quinta-feira, 5 de julho de 2012

PSICOLOGIA ANALÍTICA E CULTURA - Alberto André Delpino de Mendonça



 
W.A.Mozart -Piano Concerto No23 KV 488 -27m
Piano: Till Fellner
Hubert Soudant- Mozarteum Orchestre Salzburg -1998

Psicologia Analítica e Cultura

Alberto André Delpino de Mendonça

Instituto C.G. Jung Minas Gerais

É impossível compreendermos a contribuição cultural da psicologia analítica sem antes examinarmos a trajetória científica e humana do seu fundador, Carl Gustav Jung, ao longo de seus quase 86 anos de vida A psicologia analítica teve muitos colaboradores além de Jung e continua recebendo uma sólida contribuição científica de pesquisadores de todo o mundo. Seria inexeqüível tentar abordar ou citar num texto como este os nomes e contribuições de todos aqueles que ajudaram a construir ao lado do mestre de Küsnacht o edifício da psicologia analítica. Diante disso, restringir-me-ei a focalizar seu principal mentor ao longo de século XX.
Corre o último quarto do século XIX, naquela atmosfera própria de um mundo que fatalmente eclodiria na Grande Guerra de 1914-1918. Há quem diga que o século XIX ocidental só teria terminado historicamente após o tratado de Versalhes. Nesse clima de incertezas e de grandes ousadias nos vários campos do saber humano, Jung sedimenta as bases da sua formação e do seu pensamento através de filósofos como Pitágoras, Heráclito, Empédocles, Platão, Shopenhauer, Brentano, Hartmann, Nieztsche, Kant, dentre outros. E também, de cientistas, pesquisadores, poetas e artistas que iriam ajudá-lo a iniciar e mais tarde a construir, enriquecer e solidificar a sua obra.
Em 1895, Jung inicia seus estudos de medicina na Universidade de Basiléia, onde seu avô paterno fora reitor e, em 1900, ao término dessa etapa, resolve dedicar-se à psiquiatria. Este passo será fundamental em sua vida. Em 1902 torna-se o primeiro assistente do professor Eugen Breuler, na época um dos psiquiatras mais conceituados da Europa que em pouco tempo se destacará com a monografia sobre as esquizofrenias que o transforma no monstro sagrado da psiquiatria ocidental contemporânea.
Entre 1903-1905 Jung desenvolve suas pesquisas sobre associações e demonstra pela primeira vez, dentro de técnicas experimentais e de laboratório, a existência de uma atividade inconsciente no psiquismo humano. Durante o ano de 1906, o jovem livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Zurique, encontrando respaldo científico nos estudos de Freud às suas pesquisas clínicas e aos seus achados sobre associações, busca apoio do mestre de Viena. O primeiro encontro pessoal entre os dois ocorre em março de 1907.
Suas pesquisas sobre associações com a colaboração de Franz Riklin e os trabalhos clínicos sobre a psicogênese na esquizofrenia, os quais já haviam interessado a Freud, repercutem nos meios científicos e despertam a curiosidade de acadêmicos e estudiosos. Suas atividades se intensificam até 1912 quando amplia seu envolvimento com o movimento psicanalítico, incluindo neste período sua viagem aos EEUU com o mestre da psicanálise, em 1909. Nessa ocasião é convidado para conferências na Clark University de Worcester, Massachusets. Já considerado o príncipe herdeiro de Freud, no ano seguinte, torna-se presidente da recém-fundada Sociedade Internacional de Psicanálise.
Em pouco tempo o prestígio do jovem cientista suíço se propaga, não só na Europa como também nos EEUU. No mesmo ano da sua viagem à América, é obrigado a deixar a clínica do Burghölzi, o grande hospital em Zurique, por sobrecarga de trabalho. Além da clínica particular, passa a dedicar-se com afinco ao estudo e pesquisa da mitologia, das religiões e do folclore.
A publicação de Transformações e Símbolos da Libido enseja, particularmente pelo capítulo denominado O Sacrifício, o rompimento com Freud. A obra é uma espécie de pedra angular da psicologia analítica. O encontro inicial de Freud e Jung não resiste à prova do tempo e passados seis anos do casamento científico acontece o rompimento definitivo com evidente desvantagem para o então jovem cientista suíço, uma vez que passa por um período de isolamento e rejeição nos meios especializados, como ele próprio confessaria. A partir de então, Jung entra numa fase de introversão, denominada por ele de confronto com o inconsciente e que ensejará a constituição de parte importante do material para o seu Livro Vermelho.
Em 1919, Jung usa pela primeira vez o conceito de arquétipo. Nessa época, já fim da primeira Grande Guerra, Jung serve como capitão-médico nos campos de concentração ingleses. Finalmente, em 1920 inicia uma série de viagens pela África e ao continente americano que no seu conjunto só terminará em 1938, na Índia. Este afastamento do solo europeu e do seu próprio ambiente cultural constitui, dentre outros aspectos, uma tentativa de focalizar a partir de fora a avaliação de outros povos no tocante à cultura europeia e propiciar à sua condição de pesquisador um distanciamento crítico mais eficaz e mais isento de preconceitos.
Não terá sido por acaso que o chefe Pueblo “Lago das Montanhas”, finalmente, diz ao visitante: ... 
”Veja como os brancos têm um ar cruel.
 Têm lábios finos, nariz em ponta,
 os rostos sulcados de rugas e deformados. 
Os olhos têm uma expressão fixa,
 estão sempre buscando algo.
 O que procuram?
 Os brancos sempre desejam alguma coisa, 
estão sempre inquietos, e não conhecem repouso. 
Nós não sabemos o que eles querem.
 Não os compreendemos e achamos que são loucos”.
Com esses indígenas, Jung sedimenta a ideia de que toda cultura necessita de mitos que a estruturem e sustentem: os Pueblos se julgavam filhos do Sol e responsáveis pelo seu trajeto cotidiano. Sem eles tudo seriam trevas. Esta certeza conferia-lhes a dignidade que necessitavam para se manterem como um povo.
Na África, a viagem entre os Elgonís propicia ao pesquisador a experiência viva da hora do nascimento do Sol como equivalente ao culto egípcio a Osíris, onde este momento, o instante em que a luz se faz é Deus. Para eles tudo que se estende ao sol é bom. A noite, em contraste com o dia, é vista como “um novo mundo; o mundo obscuro, o mundo de Ayik, do mal, do perigo e do medo. É ainda nessa época, que Jung compreende que “... desde a origem, uma nostalgia de luz e um desejo inesgotável de sair das trevas primitivas habitam a alma. A nostalgia da luz é a nostalgia da consciência”.
Quanto à Índia, o aspecto central que sensibiliza o cientista, dada a abordagem distinta conferida ao tema pelos indianos e pelo cristianismo europeu, é a questão do bem e do mal. Evidentemente, que sendo a Índia um manancial riquíssimo da cultura humana e uma fonte contínua de novas respostas ao intelectualismo europeu, além da questão do bem e do mal, ela acena como uma nova possibilidade de união de opostos, como elemento complementar e compensador da cultura cristã européia. Uma vez convencido destes fatos, a busca de interlocução entre ocidente, Índia e oriente como um todo será uma constante na sua obra e durante toda sua vida participará ativamente de eventos com este fim. As conferências de Eranos são um testemunho disto. Jung participa delas de 1933 até 1951, dez anos antes da sua morte. Entre 1934 e 1939 realiza seus seminários em inglês sobre o Zaratustra de Nietzsche.
Mas é importante dar alguns passos atrás. Em 1922, um ano antes da morte de sua mãe e da palestra de Richard Wilhelm sobre o I Ching em Zurique, Jung adquire um terreno em Bollingen, no lago superior de Zurique, e com a ajuda inicial de dois mestres de obra italianos executa ao longo do tempo a construção da Torre. Em contraste com sua bela e acolhedora casa de Küsnacht, local destinado à família, aos amigos e à vida cotidiana, a nova construção se constitui em espaço de aprofundamento interior e recolhimento.
A Torre manterá até o fim um aspecto que Jung jamais deixou de considerar essencial na caminhada humana: o da dimensão da busca das nossas raízes profundas e da dimensão do mistério.
Em 1928 Jung se encontra com sinólogo Richard Wilhelm e toma conhecimento do texto de O Segredo da Flor do Ouro. A partir de então, interrompe suas experiências iniciadas em 1913 e se aprofunda nos textos alquímicos, sobretudo, dos autores europeus.
Os títulos obtidos por Jung em vida na sua trajetória acadêmica e profissional foram muitos. Contudo, segundo confessou, o momento supremo da sua carreira acadêmica foi a sua nomeação para a cátedra de psicologia médica na Universidade da Basiléia em 1944, a mesma onde seu avô paterno havia sido reitor. Jung atribuiu inclusive a sua grave doença, havida no mesmo ano e posterior à sua nomeação, à imensa carga emocional que o fato representou para ele.
É a partir dos escritos e correspondências de Jung que nos deparamos com uma quantidade significativa de temas que não se prendem a questões específicas de psicologia, psicopatologia ou psiquiatria, dentre eles os de cunho religioso. O escritor aborda estes temas na condição de médico, pesquisador e psicólogo, procurando não se deixar contaminar pela questão religiosa ou teológica propriamente dita. Isto lhe valeu a animosidade e desconfiança de inúmeros teólogos e religiosos que não admitiam a abordagem psicológica das religiões ou não concordavam com seus achados, além do desprezo dos que o acusavam de místico e não científico. Contudo, estes ataques não abalam suas convicções e esses escritos e correspondências se manterão até o fim da sua vida ao lado de outros temas, sejam científicos, artísticos, pedagógicos, sociológicos, éticos.
Em 1948, é inaugurado o Instituto Carl Gustav Jung em Zurique, uma vez que, a essa altura, o número de adeptos e colaboradores da psicologia analítica já era considerável, tornando, assim, possível a criação de um centro de formação de profissionais especializados na área. O referido instituto torna-se, então, centro irradiador para a formação de analistas em outros países do mundo.
Em 1953, é iniciada a edição inglesa das obras completas de Jung (Collected Works, Bollingen Series, New York) e a partir da segunda metade do século XX, outros institutos e associações se organizam em vários países da Europa e fora dela. A International Association for Analytical Psychology (IAAP) é fundada em 1955 e torna-se a instituição credenciada para organizar e controlar, em nível ético, científico e profissional, os grupos e sociedades de analistas devidamente reconhecidos nos vários países e continentes, bem como para promover e divulgar a psicologia analítica em todo o mundo.
Com a morte de Carl Gustav Jung, em 6 de junho de 1961, na sua residência em Küsnacht, encerra-se a sua jornada terrena. Jung, desde o início de sua trajetória, reconhecia que na base de toda questão do psiquismo humano e da caminhada humana encontram-se as perguntas primordiais: o psiquismo busca um sentido, um fim? e, finalmente, a existência humana tem um sentido?
Para a primeira pergunta, responde-nos com o princípio de individuação. Para a segunda, replica que sua “raison d’être’ (dele, Jung) consistia no entendimento do ser indefinível que chamamos Deus”. Quanto aos acréscimos à cultura pela psicologia analítica, estes freqüentemente constituem novos paradigmas que também a transformam. Inconsciente coletivo, arquétipos, complexos, tipos psicológicos, introversão e extroversão, individuação, sincronicidade, são contribuições ao pensamento humano de valor inestimável.

A abordagem de temas como símbolo, mito, folclore, religião, alquimia, libido, interpretações de sonhos, imaginação ativa, Eros e logos, masculino e feminino, as várias figuras arquetípicas, desenvolvimento da personalidade, esquizofrenia e outros distúrbios mentais, amor e casamento, fenômenos ocultos, UFO, arte e arte moderna, são questões amplamente abordadas pela psicologia analítica, bem como as questões e desafios da globalização e do movimento ecológico de alcance cultural inquestionável.
A psicologia analítica contou desde o início da sua formação com colaboradores cujo número, ao longo do tempo, foi se avolumando. As qualidades acadêmicas, científicas, culturais e humanas de muitos deles, por si só, seriam suficientes para enaltecer e autorizar qualquer grupo a que se filiassem. Contamos hoje com mais de meia centena de sociedades que se organizam por todo o mundo, incluindo Oriente, América do Norte, America do Sul, Austrália, África do Sul, Europa ocidental e Leste europeu.

 Ao lado destas sociedades, existem vários grupos em desenvolvimento em várias partes do planeta. A Associação Junguiana do Brasil encontra-se entre elas e é uma colaboradora e produtora de cultura eficaz e ativa, com amplo intercâmbio no plano nacional e internacional. Possui sete institutos distribuídos pelos estados do Rio Grande Sul, Paraná, São Paulo (Campinas e São Paulo), Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, todos promovendo cultura.
Carl Gustav Jung
Alberto André Delpino de Mendonça
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Pablo Picasso

Li
 Fonte:
Associação Junguiana do Brasil
 http://www.ajb.org.br/
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
 Sejam abençoados todos os seres.
 

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