quarta-feira, 10 de abril de 2013

PROUST, BERGSON. BENJAMIN ao som de MOZART- Violin Concerto No. 4 in D,K.218-24'


 
Mozart - Violin Concerto No. 4 in D, K. 218 -  24min.
Violin Concerto No. 4 in D major K. 218
 was composed by Wolfgang Amadeus Mozart 
in 1775 in Salzburg.
 The autograph of the score is preserved in Biblioteka Jagiellońska, Kraków. The concerto has the usual fast-slow-fast structure and lasts around 23 minutes. The movements are: 1. Allegro 2. Andante cantabile 3. Rondeau (Andante grazioso - Allegro ma non troppo).
Ensaio 

Proust, Bergson, Benjamin: breve nota sobre o tempo, a duração e a modernidade na “busca do tempo perdido” 

Num contexto de verdades provisórias a literatura e a arte tornam-se ornamento, coisa sem um espaço determinado, até porque ela pressupõe, de certo modo, e no melhor dos sentidos, uma perda de tempo, já que seus benefícios não são imediatistas, e o nosso mundo é o da pressa

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Marcel Proust, autor de “Em Busca do Tempo Perdido”

Carlos Augusto Silva 
 
 Especial para o Jornal Opção “Em Busca do Tempo Perdido” é uma obra de alto grau de alcance filosófico. O Narrador por diversas vezes faz perguntas a respeito da realidade que o circunda e dialoga com diversas possibilidades de se atingir o saber e a verdade, e a verdade (conceito espinhoso por natureza) é uma das procuras de sua busca do tempo perdido. 


A capacidade de se espantar com o mundo e vê-lo como novidade incessante também conferem um alto grau de profundidade filosófica à busca proustiana. É um artefato literário o que ali temos, mas que engloba atitudes filosóficas e até uma teoria filosófica. Uma narrativa literária não é carente de especulações e/ou teorias filosóficas para transmitir suas ideias de mundo, já que, como fenômeno estético, ela já pode, de princípio, atuar em nossa esfera ontológica e metafísica. Por sua vez, a filosofia também não necessita se tornar literatura para abranger os enigmas do comportamento do homem, seus sentimentos, suas inquietações de ordem anímica. 


 Se a relação avança para a filosofia, a literatura e a história, nós temos um problema mais delicado ainda no que diz respeito à capacidade de representação, pois teremos, de um lado, adeptos de um marxismo vulgar (já que há uma maneira marxista refinada de tratar do assunto) que quer a literatura como subproduto do contexto, e de outro lado, adeptos das teorias do efeito estético com um ethos extremista e radical das considerações feitas pela Escola de Konstança, lutando por uma autonomia fundamentalista do texto literário ante a história ou qualquer outro elemento que não seja o próprio texto e o seu leitor. Walter Benjamin pretendeu fazer — e fez —, esse diálogo entre as três esferas acima citadas, e com propriedade tão singular quanto seu projeto intelectual, que tinha como uma das propostas centrais uma compreensão do fenômeno modernidade. Walter Benjamin, em “Charles Baudelaire: um Lírico no Auge do Capitalismo”, na seção intitulada “Sobre alguns temas em Baudelaire”, diz, peremptoriamente ao iniciar a parte II, que “‘Matéria e Memória’ (livro do filósofo francês Henri Bergson) define o caráter da experiência na ‘durée’ (duração) de tal maneira que o leitor se sente obrigado a concluir que apenas o escritor seria o sujeito adequado de tal experiência”. 


Se conhecermos as reflexões que Bérgson propõe a respeito do tempo, da duração e da atenção como fator adicionante da percepção, e, principalmente, se conhecemos a obra de Marcel Proust, entenderemos porque Walter Benjamin, em seguida, completa dizendo que “De fato, foi também um escritor quem colocou à prova a teoria da experiência de Bergson. Pode-se considerar a obra de Proust, ‘Em Busca do Tempo Perdido’, como a tentativa de reproduzir artificialmente, sob as condições sociais atuais, a experiência tal como Bergson a imaginava, pois cada vez se poderá ter menos esperança de realizá-la por meios naturais”. É que Bergson conceitua o tempo como duração (durée), puro devir.


 A visão temporal de Bergson disserta a respeito do campo da subjetividade e do eterno fluir criativo de experiências. Entretanto, é um tempo fecundo que não consente rompimentos, prosseguindo, antinaturalmente, na apoteose da presença. Além disso, Bergson não corroborará à ideia de um “vazio”, de uma lacuna, da não afirmação da realidade da percepção comum se dar conta do tempo. À questão do motivo pelo qual a inteligência humana não dá conta da percepção do tempo, Bergson será enfático e econômico: não temos vigilância quanto a isso. Franklin Leopoldo e Silva, em “Bergson, Proust. 


Tensões do Tempo”, atenta-se para o papel da obra de arte nessa tarefa de captar o que nos escapa e de nos transportar para essa experiência singular que deriva, por sua vez, da singularidade da visão do artista. Para Bergson, em Franklin, não se trata apenas de perceber o tempo, mas perceber o que muda no tempo, e essa experiência é levada a cabo pelo Narrador da “Recherche”, mas sempre numa perspectiva de estranhamento da percepção do tempo, e aí pode haver similaridade entre a obra filosófica e a literária.  


O tempo, tanto para Proust quanto para Bergson, não pode ser percebido na sua esfera vulgar de cronologia, ideia que corrobora em certo ponto com a de Martin Heidegger, filósofo que se posicionará de modo contrário à concepção de tempo vulgar em prol de uma temporalidade do ser. Esta temporalidade congrega o porvir (possível) e a densidade de ter sido (fato), paralela à atualidade, que para Heidegger seria o “resultado”, produto da fenda entre as duas iniciais circunstâncias. Diz Heidegger em “Ser e Tempo” que “Chamamos de temporalidade este fenômeno unificador do porvir que atualiza esse vigor de ter sido.”


 O intratemporal é relativo ao tempo natural da cronologia. O extemporâneo é de domínio ontológico. Essa forma de pensar o tempo por uma perspectiva não cronológica tradicional aproximar-se-ia do tempo proustiano. Através dessa ótica podemos vislumbra categorias basilares como as ideias, repetições, recordações, afeições, blecautes da memória, memória involuntária, sinestesias, grupos de impressões.  


 A simbiose dessa tríade temporal se daria a acontecer em um andamento interrompido, em que algum evento contingencial conduz o Narrador para diversos motes da fiação de reminiscências. O passado assim pode ser reconfigurado, reinterpretado e revisitado de modo inovador; como modelo nós podemos ver uma situação em particular, quando um evento atual de uma miragem porvindoura reinventa-se pretérita na explicação. Fala-nos Proust em “No Caminho de Swann”:  

“Por isso não se deve temer no amor, como na vida habitual, tão somente o futuro, mas também o passado, o qual não se realiza para nós muitas vezes senão depois do futuro, e não falamos apenas do passado que só se revela mais tarde, mas daquele que conservamos há muito tempo em nós e que de repente aprendemos a ler.”


  Portanto, o que de fato existiria é a temporalidade não vulgar, e caberia à filosofia e à obra de arte percebê-la, registrá-la naquilo que Paul Ricoeur vai chamar em seu “Tempo e Narrativa” de supratemporal, e, depois de preservada, ser entregue numa revelação que, em Proust, mantêm-se em segredo por mais de duas mil e quinhentas páginas. Franklin considera que, se para Bergson a percepção não nos ilumina e nos faz ver, não se trata de, como acusa ele de ter feito a metafísica, virar as costas para ela, mas sim de alargá-la, ampliá-la e torná-la viva e capaz de captar a duração, a inteireza da vida, que em Proust pode ser exemplificada do modo mais clássico e cabal, com a triunfal cena do chá e biscoitos madeleines.


  A diferença entre o entendimento de Benjamin e o de Franklin é que o segundo acredita na experenciação, mesmo que via obra de arte, desse sentido de apreensão total da realidade. Para Benjamin, na modernidade na qual se insere só é possível que vislumbremos esse painel pleno na obra como algo distante e inconcebível de ser vivido na existência material, no entanto ambos concordam com o fato claro de que o espírito do artista, sua peculiaridade de perceber o mundo com um olhar novo dá a esse olhar, que se traduz em obra de arte, uma carga de sentido inesperado e insuspeitado. Esta seria, para Bérgson e Proust, a percepção potencializada. Porém, para Benjamin, não temos com a obra a percepção potencializada, mas aproveitamos do que produz a percepção do artista, daí o próprio Benjamin dizer que só na literatura seria possível a teoria da experiência se realizar, e que só um escritor poderia levá-la à cabo. Um dos eixos centrais da problemática da percepção de Bérgson é que recorremos ao real de modo instrumentário, buscando nele só as coisas que são necessárias à nossa existência vital. 


Seria, portanto, necessário um desligamento, que só é possível pela obra de arte. Essa perspectiva da duração bergsoniana não seria a primeira a pensar essa questão da percepção do tempo de modo a não se colocar de costas à percepção subjetiva. Immanuel Kant, em “A Crítica da Razão Pura”, diz que “O tempo (não pode deixar de ser) senão a condição subjetiva sob a qual podem ocorrer em nós todas as intuições. (...) a forma de sentido interno, isto é, do intuir a nós mesmos e a nosso estado interno (...) condição formal a priori de todos os fenômenos em geral.” Em Kant, a subjetividade transcendental se apoia no que não muda (ideia que se conjuga à de Proust se nós entendermos transcendentalidade como aquilo que emerge das essências (Genette, em “Figuras”, fala da busca da essência por via de metáforas como uma das molas mestras de Proust, e vemos isso também em Ricoeur, que em “Tempo e Narrativa” ataca esse ponto das essências) e é preservado pela arte, capaz de eternizar tudo), a substância (o imo da verdade e das vivências) é o que se mantém, o que permanece. 


Coroa-se, assim, a metafísica da existência, onde uma subjetividade com o poder de estabelecer marco inicial e atemporal se apresenta. Depois de Proust, a excentricidade temporal tornou-se mais comum no século XX. Essa excentricidade faz-se valer como um elemento da estrutura ficcional que não é, como diz Genette, mero enfeite ou maneirismo de estilo, mas sim uma maneira mais apropriada de representar esse eu moderno, fragmentado por natureza, em sua realidade mais latente e veraz. É também uma maneira de trazer à baila as relações entre as causas e os efeitos, estimar os valores contingenciais da existência, tirando a literatura, como defende Jean Poullion em “O Tempo no Romance”, da condição de refém do conceito aristotélico da necessidade como fator primordial à verossimilhança.


 Dito em outras palavras: o tempo é contingencial, por isso expressa a liberdade humana, e o romance, como obra que reflete a realidade, traz em seu tempo um “q” de contingencial, o que ataca a questão da “necessidade aristotélica” como condição sine qua non para que haja romance. Ela não nega a intratemporalidade, apenas a diz como não fundamental.


 Tratando a necessidade como coisa permanente, fazemos do crítico aquele que deve perceber o tempo, a narrativa dentro do tempo e os fatos temporalizados em sua pureza, em sua sublimidade natural, semelhante à vida. A pluralidade de significados nega este caráter “necessário” numa narrativa proustiana, na medida em que, passado e presente são, como quer Heidegger, atualizados por diversos sentidos espalhados no tempo. Isto, todavia, não é ser anti-aristotélico, na medida em que, a nosso ver, muito se aproxima — feitas as necessárias adaptações —, a aquilo que o filósofo grego vai chamar de coerência interna da obra.


  Não é de se estranhar que Benjamin, já no seu tempo, tenha desacreditado da possibilidade de um homem comum poder viver, e não somente aproveitar da experiência transcendental do tempo descrita em Proust e Bérgson. Para ele, que vivia o clima do flaneur da cidade de Paris que respirava os ares de metrópole e de capital do século XIX, conceber tamanha sensibilidade de apreensão da realidade era algo mesmo incogitável, mesmo que ressalte em suas afirmativas a presença da lembrança e da memória como únicas possibilidades de resgate dessa sensibilidade. Sabia ele estar o homem moderno longe, cada vez mais, de uma percepção da duração plena e atenciosa tal como fizeram, cada um em seu campo de atuação e com as diferenças de concepções temporais, Henri Bérgson e Marcel Proust. Benjamin chama a atenção para o fato de que a vida urbana aparecia muito na literatura do século XIX, mas na busca da assimilação do cotidiano frugal, cenário inapropriado para uma percepção bergsoniana ou proustiana da vida.


  A vida urbana da capital do século XIX em nada propiciava um ambiente que pudesse favorecer uma reflexão do tempo como Bérgson propõe. Para Benjamin “a imagem de Proust é a mais alta expressão fisionômica que a crescente discrepância entre poesia e vida poderia assumir", e não faltam pensadores para confirmar essa concepção de Benjamin de que a vida se distancia cada vez mais da literatura por ser engolida pela frugalidade da vida moderna. Por isso talvez se dê, de forma tão acentuada o predomínio dos olhares para as ciências em detrimento das atenções voltadas para a arte, primeiro por um pragmatismo autômato, — a ciência “serve” —, segundo, pela sua característica transitória, fugaz, muito cabível em um mundo em que “tudo o que é sólido desmancha no ar”.


  Num contexto de verdades provisórias a literatura e a arte tornam-se ornamento, coisa sem um espaço determinado, até porque ela pressupõe, de certo modo, e no melhor dos sentidos, uma perda de tempo, já que seus benefícios não são imediatistas, e o nosso mundo é o da pressa. Portanto, pensar o tempo ao modo proustiano é estar na contramão de tudo que é a realidade na modernidade, daí a afirmação de Benjamin da separação entre vida e poesia. Ciro Marcondes Filho, no livro “Perca Tempo: é no Lento que a Vida Acontece”, oferece e propõe uma reflexão a respeito da forma como hoje o homem moderno se organiza e concebe a sua rotina numa áurea de pragmatismo. Sua ideia é a de que o desenvolvimento de nossa vida privada acompanha o desenvolvimento social e econômico que a envolve.


 Numa visada radical afirma que, depois do desenvolvimento capitalista e tecnológico, começamos a organizar nossa vida privada na mesma lógica das máquinas, como se fôssemos peças de uma engrenagem fria e desumana, e quando nossa condição imperfeita nos ataca, mostrando nossas limitações e até mesmo nossos auto indagamentos, percebemos que não somos perfeitos e técnicos como máquinas, que não suportamos essa esfera de realidade que criamos pra nós mesmos.


 É nesse momento que caímos em depressão, quando a realidade nos engole num sistema para o qual não estamos e jamais estaremos preparados. Aqui é possível até mesmo o encontro com uma perspectiva weberiana de encarar a modernidade: um mundo desencantado, despedaçado em suas crenças e mitos, submetido a uma racionalidade científica que clarifica o mundo e obscurece as relações.

  É nesse mundo que Benjamin não admite a possibilidade de uma visão da vida e do tempo do ponto de vista bergsoniano e muito menos proustiano, pois automatizados, as sensibilidades da memória, voluntária ou involuntária, não tem espaço para atuar. Por que ir atrás do tempo perdido? Perguntará o homem moderno. Por uma razão, talvez respondesse Proust: nós morremos, e passar pela vida sem atribuir a ela um sentido que seja mais que o seu caráter passageiro, talvez seja como desperdiçá-la naquilo que possui de mais rico e interessante: seu caráter de aprendizado, como tanto gosta de dizer Deleuze a respeito da “Recherche”. Willi Bolle, na terceira parte de “Fisiognomia da Metrópole Moderna” fala-nos da profunda relação de Benjamin com Proust, de como afetou o maior estudioso da modernidade a sua “recherche”. Bolle compreende que o projeto de Benjamin casa-se com a ideia de Proust no que se refere à compreensão do mundo em perspectiva. 

Para ambos, o presente deve intervir na compreensão do passado como revelação da verdade, traço excêntrico no que diz respeito à noção de tempo. Nesse despertar podemos ver aquilo que Benjamin vai também classificar como a experiência do choque: quando um elemento casual o chama dentro de uma contingência não específica para a sintonia plena com a realidade.


 É como se Proust tivesse realizado, em literatura, grande parte do projeto intelectual de Benjamin, e talvez por isso ele veja em Proust, para muitos, não um autor somente melancólico (se bem que hoje se fala muito na face cômica de Proust), mas uma ode à felicidade do encontro com a verdade da vida, “a verdadeira vida realmente vivida”, que é, no autor da “recherche”, a literatura. Benjamin disse a respeito de Proust: 

  “Esse desejo brilhava em seus olhos. Não eram os olhos felizes. Mas a felicidade estava presente neles. No sentido que a palavra tem no jogo ou no amor. Não é possível compreender por que esse dilacerante e explosivo impulso de felicidade que atravessa toda a obra de Proust passou em geral despercebido a seus leitores. (...) Nada mais evidente para os alunos-modelo da vida que uma grande realização é o futuro exclusivo do esforço, do sofrimento e da decepção. Que a felicidade também pudesse participar do Belo seria uma benção excessiva, e o ressentimento dessas pessoas jamais terá consolo”.  


Curioso que Benjamin tenha dito isso a respeito de Proust. Alguns poderão dizer que ele fez essas afirmações por não ter lido os últimos volumes (ainda não estavam publicados quando ele escreveu sobre a “recherche”), que são os mais melancólicos, mas creio que seu pensamento não mudaria mesmo diante das últimas páginas, pois é possível reconhecer, mesmo na melancolia da morte que atravessa o último volume, e do tormento do ciúme do quinto e sexto volumes, uma imensa alegria, não a alegria fácil que leva ao riso, mas aquela que se funda na alma e no espírito e que só arrebata aqueles que experimentam, alguma vez, o denso sabor da consciência temporal de sua época, de sua alma, de sua vida.
Carlos Augusto Silva  
é professor e crítico literário.
Edição 1873 de 29 de maio a 3 de junho 2011
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Jornal Opção - Opção Cultural
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