sábado, 3 de agosto de 2013

ENTREVISTA INÉDITA COM PIERRE TEILHARD DE CHARDIN


O Melhor de Mozart - 116min

Pierre Teilhard de Chardin: uma biografia


Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines, na França, em 1º de maio de 1881 e faleceu em Nova Iorque, aos 10 de abril de 1955. Padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês, Chardin é conhecido por construir uma visão integradora entre ciência e teologia.


Por: IHU Online

Criado em uma família profundamente católica, Chardin entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em Aix-en-Provence no ano de 1899 e para o juniorado em 1900, em Laval. Teve que deixar a França e os seus estudos prosseguiram na ilha de Jersey, Inglaterra, onde cursou Filosofia e Letras.

Licenciou-se neste curso em 1902. Entre 1905 e 1908 foi professor de física e química no colégio jesuíta da Sagrada Família do Cairo, no Egito, onde teve oportunidade de continuar suas pesquisas geológicas, iniciadas na Inglaterra. Seus estudos de teologia foram retomados em Ore Place, de 1908 a 1912. Ordenou-se sacerdote em 1911.

Entre 1912 e 1914 cursou paleontologia no Museu de História Natural de Paris. Foi a sua porta de entrada na comunidade científica. Durante seus estudos teve a oportunidade de visitar os sítios pré-históricos do noroeste da Espanha, entre eles, a Caverna de Altamira.

Durante a Primeira Guerra Mundial, foi carregador de maca dos feridos e depois capelão em diversas frentes de batalha. Passada a Guerra, retomou os estudos em Paris, onde obteve o doutorado em 22 de março de 1922 na Universidade de Sorbonne. Em 1920 tornara-se professor de geologia no Instituto Católico de Paris. Em 1922, escreveu Nota sobre algumas representações históricas possíveis do pecado original, que gerou um dossiê pela Santa Sé, acusando-o de negar o dogma do pecado original.

 Teve que assinar um texto que exprimia este dogma do ponto de vista ortodoxo e foi obrigado a abandonar a cátedra em Paris e embarcar para Tianjin na China. Este fato marcará uma nova etapa da sua vida: o silêncio sobre temas eclesiais e teológicos que duraria o resto da sua vida.
Em Pequim, realizou diversas expedições paleontológicas, e em 1929 participou da descoberta e estudo do sinantropo - o homem de Pequim. Também realizou pesquisas em diversos lugares do continente asiático, como o Turquestão, a Índia e a Birmânia. Em Pequim, escreveu sua obra prima: O Fenômeno Humano.

Em 1946 retornou a Paris. Seus textos mimeografados continuavam a circular e suas conferências lotavam os auditórios. Foi convidado a lecionar no Collège de France. Entre 1949 e 1950 deu cursos na Sorbonne que geraram a obra O grupo zoológico humano. Em 1950 foi eleito membro da Academia de Ciências do Instituto de Paris.
Teilhard de Chardin faleceu em 10 de abril de 1955, num domingo de Páscoa, em Nova Iorque.

''Nem utópico beat, nem milenarista''. 

Entrevista inédita com Pierre Teilhard de Chardin 



Pierre Teilhard de Chardin (Orcines, 1º de maio de 1881 – Nova York, 10 de abril de 1955) foi um dos mais renomados teólogos-cientistas do século XX. Jesuíta e paleontólogo, elaborou uma teoria que unia criação e evolução no Ponto Ômega, representado por Cristo.

A entrevista que segue foi concedida a Marcel Brion e publicada em janeiro de 1951 na revista francesa Les Nouvelles Littéraires: aqui, ele explica a sua concepção teológica e científica e rejeita as acusações que lhe foram dirigidas por ignorar o papel do mal e do sofrimento na vida.

A entrevista foi republicada pelo jornal dos bispos italianos, Avvenire, 06-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Todas as vezes em que eu encontro o padre Teilhard de Chardin, sou capturado por aquele "clima" de alta espiritualidade e de ciência pura que ele leva consigo para todo lugar. No quarto da Rue Monsieur, como nos campos de escavação na China ou no laboratório do Museu, ele sempre tem a mesma graça amável e irônica, aquela fineza aguda e benevolente ao mesmo tempo e aquela distinção oxfordiana que levam a pensar em algum scholar inglês que é, ao mesmo tempo, Darwin e Newman.

Ele está ao mesmo tempo contente e inquieto pelo fato de que a sua doutrina – chamá-la de teoria ou de sistema seria insuficiente – chega a um público cada vez mais vasto, cada vez mais atento e, acrescentaria, cada vez mais entusiasta e convicto, apesar dos obstáculos que com os quais a difusão do seu pensamento se deparou às vezes, até hoje. Contente porque esse sábio traz à humanidade uma mensagem de confiança, de esperança, de dinamismo vital, de convite a uma consciência mais elevada das possibilidades de progresso que lhe são oferecidas, mas também das crescentes responsabilidades que isso implica.

Inquieto porque essa doutrina, formulada explicitamente há pouco tempo, encontrou-se desfigurada, deformada, falsamente interpretada em certos âmbitos científicos e não só, e, consequentemente, nasceram muitos mal-entendidos e acenderam-se polêmicas até mesmo antes de serem publicadas as obras nas quais o padre Teilhard de Chardin expunha, em uma visão de conjunto, os resultados dos seus trabalhos científicos e das suas reflexões.

Eis a entrevista.
Como o senhor chegou às descobertas que tornaram o seu nome popular e o levaram a formular uma teoria do ser humano e do universo completamente nova?


A minha primeira infância foi passada entre as pedras, nas montanhas de Auvergne, ao lado de um pai naturalista que me transmitiu o gosto pela natureza e guiou a minha crescente paixão pela geologia. Os passeios entre as rochas fizeram nascer em mim o desejo de conhecer esse mundo mineral, tão misterioso e fascinante, que já exercia sobre a minha mente de criança uma atração poderosa e tenaz. Depois, eu estudei no colégio de Mongré, perto de Lyon, e foi seguramente por ter respirado a atmosfera daquela santa casa que, logo depois dos estudos, entrei para a Companhia de Jesus. Você a conhece, não? Em Aix, na calma e silenciosa Rue Lacépède, você que viveu por muito tempo em Aix-en-Provence? Ali eu passei o período do noviciado, animado por feriados e férias na nossa casa de campo de Tholonet.

Nessa paisagem tão intensamente geológica da Montagne Sainte Victoire, da qual Cézanne fez uma espécie de mito cósmico, de divindade original, de elemento primário, elevado na veemência mineral da metamorfose?

Sim, mas logo deixei a França pelas ilhas anglo-normanas: naquele tempo, as congregações eram expulsas do país e obrigadas a se refugiar no exterior. Enquanto eu continuava os meus estudos de filosofia em Jersey, naquela ilha eu tive a sorte de encontrar um autêntico jardim mineralógico, onde pude iniciar cientificamente no estudo da matéria: um objeto que sempre me fascinara.

Eu lembro que o senhor escreveu: "Através das rochas, me encontrei envolvido na estrada do planetário". Instintivamente, no mineral, o senhor procurava, ao mesmo tempo, o durável, o incorruptível. Quando criança, o senhor se desesperou no dia em que descobriu que o ferro era perecível e enferrujava...

Sim, tanto que, para me consolar, procurava equivalentes em outros lugares. Às vezes, em uma chama azul flutuante (ao mesmo tempo tão material, inaferrável e pura) nas cepas na lareira. Mais frequentemente, em alguma pedra mais transparentes ou mais colorida: cristais de quartzo ou de ametista, e principalmente fragmentos brilhantes de calcedônia, como eu podia coletar na minha região de Auvergne. Nesse caso, naturalmente, era preciso que a substância escolhida fosse resistente, inatacável e dura.

Já então o seu senso atual de uma irreversibilidade do movimento que vitaliza o mundo...

E foi assim que, pouco a pouco, despertei para o conceito de "matéria das coisas". Gradual e sutilmente, essa famosa consistência, que até então eu tinha perseguido no sólido e no denso, eu a descobria na direção de um elementar espalhado por toda parte, cuja própria ubiquidade formava a incorruptibilidade. Mais tarde, quando eu me ocuparia com a geologia, se podia acreditar que eu simplesmente sondava, com convicção e sucesso, as oportunidades de uma carreira científica. Mas, na realidade, o que, por toda a minha vida, me levou inevitavelmente (mesmo que às custas da paleontologia) ao estudo das grandes massas eruptivas e das zonas continentais não foi nada mais do que uma insaciável necessidade de manter o contato com uma espécie de raiz, ou de matriz, universal dos seres. É curioso, eu admito, o lugar axial invariavelmente ocupado pela paixão e pela ciência das pedras durante toda a minha embriogênese espiritual.

O senhor deixou Jersey, acredito, no fim daquela iniciação mineralógica, mais ou menos em 1905?

Sim, porque fui nomeado professor de física no Egito. Uma autêntica oportunidade, porque foi justamente no vale do Nilo, onde nasceu e se desenvolveu por milênios uma civilização prodigiosa, que o estudo dos fósseis trazidos à superfície do deserto me fez desviar para a paleontologia.

Que é, eu sei, a sua grande especialização...

Na realidade, o meu interesse científico sempre foi, e continua sendo, dividido entre a paleontologia humana e as questões da geologia continental, um pouco, se se quiser, como Darwin entre os fósseis e os cristais. Nessa competição, no entanto, no fim, foi o estudo do fenômeno humano que ganhou a dianteira nos meus gostos. (...) Sim, na ordem do pensamento científico, foi a descoberta, a tomada de consciência, eu diria, da ideia da evolução – de evolução biológica, quero dizer – que me permitiu conectar, no campo da experiência, os conceitos de energia material e de energia psíquica.

E depois o senhor teve que deixar o Museu, em 1914, para causa do fronte, dos zuavos e dos soldados. Mas não foi exatamente no fronte que germinou no senhor o conceito, tão original e fecundo, de uma noosfera em torno da Terra? O senhor gostaria de definir para os nossos leitores o que entende com o termo noosfera?

Eu usei esse termo pela primeira vez em um dos meus primeiros ensaios sobre o Fenômeno Humano, mais ou menos em 1927, mas, efetivamente, a ideia de uma comunidade espiritual humana adjacente ao orgânico havia nascido em mim nas trincheiras: a ideia, quero dizer, de uma espécie de "mega unidade" biológica especial que constitui o invólucro pensante da terra. Essa é, para mim, a noosfera.

No fim da guerra, o senhor retomou imediatamente os seus trabalhos no campo e no laboratório?

Não imediatamente. Em Verdun, havia morrido o meu querido amigo Jean Boussac, genro de [Pierre-Marie] Termier e, como ele, geólogo, e me foi dada a honra de pensarem em mim para a cátedra de geologia no Instituto Católico de Paris. Mas eu não fiquei lá por muito tempo. Eu havia recém-posto o pé lá quando, de repente, chegou a segunda grande oportunidade da minha vida. O padre Emile Licent, o explorador da China do Norte e fundador do Museu de Tianjin, estava procurando um geólogo que o acompanhasse. Graças à proteção do meu mestre Boule e do falecido Lacroix, um dos pilares da Academia das Ciências, em 1923, eu me encontrei como encarregado do Museu da Missão na China. Foi então que eu e o padre Licent tivemos a sorte de pôr a mão, no loess da bacia do Rio Amarelo, nos primeiros vestígios conhecidos de um paleolítico da China. Descoberta importante, mas que seria logo eclipsada por uma descoberta ainda mais sensacional: a descoberta feita por Andersson, Black e pelo Serviço Geológico da China do homem de Pequim ou sinantropo, um parente próximo do pitecantropo de Java, ambos, talvez, os homens fósseis mais antigos e mais primitivos por nós conhecidos.

Eu também sei que o senhor colaborou muito de perto (outra sorte da sua vida!) com a descoberta que valeu à ciência seis crânios de sinantropos, ao menos meia dúzia de mandíbulas e diversas dezenas de dentes isolados, em cerca de dez anos de pesquisa, de 1927 a 1937...

Esses restos humanos, pertencentes a cerca de 30 indivíduos, foram coletados durante escavações importantes e prolongadas em uma grande vala (50 metros) que constituía a área de uma antiga gruta enterrada e nivelada: muitos utensílios de pedra montados e uma enorme quantidade de ossos fósseis de veados, elefantes, rinocerontes, camelos, búfalos, antílopes e diversos carnívoros, quase todos representantes de espécies extintas há muito tempo. Naturalmente, ainda é difícil datar em anos esse distante primo do homem moderno. Mas podemos afirmar que, quando estava vivo, o manto das terras amarelas ainda não havia se depositado sobre o solo chinês. Fato este que nos remete para muito, muito atrás no tempo. Ao menos centenas de milhares de anos...

Eu conheço as conclusões gerais às quais essa longa carreira de estudioso lhe levou. Gostaria de resumi-las para os nossos leitores? Não se trata, naturalmente, de entrar nos detalhes dos problemas, mas apenas de entrever aquele "ultra-humano" que, cientificamente, em sua opinião, se desenha no término da evolução do Homo sapiens, de como a paleontologia nos faz conhecê-la e nos convida a levá-la adiante?

Especificamente, note-se bem, eu não sou nem filósofo, nem teólogo, mas sim um estudioso "do fenômeno" (um físico, no antigo sentido grego). Bem, nesse modesto nível de conhecimento, o que domina a minha visão das coisas é a metamorfose que o homem nos obriga a submeter o universo em torno a nós, a partir do momento em que (conforme aos imperiosos convites da ciência) nos decidimos a considerá-lo como constituinte, como parte integrante, nativa, do resto da vida. Em consequência a esse esforço de incorporação, emergem, se não me equivoco, duas constatações capitais na nossa percepção experimental das coisas.

A primeira é que o universo, muito mais do que "entropia" (que o leva novamente aos estados físicos mais prováveis), é caracterizado por um desvio preferencial de uma parte da sua matéria para estados cada vez mais complexos e sustentados por intensidades crescente de "consciência". Desse ponto de vista estritamente experimental, a vida não é mais uma exceção no mundo, mas aparece como um produto característico – o mais característico – do desvio psicoquímico universal. E o humano, ao mesmo tempo, torna-se, no campo da nossa observação, o termo provisoriamente extremo de todo o movimento. O humano: uma cabeça do mundo...

Posto isso, a segunda constatação à qual, a meu ver, somos conduzidos por uma aceitação científica integral do fenômeno humano é que a corrente de complexidade-consciência, da qual o psiquismo reflexo (isto é, o pensamento) brotou experimentalmente, ainda não parou, mas sim, através da totalização biológica da massa humana, continua funcionando, arrastando-nos, por efeito biológico de socialização, para certos estados ainda irrepresentáveis de reflexão coletiva, ou seja, como eu digo, para algum "ultra-humano". Tudo isso, repito, por simples extrapolação de uma lei de recorrência positivamente observável, sobre toda a extensão do passado, isto é, fora de todo sentimentalismo e de toda metafísica.

Pois bem, essa posição estritamente objetiva, mal-entendida, fez nascer e correr sob às minhas custas um certo número de lendas, em que as mais prejudiciais podem remeter às seguintes. Acima de tudo, eu fui considerado um otimista ou um utópico beat, que sonha com euforia humana ou com milenarismo confortável. Como se a maturação humana, que os fatos têm o fôlego para anunciar, não se apresentasse, nas minhas perspectivas, não como um repouso, mas até como uma crise de tensão, paga por um imenso rastro de desordens e de sofrimentos: crise totalmente repleta de riscos e, portanto, ainda mais dramática, por causa da enormidade do que está em jogo (o sucesso de um universo, nada menos!), de todas as fantasias egoístas e mórbidas do existencialismo contemporâneo.

Ainda mais grave, repete-se que eu seria o profeta de um universo destruidor de valores individuais: porque, a meu ver, o mundo se dirige, experimentalmente, a um estado sintético. Mas, na realidade, a minha grande preocupação sempre foi a de afirmar, em nome dos fatos, que a autêntica união não confunde, mas diferencia, e também que, no caso de seres pensantes e amantes (como o ser humano), longe de mecanizar, personaliza, e duplamente: primeiro, intelectualmente, por super-reflexão, e depois afetivamente, por unanimização. Assim, apesar do primado que eu concedo tecnicamente a tudo com relação ao elemento, eu me encontro, assim como a própria estrutura do meu pensamento científico, nos antípodas tanto de um totalitarismo social que leva ao formigueiro, quanto de um panteísmo hinduizante que busca saída e a figura última do espiritual na direção de uma identificação dos seres com um fundo comum subjacente à variedade dos eventos e das coisas.

Nem mecanização, portanto, nem identificação por fusão e perda de consciência, mas sim unificação por ultradeterminação laboriosa e amor. É preciso reconhecer que essas visões biológicas podem ter uma certa incidência sobre a nossa avaliação dos valores humanos. Fazem-nos propender para um humanismo renovado, baseado não mais, como no século XVI, em uma redescoberta do passado, mas sim sobre possibilidades inesperadas conservadas para nós pelo futuro. Mas o nascimento, ao nosso redor, de um tal "neo-humanismo" (ligado, no meu pensamento religioso, aos progressos da "caridade") não é precisamente uma das características distintivas dos tempos que estamos atravessando?

Teilhard e a redescoberta da noção de Cristo cósmico

O que parece extraordinário em Teilhard de Chardin, na opinião de Jacques Arnould, é sua fé inquebrantável, sua confiança encarniçada no movimento da vida, na aventura humana

Por: Graziela Wolfart | Tradução Benno Dischinger

Ao falar sobre o legado de Teilhard de Chardin para nossos dias, o dominicano Jacques Arnould declara que retém de Chardin “primariamente o ímpeto de confiança que ele tem com o mundo das ciências e das técnicas, juntamente com a exigência que ele mostra com o mundo da filosofia e da teologia”. E completa: “Confiança e lucidez, curiosidade e espírito crítico: eis, em algumas palavras, o que eu gostaria de responder”. Arnould reflete sobre a atualidade do cientista e jesuíta e considera que “o dia em que nossa humanidade não contará mais com homens e mulheres da têmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, então a humanidade estará próxima de seu fim. Estou convencido que tais momentos já estiveram em risco de ter lugar no passado; mas também estou persuadido que nossa época nos lança um mesmo desafio”.

O dominicano Jacques Arnould é engenheiro agrônomo, doutor em História das Ciências e em Teologia. Ele tem como áreas de interesse em suas pesquisas as relações entre as ciências, culturas e religiões, mantendo particular interesse por dois temas: os seres vivos e sua evolução, o espaço e sua conquista. Consagrou vários livros e artigos de história e teologia ao primeiro tema. Com relação ao segundo tema, desde 2001, trabalha como responsável pela missão no Centro Nacional de Estudos Espaciais (Centre National d’Etudes Spatiales) na dimensão ética, social e cultural das atividades espaciais. É autor de numerosos artigos e livros entre os que destacamos La Théologie après Darwin (Cerf, 1998); Quelques pas dans l’univers de Teilhard de Chardin (Aubin, 2002); e Pierre Teilhard de Chardin (Perrin, 2005). É igualmente autor dos Cadernos Teologia Pública, número 22, de 15/09/2006, intitulado Terra Habitável: um desafio para a teologia e a espiritualidade cristãs.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual a importância e atualidade de Teilhard de Chardin neste cenário de crise financeira e ambiental que estamos vivendo?
Jacques Arnould - Eu devo confessar que jamais pensei particularmente em Teilhard de Chardin nesta época de crise financeira. É, sem dúvida, uma falha, na medida em que esta crise poderia marcar uma ruptura importante na história da humanidade... Mesmo se, até o presente, eu tenha antes a impressão de que os governos, os responsáveis políticos e econômicos tenham procurado impedir esta ruptura. Não tenho nenhuma competência para falar sobre isso, mas, como a maioria das pessoas, sou realmente obrigado a reconhecer que “o mundo está em chamas”, para retomar uma palavra que não é de Teilhard, mas de Teresa de Ávila. Até onde é possível manter sistemas econômicos fundados exclusivamente no progresso, no único “sempre mais”? Então, se eu tivesse que evocar o pensamento de Teilhard nesse contexto, eu antes me perguntaria: tem ele realmente algo a nos dizer, ele que estava tão convencido do progresso geral do mundo? Paradoxalmente, creio que sim.

IHU On-Line - Quais os caminhos que Chardin indica para a saída da crise ecológica e da crise de valores (morais, cristãos) em que se encontra a humanidade hoje?
Jacques Arnould - É, com efeito, em relação aos valores, que as obras de Teilhard de Chardin merecem, sem dúvida, ser relidas e sua própria existência ser redescoberta (pois eu não posso separar a vida da obra do pensamento deste homem). Ele também vivenciou diversas crises, diversas rupturas mundiais; não esqueçamos que ele nasceu na França, em 1881, e morreu em Nova York, em 1955. Ele atravessou, portanto, duas guerras mundiais, a Grande Crise de 1929 etc. O que parece extraordinário nele é sua fé inquebrantável, sua confiança encarniçada no movimento da vida, na aventura humana. Ele jamais se refugia na retaguarda, mas corre aos postos avançados, ao front, persuadido de que um futuro é sempre possível e que este futuro deve necessariamente ser melhor que o presente. Não para cada indivíduo, mas ao menos falando globalmente. Porque Teilhard vê as coisas em nível macro, não que ele esqueça as pessoas (ele tem tantos amigos!), mas sua visão é sempre “elevada”: ele considera sempre as vagas sucessivas da evolução, da história.

IHU On-Line - Como se dá a relação entre Filosofia, Teologia e Ciência em Teilhard de Chardin?
Jacques Arnould - Eu não ignoro os embaraços e questões de Teilhard com as autoridades romanas; mas também não iria até o ponto de dizer que ele seja um exemplo perfeito das relações a promover entre a filosofia, a teologia e a ciência. Não é certo que Teilhard já tivesse escolhido a atitude mais pastoral e mais lúcida, em todo o caso, certamente não a mais prudente. Este é um assunto sobre o qual haveria muitas coisas a dizer e a debater, principalmente entre os amigos de Teilhard e aqueles que menos o apreciam... Mas, de Teilhard eu retenho primariamente o ímpeto de confiança que ele tem com o mundo das ciências e das técnicas, juntamente com a exigência que ele mostra com o mundo da filosofia e da teologia. Ele viveu no meio dos cientistas, fez aí numerosos amigos; tomou posição nos debates científicos, sob o risco de se enganar e de defender causas perdidas; mas, nessa época, ninguém pôs em causa a qualidade de seu engajamento no seio desse mundo. Vale o mesmo para o meio teológico: ele só tinha, todavia, amigos e, no entanto, não cessou de esperar dos intelectuais cristãos que eles levassem a sério o mundo das ciências e as questões que este então levantava... e que ainda levanta. Confiança e lucidez, curiosidade e espírito crítico: eis, em algumas palavras, o que eu gostaria de responder.

IHU On-Line - Qual a atualidade das frases de Teilhard “não tenhais medo” e “tenha confiança na vida” diante dos avanços tecnológicos contemporâneos? 
Jacques Arnould - Você tem razão: a mensagem de Teilhard se inscreve na linha daquela de Páscoa e prefigura as primeiras palavras do pontificado de João Paulo II. Não tenhamos medo, tenhamos confiança nesta vida que vem de tão longe, de uma dimensão tão profunda, para nos soerguer e que nos ultrapassará bem após nosso desaparecimento. Teilhard sempre esteve entusiasmado pelos progressos tecnológicos, sujeito a lhe faltar um pouco de lucidez. Mas, não esqueçamos que ele morreu em meados do século XX; raros eram, então, os que começavam a distinguir os possíveis malefícios das técnicas modernas. Einstein, que morreu no mesmo ano que ele, tinha, apesar de tudo, visto e denunciado os danos da bomba atômica; Teilhard só tinha visto as proezas tecnológicas das pilhas nucleares. Talvez seja preciso aliar o entusiasmo de Teilhard (eu não falaria necessariamente de sua confiança) e a lucidez crítica de Einstein para abordar atualmente as realizações tecnológicas antes de falar de progresso.

IHU On-Line - Qual o sentido do mal e do sofrimento para o ser humano contemporâneo? Teilhard teria a mesma fé no fenômeno humano atual?
Jacques Arnould - Por que a posição, ou a fé, como você diz, de Teilhard teria mudado? Você pensa que nosso mundo seria hoje mais (ou menos) marcado pelo sofrimento do que aquele de Teilhard? Pessoalmente, não o creio. Foi com frequência censurado a Teilhard o fato de parecer ignorar a existência do mal, do sofrimento dos humanos. Ele tenta dar-lhes uma explicação, um sentido ao termo de seu livro O fenômeno humano. Ele fala do caráter finito, limitado, imperfeito do mundo em evolução, da mesma forma como o Catecismo da Igreja Católica partirá da criação a caminho, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento. Mas Teilhard constata e deplora um excesso de mal, incompreensível; ele fala de um caminho de cruz. Não penso que tenhamos avançado mais do que ele, tanto no bem como no mal. No que me diz respeito, não me sinto à vontade com os discursos que pretendem que a humanidade jamais tenha sido tão perversa, etc. Não pequemos por orgulho, pretendendo ser piores do que nossos predecessores.

IHU On-Line - Por que o senhor acha que Teilhard se encantaria com a Internet?
Jacques Arnould - Ouvi muitas vezes, como você, que Teilhard poderia ser considerado como o profeta da Internet. Digamos ao menos que ele viu nascer uma consciência humana planetária. Ele próprio percorreu o mundo, graças a meios de transporte cada vez mais eficazes (embora jamais tenha realmente apreciado o avião), e conheceu os primeiros passos da noosfera. Ele pensou, então, que a humanidade iria viver uma nova etapa, a da noosfera, da qual ele, sem dúvida, teria reconhecido uma bela realização na prática da Internet. Aliás, por que não fazer dele o santo padroeiro?

IHU On-Line - Podemos vislumbrar um futuro de esperança, com um rosto humano, ou até de um Deus cósmico, para o cenário de crise atual?
Jacques Arnould - Não sei se podemos entrever o que quer que seja. Nós somos os responsáveis por esta crise; sua saída está, pois, em parte, em nossas mãos (pois sabemos também que há processos realmente já lançados, que não controlamos mais). É a nós que cabe a tarefa, não de entrever, mas de dar a esta crise uma fisionomia humana, ou melhor, de orientá-la para Deus. Para tal, é preciso, sem dúvida, sair do discurso que só pensa no que seria preciso FAZER; é absolutamente necessário interrogar-se sobre o que nós queremos SER. Isso não é fácil, pois não é algo que se regula a golpes de plano econômico, nem mesmo de grandes slogans, do estilo desenvolvimento sustentável etc. E nós temos tal pavor de nos interrogar sobre a fisionomia que gostaríamos de dar à humanidade de amanhã! Preferimos de tal modo permanecer onde estamos, persuadidos de que todos os problemas se resolverão, que tudo voltará a ser como antes... Sinceramente, ainda é possível acreditar nisso?

IHU On-Line - Pensando no diálogo entre Teilhard e Darwin, qual a atualidade da ortogênese, defendida por Teilhard em relação à evolução humana?
Jacques Arnould - Devo confessar que sempre tive dificuldade para compreender exatamente o que Teilhard entendia por ortogênese . Será uma direção fixada, determinada da evolução? Sem dúvida, não. Mas então, que lugar deixar ao acaso? Teilhard, parece-me, não deixou ideia precisa, digamos definitivamente fixada. Acaso, finalidade, determinismo, contingência: essas são questões amplamente debatidas no seio da comunidade científica e além da mesma. Elas não estão muito distantes da questão tão clássica em filosofia: por que existe algo antes do que nada? É preciso que permaneçamos modestos em nossas respostas, ao mesmo tempo em que claros a propósito do registro no qual nos situamos. De um ponto de vista teológico, creio que a criação é determinada, já que ela está imersa na vontade criadora de Deus; mas, do ponto de vista científico, só posso constatar a presença de processos aleatórios. Por trás desta questão, esconde-se aquela da possibilidade (ou da impossibilidade) para um espírito humano de apreender o decurso do tempo, o sentido da história... na medida em que ele próprio está nisso mergulhado!

IHU On-Line - Como podemos atualizar hoje, em nosso contexto, a ideia de Cristo cósmico levantada por Teilhard de Chardin?
Jacques Arnould - Aí você evoca uma contribuição extremamente importante da obra de Teilhard: a de ter redescoberto a noção de Cristo cósmico. Ela era familiar aos padres da Igreja, mas a tradição ocidental se reduziu muito frequentemente à questão da salvação das almas, esquecendo que existe o cosmos. Dito isso, as ciências modernas dão atualmente ao cosmos tais dimensões, que se torna quase assustador pensar de um ponto de vista humano e cristão: o que somos nós na escala do universo, espacial e temporal? Teilhard tem realmente razão de lhes exigir abrirem sua fé nas dimensões do Universo. Mas isso é, ao mesmo tempo, um pouco assustador, não? Seria preciso que nos habituássemos pouco a pouco, passo a passo.

IHU On-Line - Em sua opinião, a partir da vida e do pensamento de Chardin, como seria a nossa Terra e nossa humanidade se nós perdêssemos a fé?
Jacques Arnould - A fé em quê? Em Deus, no homem, na vida? O que é extraordinário, no pensamento de Teilhard, é que tudo está aí para que ele mergulhe na depressão (ele era, aliás, depressivo), no pessimismo; mas, sua vontade e sua fé são mais fortes. Por vezes é até surpreendente vê-lo se debater, autopersuadir-se: ele não pode acreditar que o mundo seja sem finalidade, sem saída; e então ele decide crer... e age em consequência. É certo que o dia em que nossa humanidade não contará mais com homens e mulheres da têmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, então a humanidade estará próxima de seu fim. Estou convencido que tais momentos já estiveram em risco de ter lugar no passado; mas também estou persuadido que nossa época nos lança um mesmo desafio.

IHU On-Line - Como se dá, em Teilhard de Chardin, a relação entre Cosmogênese,  Biogênese,  Noogênese,  e Cristogênese?
Jacques Arnould - Esta visão, toda teilhardiana, evidentemente continua sendo mais filosófica e teológica do que científica. Ela é literalmente grandiosa, à maneira dos relatos bíblicos que falam da criação. Ela por vezes até esquece a questão do mal, do fracasso possível, do sofrimento. Mas coloca um elemento fundamental da fé cristã: o sentido do mundo se encontra sempre mais à frente, na figura do Cristo, primeiro ressuscitado, imagem perfeita de Deus, em quem se recapitulará toda a história do Universo. Encontramos o “Não tenhais medo!”: devemos admitir não poder compreender tudo desde agora, mas podemos, não obstante, inserir nossos pensamentos, nossos desejos, nossa fé, nosso amor a qualquer coisa, muito mais em Alguém que está diante de nós. Teilhard, este homem com os pés ao vento, já percorreu este caminho à sua maneira. Resta-nos inventar, cada um de nós, o nosso.

Leia mais...
>> Jacques Arnould já concedeu outra entrevista à IHU On-Line:
* Cientista, místico e poeta – publicada na IHU On-Line, número 140, de 09-05-2005.

 Obras de Teilhard de Chardin
Cartas a Léontine Zanta (tradução em português - Lisboa: Moraes Editores, 1967)
Cartas de Viagem (tradução em português - Lisboa: Portugalia, 1969)
Cartas do Egipto (tradução em português - Lisboa: Moraes Editores, 1967)
Ciência e Cristo (tradução em português - Petrópolis: Vozes, 1974)
O Fenômeno Humano (tradução em português – São Paulo: Cultrix, 1986)
Hino do Universo (tradução em português – São Paulo: Paulus, 1994)
O Lugar do Homem no Universo (tradução em português – Lisboa: Instituto Piaget, 1997)

O Meio Divino (tradução em português – São Paulo: Cultrix, 1981)

A Minha Fé (tradução em português – Lisboa: Ed. Notícias, 2000)

Reflexões e Orações no Espaço-Tempo (tradução em português – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978)

Sobre a Felicidade / Sobre o Amor (tradução em português – Campinas: Verus, 2005)

16 de agosto de 2012     

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