segunda-feira, 15 de abril de 2013

A ONTOLOGIA DE MARTIN BUBER


Baruch Habá, Gilad!!! -c/tradução
Mísica hebraica, cantada por diversos cantores 
israelenses para Gilad Shalit...10'

Martin Buber


"No princípio era o Verbo" (João).
"No princípio era a ação" (Goethe).
"No princípio é a relação" (Buber).

Martin Buber (Viena, 8 de Fevereiro de 1878 - Jerusalém, 13 de Junho de 1965) era filósofo, escritor e pedagogo, de inspiração sionista. Tinha educação poliglota: em casa aprendeu ídiche e alemão, na escola hebraico, francês e polaco. Sua formação universitária se deu em Viena.


Ideologia


Buber identifica um itinerário de crescimento no sentido de a pessoa atingir a autenticidade e o destino humano.


Sua  opinião era de que não há existência sem comunicação e diálogo e que objetos não existem sem a inteiração. Acreditamos que a partir de Buber não houve mais preocupação em saber se a vida vale ou não a pena de ser vivida; o importante é saber o que fazer com a resposta, se afirmativa.


A ontologia de Martin Buber

O ponto de partida de Buber também é a existência no sentido que tem para Tillich. Ou seja, o homem no seu aqui/agora buscando transcender a ameaça do não-ser por meio de uma potência divina. O fundamento da existência para Buber está na relação dialógica. Numa relação entre um Eu e Tu que se manifesta pela palavra, que, longe de ser mera representante de outros objetos, é o espaço ontológico da relação mais ampla entre o homem e o divino. Buber identifica na palavra o locus privilegiado em que o ser do homem se torna efetivo e atualizado. A palavra, neste sentido, não é conceito abstrato, mas experiência existencial em que o ser se instaura como revelação.


Dentro desse escopo, Buber distingue duas palavras-princípio que traduzem duas atitudes bastante distintas do homem diante do mundo ou do ser. A primeira é a palavra-princípio Eu-Tu, e a segunda, a palavra-princípio Eu-Isso. A primeira diz respeito a uma atitude essencial do homem, um encontro, uma relação com um outro presente e direta em que se confirma a existência de ambos e o sentido maior desta existência (atitude ontológica). A segunda atitude se dirige ao mundo, à experiência prática no mundo como objetos passíveis de serem conhecidos objetivamente (atitude cognoscitiva).


Embora Buber reconheça a primazia da relação Eu-Tu como reveladora da existência do humano, isso não significa que a atitude Eu-Isso seja negativa ou inferior. Ela é também uma atitude fundamental, pois devido a ela o homem pode conhecer, interferir na realidade e constituir-se enquanto homem. É também uma atitude autenticamente humana. Em si ela não é um mal. Ela só se transforma em um malefício quando se torna absoluta para o homem, quando o homem é tomado por ela e pauta seus valores por seus ditames. Ao converter-se aos valores do Isso, o homem perde sua humanidade, seu fundamento ontológico de onde brota a vitalidade de sua existência. A esse respeito, diz Buber: "Se o homem não pode viver sem o Isso, não se pode esquecer que aquele que vive só com o Isso não é homem".


O Eu, segundo Buber, é relacional e não uma realidade em si. O Eu se define em relação a um Tu ou a um isso. Assim, para Buber, não existe um "eu" enquanto substância, um eu engendrado pelo cartesianismo. Essa dualidade é fundamental para o homem para se explicitar sua divisão, o paradoxo de ser finito e infinito ao mesmo tempo. 


O reino do Tu não se reduz a coisas, a entes. Não se experencia o Tu. O Tu é totalidade, é horizonte sem limites. A este respeito diz Buber: "Eu não experencio o homem a quem digo TU. Somente quando saio daí posso experenciá-lo novamente. A experiência é distanciamento do TU" (1979:10). Buber enfatiza que o encontro com Tu dá-se por graça e não por meio de uma procura e na imediatez do instante sem qualquer mediação conceitual. Na relação Eu-Isso, ao contrário, o Eu que vive na experiência, cercado de "conteúdos", só conhece o passado, que é o mundo dos objetos. Embora reconheça que o homem não pode deixar de viver na objetividade do Eu-Isso, Buber destaca que o que é verdadeiramente essencial só pode se dar no eterno presente do Eu-Tu.


Ao enfatizar a importância do diálogo, do poder da palavra como aparição da graça do Tu, Buber está trazendo à baila uma questão essencial para o homem contemporâneo. Nossa época é caracterizada por aquilo que ele chamou de o eclipse de Deus (título de um de seus livros), ou seja, é aquele período em que Tillich afirma ser predominante a angústia espiritual que leva ao sentimento de vacuidade e insignificação tão próprios do mundo em que vivemos. O homem moderno ciente da certeza da razão, do seu poder demiúrgico, da força dos instrumentos lógico-matemáticos que construiu para dominar a natureza, não vendo nenhum sustentáculo que pudesse comprovar a existência divina, decretou a morte de Deus e revestiu-se de poderes de um super-homem. 


Na perspectiva buberiana, no face-a-face com outro homem, na força atualizante do diálogo, há uma comunhão entre Deus, o homem e o mundo. Ao enfatizar o caráter presentificante, indivisível, total e gratuito do encontro homem-mundo-Deus, Buber rompe com as concepções imanentistas e transcendentalistas, realistas e idealistas que determinam a existência humana, visto que o fundamental é romper com o encanto da separação de um mundo que nos revela duplo. Essencialmente isso só é possível na aceitação do convite para o diálogo eternizante que o Tu eterno por meio do Tu nos dirige.


Intersubjetividade


O homem possui a capacidade de inter-relacionamento com seu semelhante, ou seja, a intersubjetividade. 
 

Intersubjetividade é a relação entre sujeito e sujeito e/ou sujeito e objeto. Intersubjetividade, é umas das áreas que envolve a vida do homem, e por isso precisa ser refletida e analisada pela filosofia, em especial pela Antropologia Filosófica.


O relacionamento, segundo o filósofo Martin Buber, acontece entre o Eu e o Tu, e denomina-se relacionamento Eu-Tu. 


A inter-relação segundo Martin Buber, envolve o diálogo, o encontro e a responsabilidade, entre dois sujeitos e/ou a relação que existe entre o sujeito e o objeto. 


Para Martin Buber, mais significativa e mais importante do que uma reflexão sistemática é a meditação sobre a experiência concreta existencial. O pensamento está inteiramente alicerçado sobre a experiência; a reflexão parte da experiência, devendo reencontrar-se com ela. O pensamento não pode estar alienado daquilo que o circunda. Buber é homem de ação. Sua ação humana, social, política é permeada pela sua reflexão filosófica. Seu apego ao plano especulativo, à idéia, não traduz uma fuga da emaranhado turbilhão dos fatos, mas uma profunda confiança na idéia como orientação para a ação - um instrumento para a compreensão da experiência concreta e de sua subseqüente transformação significadora. Aliás, Buber considera esta orientação, esta projeção à ação, à praxis, como princípio constitutivo da idéia, do pensamento.


Para Buber, a relação, como princípio dialógico, é o feito primitivo, pronto dinâmico que dá organicidade à compreensão do mundo e do ser, e em última análise da existência humana.

Buber apresenta duas tendências de explicação do fenômeno humano ou da condição humana. De um lado, o que chamou de individualismo, e de outro, o colectivismo. Ambos resultam e são manifestações de um mesmo estado do homem: a situação de privação de uma pátria cósmica e social, causando um sentimento de angústia cósmica e vital e de disposição existencial de solidão. O homem se sente exposto, atirado na natureza como uma criança rejeitada e, enquanto indivíduo, isolado no meio do mundo dos homens.


Quanto ao individualismo, o homem corre o risco de afirmar esta situação - ele aceita este estado de exposição de isolamento, pois este representa seu ser-indivíduo. A saída do estado de desespero com que é ameaçado pelo isolamento é feita pela glorificação deste estado.


O coletivismo se baseia, de certo modo, no fracasso do individualismo. No coletivismo o homem esquiva-se do isolamento "enquadrando-se" numa "das composições massivas de grupo de nossa época". "Quanto mais essa composição é massiva, menores são as lacunas, ela é mais eficaz e a pessoa pode sentir-se libertada da privação de uma pátria, são suas duas formas: social e cósmica".


A proposta buberiana apresenta-se com uma ruptura da alternativa: individualismo versus coletivismo. Instruído pelas insuficiências destas duas soluções, ele repousa a sua proposta sobre a noção chave de, entre" (Zwischen).


Como o fato fundamental, (primitivo) da existência humana não é, nem o indivíduo enquanto tal, nem o "todos-juntos", mas é o homem-com-o-homem, é, a partir daí, que deve ser construído o autêntico "terceiro caminho".


O indivíduo é um fato da existência somente se entrar em relação com outros indivíduos; e o "todos-juntos" pode-se tornar um fato da existência humana quando constituir em unidades vivas de relação. Na relação o homem vê o outro em sua alteridade, ela implica a ultrapassagem do domínio particular de cada um, para que se possa estabelecer uma comunicação numa "esfera" que lhe seja comum. É esta a esfera do entre. O "entre" não é uma construção auxiliar - é o "lugar" e o suporte daquilo que se passa entre os seres humanos. A relação (Beziehung) não se situa em regiões interiores do indivíduo, ou dentro do mundo que engloba esses indivíduos, determinando-os. A relação é essencialmente a saída, a projeção de um homem em direção do outro.

"Além do subjetivo, aquém do objetivo, sobre a estreita aresta onde se encontram o EU e o TU estende-se o reino do ENTRE" (idem 167).


O Eclipse do Humano e a Força da Palavra: 
Martin Buber 
e a Questão Antropológica


Este estudo procura mostrar a preocupação de Martin Buber quanto ao grande enigma que vem desafiando a curiosidade questionadora do homem no transcurso de sua história: a questão de sua existência. A interrogação sobre o ser do homem, sobre sua natureza, sobre o seu sentido pode ser considerada como o princípio iluminador das diferentes interrogações de Buber. A sua mensagem antropológica, revelada como verdadeiro projeto de esperança no humano, representa um marco essencial na atual preocupação pela sorte do homem das Ciências Humanas e da Filosofia. Esta mensagem é atuante porque provoca; o seu vigor gera novas reflexões. Para Buber, a experiência vivida de presença ativa ao mundo, aos outros, à cultura, à história iluminou e gerou suas reflexões. Sua existência foi a manifestação concreta de suas reflexões - foi a revelação de um compromisso com a história que ele fez sua.


A interrogação de Buber sobre o sentido do Homem faz crescer, no pensamento atual, uma recordação nostálgica do humano, do "simplesmente" humano. Sua voz ecoa numa época em que paulatinamente e inexoravelmente se deixa tomar por um esquecimento sistemático daquilo que é mais característico no homem: sua humanidade.


Somos levados a rever as perspectivas da existência. Acreditamos que a partir de Buber não houve mais preocupação em saber se a vida vale ou não a pena de ser vivida; o importante é saber o que fazer com a resposta, se afirmativa. A nostalgia do humano provoca uma conversão à questão, e não uma simples volta a um saudosismo romântico. A afirmação do humano não é simples tarefa intelectual, mas um projeto de vida é uma exigência de fato. Este projeto do "questionar" envolve o risco supremo da própria situação humana da reflexão.


Veremos de que forma Buber caracteriza o "autoconhecimento" como sendo ato vital. Em seguida, como Buber apresentou a sua tentativa de aproximação da questão enigmática. Como ouvintes de sua mensagem, não deixaremos de perguntar até que ponto ela é realmente o desvelamento do homem, a superação do eclipse. As vezes, a força da palavra reside exatamente no reconhecimento de limitações. Cabe muito bem aqui, aquilo que foi dito por Aldous Huxley: "As palavras são ao mesmo tempo indispensáveis e fatais. Tratadas como hipóteses de trabalho, as proposições sobre o mundo são instrumentos por meio dos quais somos capacitados progressivamente a entender o mundo. Tratadas como verdades absolutas, como dogmas que devem ser engolidos, como ídolos que devem ser adorados, as proposições sobre o mundo torcem nossa visão da realidade e nos conduzem a todo tipo de conduta imprópria". (Os Demônios da Loucura, pág. 308.)


l - A AMBIGUIDADE DA QUESTÃO

A interrogação sobre o sentido da existência humana nos coloca numa situação muito particular que se aproxima da situação apresentada pelo que poder-se-ia chamar de o "círculo da questão". Em realidade, neste círculo, o sujeito e o objeto se identificam. O homem coloca a questão do sentido de sua existência e, ao mesmo tempo, é ele próprio o conteúdo desta interrogação. Este "objeto" da interrogação - o homem - só pode ser abordado e concebido através do instrumental teórico e conceitual elaborado pelo "sujeito" - o próprio homem. E mais, esta elaboração conceitual está de algum modo determinada pela própria situação do sujeito questionador e é exatamente esta situação existencial que se transforma no "objeto" a ser estudado.


Por esta razão, a "questão" do sentido da existência humana se apresenta como ambígua e enigmática, exigindo, de nossa parte, uma postura peculiar. A história do pensamento humano apresenta inúmeras tomadas de posição frente a esta "questão". De certo modo, a questão expressa-se de uma só maneira - quem é o homem ? . As respostas são cada vez únicas. Na verdade, não deixa de ser desconcertante o fato de tal questão ter recebido, no decurso dos tempos, tantas respostas que, até o momento, não satisfizeram plenamente as expectativas do homem.


Aparentemente o homem ainda não morreu - isto significa que ele ainda se esforça por encarar a questão e tentar responder. A sentença da Esfinge ainda o angustia: sem dúvida, passamos por uma época que está abalando o homem, provocando nele o impulso em enfrentar o desafio.


A questão pode ser considerada como forma de antecipação que aguarda o seu preenchimento. Sendo forma, ela não teria ainda conteúdo. Porém, enquanto é antecipadora, pois trata-se de uma orientação em direção a um conteúdo que deveria colocar um termo à expectativa que ela constitui, a questão não possui uma forma pura, no sentido da lógica formal, mas uma forma indicadora, reclamando, de algum modo, o conteúdo apropriado; neste sentido, ela tem em si mesma, enquanto questão, um conteúdo. (Cf. Ladrière, Vie Sociale et Destinée, pág. 130).


O conteúdo esperado (a resposta) não representa simplesmente a explicitação de um conteúdo da antecipação. Este representa, antes de mais nada, a demarcação do espaço onde poderá surgir a resposta. A própria questão estabelece o âmbito onde se inscreverá a "resposta". É, neste sentido, que a questão encerra uma pre-compreensão da realidade por ela abordada.


A questão encerra em seu seio uma compreensão previa, uma pré-compreensão que orienta, dirige, encaminha a resposta. Esta pré-compreensão comporta alguns elementos que são essenciais ao entendimento da questão como sendo princípio de orientação e não como princípio objetivo de dedução.

Em primeiro lugar, a existência do homem não pode ser considerada como um dado; ela não se reduz a puras manifestações objetivas ou à sua realidade biológica ou a comportamentos observáveis. O homem é um projeto inacabado - tese já muito conhecida; a sua existência é um contínuo "fazendo-se"; ela está, de certo modo, suspensa. É por esta razão que o homem se representa a si próprio como enigma a ser desvendado. O enigma, longe de ser uma barreira, é um estímulo, uma provocação. O homem, então, é interpelado a descobrir, sem cessar, sua fisionomia: a pôr-se constantemente à prova. É exatamente esta procura que define a tarefa primordial da reflexão como recuperação do sentido. Entendemos, então, que as "respostas" à questão, ou mesmo as posições tomadas diante da questão, não são meras deduções a partir de uma essência dada "a priori". Se algo permanece nas questões, as "respostas" não são uma estéril retomada ou reprodução do mesmo.


Em segundo lugar, por ser inacabado, o ser do homem comporta uma exigência de realização. Trata-se de uma exigência formal, uma vez que não há indicação de como poderá ser concretamente satisfeita (Cf. Ladrière, op. cit. pág. 130). Finalmente, tal exigência não é puramente uma procura contingente; ao contrário, ela reveste a forma da universalidade.


O desconhecido provoca em nós um estranhamento e o aparecimento de perguntas. Com efeito, ninguém jamais questionará o inequívoco ou o que corresponde a significados cotidianos. O que está em primeiro piano ou o que é evidente e claro elimina qualquer pergunta. Porém, alguma coisa que não seja clara e evidente deve, a fim de tornar-se objeto de pergunta, dizer-nos respeito de algum modo e, assim, "apresentar-se"; caso contrário, não nos despertaria interesse. O que não nos interessa, o que não nos atrai a atenção, não pode tornar-se objeto de pergunta.


As perguntas surgem quando precisamos esclarecer algo, por ser-nos intolerável a incerteza. Ainda em sua Metafísica, Aristóteles dizia: "Para aquele que deseja progredir, é muito útil a discussão apropriada das dúvidas, pois o resultado posterior é a solução das dúvidas anteriormente propostas; essa solução, no entanto, é impossível se não se conhecer o encadeamento. Por isso, devem ser examinadas, antes, todas as dificuldades (...), aquele que se propõe examinar sem discussão antecipada das dificuldades é como o andarilho que não sabe para onde ir nem por quê (...). Pois o alvo só é claro para aquele que iluminou antecipadamente as dúvidas, para o outro, não.


A questão sobre o sentido da existência não deixa o homem indiferente. Em suma, a questão sobre existência é ambígua, exigente, radical, envolvendo um caráter de antecipação. Além disso, ela deve ser instruída pelo que se chama pré-compreensão de modo que o próprio questionar não se revele como especulação estéril, mas esteja vinculado (porque radical) à própria existência concreta do homem. Mais que uma tarefa intelectual, o homem se defronta com a questão de sua existência como ato vital Lebensakt ).


2 - O CAMINHO DA QUESTÃO

Para Martin Buber, mais significativa e mais importante do que uma reflexão sistemática é a meditação sobre a experiência concreta existencial. O pensamento está inteiramente alicerçado sobre a experiência; a reflexão parte da experiência, devendo reencontrar-se com ela. O pensamento não pode estar alienado daquilo que o circunda. Buber é homem de ação. Sua ação humana, social, política é permeada pela sua reflexão filosófica. Seu apego ao plano especulativo, à idéia, não traduz uma fuga da emaranhado turbilhão dos fatos, mas uma profunda confiança na idéia como orientação para a ação - um instrumento para a compreensão da experiência concreta e de sua subseqüente transformação significadora. Aliás, Buber considera esta orientação, esta projeção à ação, à praxis, como princípio constitutivo da idéia, do pensamento.


Para Buber foi Kant que formulou, com mais precisão, como deve apresentar-se a Antropologia. Na verdade , em sua "Lógica" Kant formulou as três questões: O que posso saber? O que devo fazer? O que tenho o direito de esperar? Nestas três questões está envolvida uma quarta: O que é o homem? À primeira responde a metafísica; à segunda, a moral; à terceira, a religião; e, finalmente, a antropologia vai fornecer uma resposta à quarta. É esta a tarefa que a antropologia se atribui a si mesma, mas isso não encontramos, pelo menos em sua integralidade, tratado na obra de Kant. Há neste, sem dúvida, algumas considerações antropológicas sobre o conhecimento do homem, sobre o egoísmo, sobre a imaginação, mas estranha o fato de que nenhuma de suas reflexões correspondem às exigências de uma autêntica antropologia filosófica, isto é, não corresponde à questão: ,Que é o homem"? em seu sentido integral. 


Buber afirma em seguida que Heidegger se interessou por esta estranha contradição, buscando a explicação no caráter indeterminado da natureza humana, concentrando a problemática na finitude do homem. Para ele a própria questão tornou-se problemática. Que posso eu saber? Implica uma limitação, pois isso significa que existem outras coisas que não posso saber. O mesmo acontece com outras questões. Quanto à quarta - O que é o homem? - trata da finitude no próprio homem. E, como base da metafísica, ele coloca não a antropologia, mas a antologia fundamental.

Mas, isto é o que diz Heidegger e não mais Kant.. A ênfase é colocada bem mais sobre o "saber" inserido na questão - Que saber? - do que propriamente sobre o "posso". E o essencial raso é que eu possua exclusivamente tal saber e que não possua outro. O mesmo se dirá a respeito das duas outras questões. O sentido propriamente dito da quarta questão é reconduzido às três outras: O que é afinal este ser que pode conhecer, que deve "fazer" e que pode "esperar"? "Mas isso significa também que, a finitude provinda do fato de que não se possa conhecer mais que isso, está inseparavelmente ligada à participação com o infinito, participação dada pelo fato de que há uma possibilidade de saber" (idem pág. 14). Na medida em que se reconhece a finitude do homem, deve-se reconhecer, ao mesmo tempo, a sua participação com o infinito. Ambas, finitude a infinitude, não são duas qualidades justapostas mas perfazem a dualidade do processo que permite reconhecer o sentido profundo da natureza humana. 

"0 finito dá feitio humano ao homem,
 e o infinito também o faz; ele, o homem, participa de ambos". (pág. 15).


3 - CARACTERÍSTICAS DA QUESTÃO E O AUTOCONHECIMENTO

O conhecimento filosófico do homem é, essencialmente, exame de si mesmo. E para que o homem possa examinar a si mesmo é necessário que aquele que faz antropologia (o filósofo) faça uma auto-análise enquanto pessoa. E aquilo que constitui a viga mestra e o núcleo do conhecimento filosófico é o caráter de individuação que está na base da diversidade infinita das pessoas. É ao redor daquilo que o filósofo descobre, quando se examina, que deverá organizar e cristalizar tudo aquilo que encontra quando analisa o homem da história e o homem contemporâneo, os dois sexos, os indianos ou os chineses, os vagabundos e os potentados, os fracos de espírito e os gênios para assim tornar-se autenticamente uma Antropologia Filosófica (Cfr. Das Problem des Menschen, pág. 19 - 20)

Para ilustrar o sentido do conhecimento, Buber utiliza não a imagem do espetáculo em que se contempla de fora, um objeto, mas a imagem da iniciação em que o iniciado participa diretamente na "dança" e penetra na realidade que busca conhecer.


O autoconhecimento é comparado, por Buber, a um ato vital, deixando entender que tal exame de si tem como finalidade atingir uma dimensão única que é a totalidade. Este ato vital denota o caráter de exigência interna do próprio questionamento. Ele é um ato vital na medida em que está em jogo a própria existência do homem questionador. Nesta tarefa são abandonados modelos teóricos, teorias e preconceitos de ordem filosófica ou outra qualquer. Tal afirmação pode indicar que este questionar, o autoconhecimento, inaugura o próprio filosofar.


O conhecimento de si não significa "posse" de si. "Enquanto alguém se possui, enquanto se "Possui" como a um objeto, apreende-se, experiencia-se o que é o homem como uma coisa entre coisas". (idem)




Hava Nagila c/legenda
Tradicional mísica hebraica
composta a cerca de 100 anos por um rabino 3'
4 - PROSPECTIVA BUBERIANA

Atualmente, segundo Buber, a problemática do homem atingiu um estado de maturidade muito significativa, uma vez que o homem é tratado como um problema filosófico independente. Trata-se de um marco na História do espírito humano, caracterizado por uma crise de amadurecimento. Esta nova situação do estudo filosófico sobre o homem é basicamente determinada por dois fatores principais. Primeiro, um fator de ordem sociológica: o declínio progressivo e inexorável das antigas formas orgânicas de vida comunitária, como, por exemplo, a família, a aldeia, a comunidade. A época caracterizada pela "Hauslosigkeit" (falta de moradia), deixou o homem mergulhado nas profundezas melancólicas de sua solidão. O mundo de Aristóteles veio dar ao homem uma segurança cosmológica. O homem da época moderna, privado novamente desta segurança uma vez que sua moradia foi de novo abalada profundamente, viu apresentar-se diante de si nova segurança sociológica, possibilitando-lhe íntimo vínculo com seus semelhantes.


Buber apresenta duas tendências de explicação do fenômeno humano ou da condição humana. De um lado, o que chamou de individualismo, e de outro, o coletivismo. Ambos resultam e são manifestações de um mesmo estado do homem: a situação de privação de uma pátria cósmica e social, causando um sentimento de angústia cósmica e vital e de disposição existencial de solidão. O homem se sente exposto, atirado na natureza como uma criança rejeitada e, enquanto indivíduo, isolado no meio do mundo dos homens.


Quanto ao individualismo, o homem corre o risco de afirmar esta situação - ele aceita este estado de exposição de isolamento, pois este representa seu ser-indivíduo. A saída do estado de desespero com que é ameaçado pelo isolamento é feita pela glorificação deste estado.


Para Buber, a solução individualista é imprópria já que só abarca uma parte do homem. Assim, a sua fisionomia é deformada. Por outro lado, a solução do coletivismo também é insuficiente uma vez que concebe o homem como "parte". Assim, a sua fisionomia é mascarada.


Se, no coletivo o homem se sente seguro, no fundo o isolamento do homem não é ultrapassado, o homem fica insensibilizado contra ele próprio. O vínculo do homem com o "todo", com a multidão, não é uma relação inter-humana autêntica. O homem se sente despersonalizado, isto é, isolado em seu "si-mesmo".


O encontro possível do homem consigo mesmo só poderá realizar-se no encontro do indivíduo com o outro. Só assim ele ultrapassa sua solidão - quando reconhecer no outro, com sua alteridade, a si mesmo, homem.


Assim Buber resume seu diagnóstico: "Apesar de todas as tentativas de revivificação, o tempo do individualismo passou. O coletivismo, pelo contrário, está no apogeu de seu desenvolvimento, mesmo se já alguns sinais isolados indicam que as rédeas vão-se soltando. Neste ponto, o único meio para escapar é a revolta da pessoa para a libertação das relações". (Das Problem... pág. 163). Buber sempre depositou profunda esperança no humano, ele é um pensador otimista. "Vejo subir no horizonte, com a lentidão de todos os processos que compõe a verdadeira história do homem, um grande descontentamento que não se parece com nenhum dos que se conhecem até agora. Não haverá mais insurreições, como no passado, contra um reinado de certa tendência para levar ao triunfo outras tendências: insurgir-se-á por amor da autenticidade, na realização contra a maneira falsa de realizar uma grande aspiração, a aspiração à comunidade" (idem, pág. 163).

Buber denomina este novo surgimento de "terceira via". Trata-se de atos de vida. Não é, pois, tarefa restrita a um puro conhecimento intelectual ou a uma solução simplesmente ao nível teórico. Para Buber, não existe conhecimento senão vinculado à vida. Neste particular, ele enfatiza claramente a necessidade do engajamento total do homem. Este deve aspirar à sabedoria e não simplesmente ao saber. "A vida e o pensamento encontram-se dentro da mesma problemática" (idem, pág. 163).

A proposta buberiana apresenta-se com uma ruptura da alternativa: individualismo versus coletivismo. Instruído pelas insuficiências destas duas soluções, ele repousa a sua proposta sobre a noção chave de, entre" (Zwischen).


Como o fato fundamental, (primitivo) da existência humana não é, nem o indivíduo enquanto tal, nem o "todos-juntos", mas é o homem-com-o-homem, é, a partir daí, que deve ser construído o autêntico "terceiro caminho".

A força da palavra se revelará claramente através de sua dupla dimensão: a palavra crítica, questionadora e a palavra criadora e transformadora. Por esta palavra emergirá o sentido do homem no mundo e na história.


“Eclipse da luz do céu, eclipse de Deus – tal é, para dizer verdade, o caráter da hora histórica que o mundo atravessa”5, nos diz Martin Buber, um dos grandes  pensadores espirituais do século passado. E continua:

Um eclipse do Sol é algo que tem lugar entre o Sol e nossos olhos, não no Sol mesmo. Por outra parte, a filosofia não nos considera cegos ante Deus. A filosofia sustenta que carecemos na tualidade só da orientação espiritual que pode possibilitar uma reaparição de ‘Deus e dos deuses’, uma nova processão de imagens sublimes”6.


top2.gif (813 bytes)4 LLENIN IGLESIAS, La realidad divina: El problema de Dios en Xavier Zubiri, p. 143.
5 BUBER, M. Eclipse de Dios, p. 48.

Música Hebrew Hebraico Yvrit -3'
Aleluia!
Salud Somatica x salud Menta

Li-30 離 - Sol

Nenhum comentário:

Postar um comentário