maneira servil,
temerosa e interesseira, pois eles desconhecem o mundo imperfeito dos homens e
de modo algum atuam sobre ele. Quanto à morte, não há também por que
temê-la. Ela não seria mais que a dissolução do aglomerado de átomos que
constitui o corpo e a alma.
A morte, portanto, não existe
enquanto o homem vive
e este não existe mais quando ela sobrevém.
A libertação do temor dos deuses e da morte não basta para conduzir o homem à verdadeira felicidade. É necessário ainda que ele se liberte da ânsia incontrolada de prazeres e do incontido pesar pelas dores.
Integração com
a natureza
Os prazeres e
desejos
A luminosidade racional da doutrina atomista permitiria ao homem afastar
os sombrios temores que lhe intranquilizavam a alma, bem como reconhecer-se como
um ser perfeitamente integrado na natureza universal. Enquanto ser
natural, o homem — como os animais — pauta sua vida, espontaneamente, pela
procura do prazer e pela fuga da dor. Mas a verdadeira sabedoria está além
desse comportamento natural e espontâneo: sábio é reconhecer que há
diferentes tipos de prazer, para saber selecioná-los e dosá-los. O hedonismo
epicurista reconhece que o ponto de partida para a felicidade está na satisfação
dos desejos físicos, naturais. Mas essa satisfação, para não acarretar
sofrimentos, deve ser contida, reduzindo-se ao estritamente necessário:
sábio é aquele que "com um pouco de pão e de água rivaliza com Júpiter em
felicidade".
Epicuro considera que todo prazer é basicamente um prazer corpóreo. Mas, ao
contrário dos cirenaicos — corrente hedonista que se pretendia herdeira de
Sócrates —, Epicuro afirma que o prazer que o homem deve buscar não é o da pura
satisfação física imediata e mutável, o "prazer do movimento". Para Epicuro, o
prazer que deve nortear a conduta humana — o prazer com dimensão ética e não
apenas natural — é o "prazer do repouso", constituído pela ataraxia (ausência
de perturbação) e pela aponia (ausência de dor). Ambas podem ser alcançadas
na medida em que o homem, através do autodomínio, busque a auto-suficiência que
o torne um ser que tem em si mesmo sua própria lei, um ser autárquico,
capaz de ser feliz e sereno independentemente das circunstâncias. Para
tanto, deve renunciar aos prazeres que possam ser fontes de aflição e aceitar a
dor quando ela é portadora de um bem futuro (que nunca deve ser confundido com a
suposta vida depois da morte). É necessário, portanto, fazer um cálculo
utilitário dos prazeres e das dores possíveis, como primeiro passo para a
conquista da felicidade.
O
enfrentamento da dor
Epicuro, porém, reconhece que as circunstâncias podem impor a dor como um fato
inelutável. Sabedoria será então utilizar a liberdade interior e, através do
artifício que essa liberdade permite, permanecer sereno e feliz. À dor
presente, ensina Epicuro, pode-se escapar por meio da lembrança dos prazeres
passados ou pela expectativa de prazeres futuros. Interiormente, o homem é
livre para jogar, à vontade, com as imagens (eidola) que seriam resquícios
corpóreos (formados de átomos mais tênues) de suas sensações. Epicuro — ele
próprio um homem doente e vítima de terríveis sofrimentos físicos, ele próprio
um grego sem liberdade política — teria dado a demonstração dessa técnica
interior de evasão, capaz de permitir ao homem enfrentar serenamente as mais
adversas circunstâncias.
Seu hedonismo altamente espiritualizado, que fazia da contemplação intelectual e das delícias da amizade os mais elevados prazeres, legou às éticas posteriores uma lição que nunca mais será esquecida: a de que o homem também pode se sustentar de recordações e de esperanças.
Seu hedonismo altamente espiritualizado, que fazia da contemplação intelectual e das delícias da amizade os mais elevados prazeres, legou às éticas posteriores uma lição que nunca mais será esquecida: a de que o homem também pode se sustentar de recordações e de esperanças.
A poesia do
materialismo
Na própria Antigüidade o epicurismo não sofreu reformulações. Os seguidores
imediatos de Epicuro limitaram-se a cultuar a memória do mestre e a preservar e
propagar suas ideias.
Segundo Diógenes Laércio, a obra de Epicuro compreendia cerca de
trezentos títulos, dentre os quais só Sobre a Natureza compreenderia 37
livros. Dessa grande quantidade de escritos, todavia, restou muito pouco: o
próprio Diógenes Laércio conservou uma Carta a Heródoto (que trata da
física), uma Carta a Pítocles (de "autenticidade contestada e tratando dos
meteoros) e uma Carta a Meneceu (sobre moral); Diógenes Laércio faz seguir
essas cartas de quarenta sentenças atribuídas a Epicuro e conhecidas sob a
denominação de Máximas Principais.
Em 1888, K. Wotke descobriu, num manuscrito da biblioteca do Vaticano,
81 máximas de Epicuro, algumas já inseridas nas Máximas Principais. Por outro
lado, as escavações realizadas em Herculanum trouxeram à luz uma biblioteca
epicurista, contendo inclusive o Sobre a Natureza de Epicuro.
Mas, se os escritos de Epicuro só são conhecidos de forma fragmentária,
existe uma outra fonte para o conhecimento de sua doutrina: o poema Da
Natureza das Coisas, de seu seguidor Lucrécio, que viveu em Roma entre os anos
99 e 55 a.C.
Pouco se sabe da vida de Tito Lucrécio Caro. Nasceu provavelmente em Roma,
onde foi educado.
Quando conheceu a doutrina de Epicuro — "honra da raça grega" —, Lucrécio
deslumbrou-se com seus ensinamentos, que lhe pareceram a chave para desvendar os
segredos do universo e para abrir as portas da felicidade humana. Seguindo as
pegadas do mestre, Lucrécio propõe-se à tarefa de libertar os romanos da
religião que os oprimia e que sobre eles pesava com mais força do que outrora
pesara sobre os gregos.
Além de servir de fonte para conhecimento da doutrina epicurista, o
poema de Lucrécio tem imensa importância literária: através dele Lucrécio se
revela um dos maiores poetas da língua latina.
Lucrécio matou-se em 55 a.C. Seu poema, escrito em intervalos de ataques de
loucura, ficou inacabado e foi completamente revisado, para publicação, segundo
algumas fontes, por um irmão de Cícero chamado Quinto. Segundo outras fontes,
aquele trabalho foi feito pelo próprio Cícero, que tinha pelo poeta do
materialismo profunda admiração.
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