HENRI BERGSON
por J. M. Bochenski
por J. M. Bochenski
A.PROCEDÊNCIA E PARTICULARIDADES.
HENRI BERGSON (1859-1941) é o representante mais conceituado e originalda nova "filosofia da vida", a qual dele recebeu a forma mais acabada.Contudo, embora mais tarde se tenha posto à testa do movimento, não se podedizer que tenha sido ele o seu fundador. Na própriaFrança, a Action de BLONDEL precedeu o Essai sur lesdonnées immédiates deIa conscience de BERGSON. e também LEROY, que mais tarde seria discípulo de BERGSON, já anteriormente se haviamanifestado contra o mecanicismo.
Todo este movimento está em relação coma tendência espiritualista, voluntarista e personalista da filosofia francesa,que, iniciada por MAINEDE BIRAN, foiem seguida representada por Félix RAVAISSON-MOLLIEN (1813-1900),JULES LACHELIER (1832-1918) e ÉMILE BOUTROUX (1845-1921), de quem BERGSON foi discípulo. Contudo,BERGSON não se deixou ifluenciar somente por estes filósofos,mas também pela "critica da ciência".
Além disso, tomou igualmente muitas idéias das teorias evolucionistas e utilitaristas inglesas; ele próprio confessa que, de início, só a filosofia de HERBERT SPENCER lhe parecia ajustar-se à realidade, e sua própria filosofia proveio da tentativa de aprofundar os fundamentos do sistema spenceriano.
Contudo,semelhante tarefa levou-o finalmente a repudiar completamente o spencerismo, que não cessou de combater daí em diante. A atividade especulativa de BERGSON exerceu-se,sobretudo, em quatro obras que mostram claramente sua evolução espiritual.
O Essai sur les données immédiatesde Ia conscience (1889) contém a sua teoriado conhecimento; Matière et Mémoire (1896) sua psicologia,L’Évolution créatrice(1907) sua metafísica fundada na biologia especulativa, Lesdeux sources de la Morale etde la Religion (1932)sua ética e filosofia da religião. Todas estas obras tiveram êxito extraordinário, que se explica não só porque BERGSON expunha uma filosofia realmente nova e que correspondia às necessidades mais prementes da época,mas também porque a exprimia numa linguagem de rara beleza. Por esse motivo lhe foi atribuído, em 1927, o prêmio Nobel de literatura.
A uma prodigiosa clareza, a uma artística matização das expressões e a uma impressionante potênciade imaginação, alia ele extraordinária gravidade filosófica e uma acuidade dialética sem par. Além disso, suas obras apóiam-se em conhecimentos sólidos,adquiridos à custa de amplas e árduas pesquisas. Por tudo isto
B. DURAÇÃOE INTUIÇÃO. Segundo a concepção do senso comum, admitida igualmente pela ciência, as propriedades do mundo são a extensão, a multiplicidade numérica e o determinismo causal. O mundo compõe-se de corpos sólidos extensos, cujas partes se encontram espacialmente justapostas; é caracterizado por um espaço totalmente homogêneo e por separações precisas, e todos os acontecimentos são de antemão determinados por leis invariáveis.
A ciência da natureza nunca considera o movimento, mas só as posições sucessivas dos corpos; nunca asforças, mas só os seus efeitos; a imagem do mundo traçada pela ciência naturalcarece de dinamismo e de vida; o tempo, tal como o encara a ciência, não é,em última instância, senão espaço; e quando a ciência natural pretende mediro tempo, na realidade não mede senão o espaço.
Todavia,podemos descobrir em nós mesmos, embora com esforço, uma realidade inteiramente diferente. Esta realidade possui uma intensidade puramente qualitativa,compõe-se de elementos absolutamente heterogêneos,que, entretanto, se interpenetram, de sorte que não é possível discriminá-losclaramente uns dos outros; e, por último, esta realidade interior é livre.
Não é espacial nem calculável; de fato, não somente ela dura, senão que é duração pura,e, como tal, completamente diferente do espaço e do tempo das ciências da natureza. É um agir único e indivisível, um alor (élan) e um .devir que não pode ser medido. Esta realidade encontra-se, em principio, em constante fluir, nunca é, mas perpetuamente devém.
É a ação que comanda, sem mais, a forma da inteligência.Como para a ação necessitamos de coisas exatamente definidas, o objeto principalda inteligência é o fixo corpóreo, inorganizado,fragmentário; a inteligência não concebe claramente senão o imóvel. Seu domínioé a matéria. Ela a capta para transformar os corpos em instrumentos; é o órgãodo homo faber e subordinado, essencialmente,à construção de instrumentos.
Dentro do domínio da matéria e graças à sua afinidade essencial com a matéria, a inteligência não só capta os fenômenos,como também a essência das coisas. BERGSON abandona o fenomenismo de KANTe dos positivistas, e confere à inteligência, no domínio do corpóreo, a capacidadede penetrar na essência das coisas. Segundo ele, a inteligência é também analítica,ou seja, capaz de decompor segundo qualquer lei ou sistema e de recompor de novo. Suas características são a clareza e a capacidade de distinguir.
Mas, ao mesmo tempo, a inteligência caracteriza-se igualmente pelo fato de, por natureza,lhe ser impossível compreender a duração real, a vida. Constituída de acordo com a matéria, ela transfere as formas materiais, extensivas, calculáveis,claras e determinadas, ao mundo da duração; interrompe a corrente vital única e introduz nela a discontinuidade, o espaço e a necessidade. Não pode sequer comprender o simplesmovimento local, como o provam os paradoxos de ZENÃO.
A intuição distingue-se por características que se contrapõem às características da inteligência. Órgão do homo sapiens, a intuição não está ao serviço da prática; seu objeto é o fluente, o orgânico, o que está em marcha; só ela pode captar aduração.
Os conhecimentos, obtidos por este meio, não podem ser expressosem idéias claras e precisas, nem tampouco são possíveis as demonstrações. A só coisa, que o filósofo pode fazer, é ajudar os outros a experimentarem uma intuição semelhante à dele. Assim se explica a riqueza de imagens sugestivas que as obras de BERGSON oferecem.
C. TEORIADO CONHECIMENTO E PSICOLOGIA. BERGSON aplicou seu método intuitivo em primeiro lugar aos problemas da teoria do conhecimento.
Tais problemas, diz ele, receberam até ao presente três soluções clássicas: o dualismo corrente, o kantismo e o idealismo. Contudo,estas três soluções estribam totalmente na falsa afirmação de que a percepçãoe a memória são puramente especulativas, independentes da ação, quando na realidade são completamente práticas, subordinadas à ação. Por sua vez, o corpo não é mais do que um centro de ação.
Destes princípios se infere que a percepção não abarca senão uma parte da realidade; ela consiste, de fato, numa seleção de imagens, das que são necessárias para cumprir a ação.O idealismo engana-se; os objetos, de que o mundo se compõe, são "imagens verdadeiras" e não únicamente elementos da consciência. Tanto o realismo habitualcomo o de KANT cometem erro ainda maior, ao situarem entre a consciência e a realidade exterior o espaço homogêneo, que consideram como indiferente.De fato, o espaço é só uma forma subjetiva, em correspondência unicamente com a ação humana.
BERGSON consolida sua teoria do conhecimento mediante uma psicologia definida. Em primeiro lugar, repudia o materialismo, quetira toda sua força do fato de a consciência depender do corpo – como se,do fato de um vestido oscilar e cair com o gancho a que está suspenso, tivéssemosde concluir que o vestido e o gancho são idênticos. Entre os fenômenospsicológicos e os fisiológicos não existe sequer um paralelismo, o qual, aliás,nada provaria.
A prova disto é a memória pura. Com efeito, importa distinguirdois tipos de memória: uma memória mecânica, corporal, que consiste unicamente na repetição de uma função tornada automática, e a memória pura, que reside nas imagens da lembrança.Neste caso, não se pode falar de uma localização no cérebro, argumento principal aduzido pelos materialistas.
Se houvesse uma tal localização exata,deveriam perder-se porções inteiras da memória por causa de certas lesões cerebrais; na realidade muitas vezes só se verifica um enfraquecimento geral da memória. Mais acertadamente talvez se pudesse comparar o cérebro a uma espécie de gabinete destinado a transmitir sinais. Sua função não é a vida propriamente espiritual. Por seu turno, a memória não é uma percepção atenuada,mas um fenômeno essencialmente diferente.
A psicologia associacionista estriba no duplo erro de conceber a duração como um espaço e o eu como um conjunto de coisas decalcadas pela matéria. Estes mesmos erros conduzem ao determinismo psicológico, que concebe os motivos como coisas simultâneas e o tempo como um caminho no espaço,donde se infere, naturalmente, a negação da liberdade.
Na realidade, nossas ações provêm de nossa personalidade toda; a decisão cria algo de novo, o ato sai do eu, unicamente do eu e, portanto, é inteiramente livre. O fato de a liberdade ser negada tão freqüentemente, apesar de sua evidência imediata,deve-se a que a inteligência forma um eu superficial, análogo ao corpo, e encobre dessa maneira o eu real mais profundo, que não é senão criação e duração.
D.VIDA E EVOLUÇÃO. As duas doutrinas clássicas, pelas quais se pretendeu explicara vida, a mecanicista e a teleológica, erram por igual, visto ambas negarem radicalmente a duração.
Segundo a primeira, o organismo é uma máquina de antemão determinada por leis calculáveis, e, de acordo com a segunda, existe um plano acabado do mundo.Ambas, sob certo aspecto, ampliam demasiado a noção de inteligência;a inteligência é para operar e não para conhecer a vida. A filosofia precisa superar estas duas doutrinas, especialmente o mecanicismo que nega simplesmente fatos evidentes.
Do mesmo modo que no problema psicofísico, também no problema da vida é possível observar um fenômeno que mostra a falsidade do mecanicismo. Este fenômeno consiste na produção de órgãos estruturalmente análogos em linhas evolutivas muito diferentes; assim, por exemplo, o olho nos moluscos e nos vertebrados, cujas linhas de evolução devem ter-se separado muito antes do momento em que adquiriram a vista.
Servindo-se deste fato e de muitas outras observações, BERGSON repele o mecanicismo darwinista e neodarwinista e, em geral, a concepção mecanicista do órgão vivo. O órgão vivo deve ser considerado como a expressão complexade uma função simples; pode ser comparado a um quadro composto de milhares de traços, mas que expressa a inspiração simples do artista.
Sem dúvida, o organismo contém um mecanismo, parece até ser um mecanismo. Mas assim como num arco dividido em minúsculos segmentos, estes segmentos coincidem aparentemente com a tangente, assim também a vida examinada em suas minúcias com os métodos das ciências da natureza parece ser um mecanismo, mas não o é.
A vida como um todo nãoé nenhuma abstração. Em determinado momento surgiu em certos lugares do espaçouma corrente vital que, através dos organismos desenvolvidos, vai passandode um germe a outro. A corrente vital procura vencer os obstáculos que a matérialhe opõe; a materialidade de um organismo representa a totalidade dos obstáculoscontornados pela vida.
Contudo, o ímpeto vitalgeral persiste. A fim de poder desdobrar-se, o alorvital (élan vital) divide-se em várias direções. Assim, surgiu, emprimeiro lugar, a grande divisão do reino vegetal e do reino animal: as plantasacumulam diretamente a energia, para que os animais possam hauri-la nelase disponham da mesma como de matéria explosiva para a ação livre. As plantasestão ligadas à terra e, nelas, a consciência aindase encontra entorpecida; só desperta no mundo animal.
O élan vital subdivide-se ainda no mundo animal em duas direções diferentes,como se experimentasse dois métodos: numa direção culmina nos insetos sociais,na outra encontra seu acabamento no homem. Na primeira direção, a vida busca mobilidade e flexibilidade mediante o instinto, ou seja, mediante a capacidadede utilizar ou até mesmo de criar instrumentos orgânicos; o instinto conhece seus objetos por simpatia, desde dentro, e age de modo infalível mas sempre uniforme.
Ao invés, nos vertebrados desenvolve-se a inteligência, isto é, a faculdade de fabricar e utilizar instrumentos anorgânicos. Por sua essência profunda, a inteligência não se orienta para as coisas, mas para as relações, para as formas; conhece seu objeto só por fora. Contudo, suas formas vazias podem encher-se de inumeráveis objetivos e indefinidamente.
Finalmente,aparece no homem, embora só em forma de fugazes arranques, a intuição, na qual o instinto se tornou desinteressadoe capaz de refletir sobre si mesmo. Além disso, o homem é livre. Todo este curso evolutivo conduz, portanto, a libertação da consciência do homem, e este aparece como o fim último da organização vital sobre o nosso planeta.
E. METAFÍSICA. Se o filósofo consente em mergulhar no oceanode vida que nos cerca, pode tentar conceber a gênese dos corpos e da inteligência.Esta intuição mostra que não só a vida e a consciência, mas a realidade inteira é um devir.
Só a nossa inteligênciae , por conseguinte, a ciência nos representam os corpos como rígidos. Na realidade, o próprio mundo material é movimento, alor, embora certamente em descenso e dispersão. Com efeito existem no mundo duas espécies de movimento, um movimento ascendente – o da vida – e outro movimento descendente – o da matéria.A lei da matéria é a lei da degradação da energia; a vida luta contra esta lei, sem contudo poder aboli-la; quando muito, consegue retardar-lhe os efeitos. Poderíamos compreender este processo, comparando-o ao vapor que sai em jatos pelas fendas de um vaso. Este vapor em contato como ar livre condensa-se em pequenas gotas que caem.
Mas uma pequena parte do vapor não se condensa imediatamente e esforça-se por elevar as gotas que caem.De modo idêntico, do imenso reservatório da vida saem incessantemente uns como que jatos, cada um dos quais caindo forma um mundo; as gotas que caem são a matéria. Ou, para empregar outra imagem, o mundo com o movimento vital é comparável a um braço erguido que torna a cair, em conseqüência do relaxamentodos músculos: a matéria é como que um gesto criador que se desfaz. Mas estas imagens são insuficientes, porque a vida é do domínio psicológico e é inespacial.
Processo idêntico se passa na consciência. A Intuição tem a mesma direção que a vida,a inteligência tem a direção contrária.
Só num ponto foi vencido o obstáculo e o impulso encontra livre saída. Esta liberdade aparece na forma humana. Pelo que, não sem razão, a filosofia afirmou a liberdade do espírito em geral, sua independência relativamentea matéria e sua provável sobrevivência após a morte.
Entretanto, a filosofia extraviou-se, por haver utilizado a inteligência e seus conceitos. Valendo-sede minuciosas análises, BERGSON mostracomo surgiu a idéia da desordem (a saber, da contingência das duas ordens possíveis, a vital e a geométrica) e como se formou a idéia do nada, que é propriamente uma pseudo-idéia.
BERGSON investe contra os mais importantes sistemas filosóficos do passado. A metafísica de PLATÃO e de ARISTÓTELES, seguindo a propensão naturalda inteligência, conseqüência dos conceitos que não fazem mais do que imitar a linguagem, subjugou a duração. Outro tanto acontece fundamentalmente, embora com diferenças de pormenor, nos sistemasmodernos, como os de DESCARTES, SPINOZA, LEIBNIZ, no criticismo de KANTe principalmente em SPENCER. Neste último é onde semanifesta com particular evidência ocaráter cinematográfico de nosso pensamento: pretende captar e representar a evolução por uma sucessão de estados do ser que se desenvolve, e desconhece assim totalmente a verdadeira duração.
F. ÉTICA. Segundo BERGSON, há duas espécies de moral,a moral fechada e a moral aberta. A moral fechada deriva dos fenômenosmais gerais da vida; consiste numa pressão exercida pela sociedade, e as ações que lhe correspondem são levadas a cabo de modo automático, instintivamente. Só em casos excepcionais se trava luta entre o eu individual e o social.
A moral fechada é impessoal e triplamente fechada:visa a conservação dos costumes sociais, faz coincidir quase inteiramenteo individual com o social, de sorte que a alma se move constantemente dentrodo mesmo círculo, e, por último, é sempre função de um grupo limitado e nunca pode ser válida para a humanidade inteira, porque a coesão social, da qual é função, repousa em grande parte na necessidade de autodefesa.
A par destamoral fechada, que obriga absolutamente, existe amoral aberta. Esta aparece encarnada em personalidades. eminentes,em santos e heróis, e não é moral social, mas humana e pessoal. Não consistenuma pressão, mas num apelo; não é fixa, mas essencialmente progressiva ecriadora. É aberta no sentido que abarca a vida inteira no amor, proporciona até o sentimento da liberdade e coincide com o próprio princípio da vida.Procede de uma emoção profunda que, do mesmo modo que o sentimento provocadopela música, carece de objeto.
Todavia,na realidade nem a moral fechada nem a moral aberta se apresentam em formapura; toda aspiração procura consolidar-se numa obrigação e esta, por suavez, procura captar a aspiração. Estas duas forças, das quais uma é infra-intelectuale outra supra-intelectual, operam no campo da inteligência, e por isso o moral é uma vida racional.Como quer que seja, a moral fechada e a aberta constituem duas manifestações complementares do mesmo valor vital.
G. FILOSOFIA DA RELIGIÃO.A mesma divisão que se fez na moral se aplica igualmentea religião: há uma religião estática e uma religião dinâmica. A religião estática consiste numa reação defensiva da natureza contra os efeitosda atividade da inteligência, que ameaçam oprimir o indivíduo ou dissolvera sociedade.
A religião é obra da "função fabuladora" da inteligência. A inteligência,em sentido estrito, ameaça desfazer a coesão social, e a natureza não pode opor-lhe o instinto, cujo lugar foi precisamente substituído no homem pela inteligência. Mas a natureza ajuda-se mediante a produção da função fabuladora.
Se o homem sabe, pela inteligência,que tem de morrer, coisa que o animal não sabe, e se a inteligêncialhe ensina que entre a tentativa e o êxito desejado existe o espaço desanimador do insondável, a natureza volta a ajudá-lo a suportar este conhecimento amargo, fabricando, graças a sua função fabuladora,deuses.
A religião dinâmica, o misticismo,é algo inteiramente diferente.Resulta deum retorno na direção donde procede o élan vital, e nasce da pressentida captação do inacessível a que a vida aspira.
Estemisticismo é próprio somente de homensextraordinários. Não se manifestou ainda entre os velhos gregos, como nem em forma perfeita na Índia, ondenão deixoude ser puramente especulativo. Contudo surgiu entreos grandes místicos cristãos, que possuíam uma saúde espiritualque se pode qualificar de perfeita. A religião cristã aparececomo a cristalização deste misticismo, mas, por outro lado,constitui o seu fundamento, porque os místicos são todos imitadores originais, embora imperfeitos, daquele que nos deixouo Sermão da Montanha.
Aexperiência das místicos permite-nos defender não só a probabilidade das concepções relativas à origem do élanvital, como também a afirmação da existênciade Deus, que não se pode provar com argumentos lógicos. Os místicos ensinam também que deus é o amor, e nada impede queos filósofos desenvolvam a idéia, sugerida por eles, de o mundo não ser mais do que um aspecto palpável deste amor e da necessidade divina de amor. A base da experiência dos místicos, corroborada pelas conclusões da psicologia, pode igualmente afirmar-se, com uma probabilidade que toca nas raias da, certeza, a sobrevivênciaapós a morte.
Todo este movimento está em relação coma tendência espiritualista, voluntarista e personalista da filosofia francesa,que, iniciada por MAINEDE BIRAN, foiem seguida representada por Félix RAVAISSON-MOLLIEN (1813-1900),JULES LACHELIER (1832-1918) e ÉMILE BOUTROUX (1845-1921), de quem BERGSON foi discípulo. Contudo,BERGSON não se deixou ifluenciar somente por estes filósofos,mas também pela "critica da ciência".
Além disso, tomou igualmente muitas idéias das teorias evolucionistas e utilitaristas inglesas; ele próprio confessa que, de início, só a filosofia de HERBERT SPENCER lhe parecia ajustar-se à realidade, e sua própria filosofia proveio da tentativa de aprofundar os fundamentos do sistema spenceriano.
Contudo,semelhante tarefa levou-o finalmente a repudiar completamente o spencerismo, que não cessou de combater daí em diante. A atividade especulativa de BERGSON exerceu-se,sobretudo, em quatro obras que mostram claramente sua evolução espiritual.
O Essai sur les données immédiatesde Ia conscience (1889) contém a sua teoriado conhecimento; Matière et Mémoire (1896) sua psicologia,L’Évolution créatrice(1907) sua metafísica fundada na biologia especulativa, Lesdeux sources de la Morale etde la Religion (1932)sua ética e filosofia da religião. Todas estas obras tiveram êxito extraordinário, que se explica não só porque BERGSON expunha uma filosofia realmente nova e que correspondia às necessidades mais prementes da época,mas também porque a exprimia numa linguagem de rara beleza. Por esse motivo lhe foi atribuído, em 1927, o prêmio Nobel de literatura.
A uma prodigiosa clareza, a uma artística matização das expressões e a uma impressionante potênciade imaginação, alia ele extraordinária gravidade filosófica e uma acuidade dialética sem par. Além disso, suas obras apóiam-se em conhecimentos sólidos,adquiridos à custa de amplas e árduas pesquisas. Por tudo isto
, BERGSON foi capaz de superar,
a um tempo, o positivismo e o idealismodo século XIX.
É um dos pioneiros do espírito novo de nosso tempo.
B. DURAÇÃOE INTUIÇÃO. Segundo a concepção do senso comum, admitida igualmente pela ciência, as propriedades do mundo são a extensão, a multiplicidade numérica e o determinismo causal. O mundo compõe-se de corpos sólidos extensos, cujas partes se encontram espacialmente justapostas; é caracterizado por um espaço totalmente homogêneo e por separações precisas, e todos os acontecimentos são de antemão determinados por leis invariáveis.
A ciência da natureza nunca considera o movimento, mas só as posições sucessivas dos corpos; nunca asforças, mas só os seus efeitos; a imagem do mundo traçada pela ciência naturalcarece de dinamismo e de vida; o tempo, tal como o encara a ciência, não é,em última instância, senão espaço; e quando a ciência natural pretende mediro tempo, na realidade não mede senão o espaço.
Todavia,podemos descobrir em nós mesmos, embora com esforço, uma realidade inteiramente diferente. Esta realidade possui uma intensidade puramente qualitativa,compõe-se de elementos absolutamente heterogêneos,que, entretanto, se interpenetram, de sorte que não é possível discriminá-losclaramente uns dos outros; e, por último, esta realidade interior é livre.
Não é espacial nem calculável; de fato, não somente ela dura, senão que é duração pura,e, como tal, completamente diferente do espaço e do tempo das ciências da natureza. É um agir único e indivisível, um alor (élan) e um .devir que não pode ser medido. Esta realidade encontra-se, em principio, em constante fluir, nunca é, mas perpetuamente devém.
A faculdade humana que corresponde à matéria espacial
é a inteligência, e esta caracteriza-se
por sua exclusiva orientação para a ação.
Dentro do domínio da matéria e graças à sua afinidade essencial com a matéria, a inteligência não só capta os fenômenos,como também a essência das coisas. BERGSON abandona o fenomenismo de KANTe dos positivistas, e confere à inteligência, no domínio do corpóreo, a capacidadede penetrar na essência das coisas. Segundo ele, a inteligência é também analítica,ou seja, capaz de decompor segundo qualquer lei ou sistema e de recompor de novo. Suas características são a clareza e a capacidade de distinguir.
Mas, ao mesmo tempo, a inteligência caracteriza-se igualmente pelo fato de, por natureza,lhe ser impossível compreender a duração real, a vida. Constituída de acordo com a matéria, ela transfere as formas materiais, extensivas, calculáveis,claras e determinadas, ao mundo da duração; interrompe a corrente vital única e introduz nela a discontinuidade, o espaço e a necessidade. Não pode sequer comprender o simplesmovimento local, como o provam os paradoxos de ZENÃO.
Só podemos conhecer a duração graças à intuição;
mas com ela conhecemo-la diretamente
e como algo íntimo.
A intuição distingue-se por características que se contrapõem às características da inteligência. Órgão do homo sapiens, a intuição não está ao serviço da prática; seu objeto é o fluente, o orgânico, o que está em marcha; só ela pode captar aduração.
Enquanto a inteligência analisa, decompõe,
para preparar a ação,a intuição é uma simples visão,
que não decompõe nem compõe,
mas vive a realidadeda duração.
Não se adquire facilmente a intuição;
tão habituados estamos ao uso da inteligência
que se torna necessária uma viragem íntima violenta,
contrária a nossas inclinações naturais,
para podermos exercitara intuição,
e só em momentos favoráveis e fugazes
somos capazes de o fazer.
Em resumo, existem dois domínios:
de um lado, o domínio da matéria espacial e rígida,
subordinadoà inteligência prática; de outro lado,
o domínio da vida e da consciênciaque dura,
ao qual corresponde a intuição.
Sendo a atitude da inteligência exclusivamente prática,
a filosofia não pode utilizar senão a intuição.
Os conhecimentos, obtidos por este meio, não podem ser expressosem idéias claras e precisas, nem tampouco são possíveis as demonstrações. A só coisa, que o filósofo pode fazer, é ajudar os outros a experimentarem uma intuição semelhante à dele. Assim se explica a riqueza de imagens sugestivas que as obras de BERGSON oferecem.
C. TEORIADO CONHECIMENTO E PSICOLOGIA. BERGSON aplicou seu método intuitivo em primeiro lugar aos problemas da teoria do conhecimento.
Tais problemas, diz ele, receberam até ao presente três soluções clássicas: o dualismo corrente, o kantismo e o idealismo. Contudo,estas três soluções estribam totalmente na falsa afirmação de que a percepçãoe a memória são puramente especulativas, independentes da ação, quando na realidade são completamente práticas, subordinadas à ação. Por sua vez, o corpo não é mais do que um centro de ação.
Destes princípios se infere que a percepção não abarca senão uma parte da realidade; ela consiste, de fato, numa seleção de imagens, das que são necessárias para cumprir a ação.O idealismo engana-se; os objetos, de que o mundo se compõe, são "imagens verdadeiras" e não únicamente elementos da consciência. Tanto o realismo habitualcomo o de KANT cometem erro ainda maior, ao situarem entre a consciência e a realidade exterior o espaço homogêneo, que consideram como indiferente.De fato, o espaço é só uma forma subjetiva, em correspondência unicamente com a ação humana.
BERGSON consolida sua teoria do conhecimento mediante uma psicologia definida. Em primeiro lugar, repudia o materialismo, quetira toda sua força do fato de a consciência depender do corpo – como se,do fato de um vestido oscilar e cair com o gancho a que está suspenso, tivéssemosde concluir que o vestido e o gancho são idênticos. Entre os fenômenospsicológicos e os fisiológicos não existe sequer um paralelismo, o qual, aliás,nada provaria.
A prova disto é a memória pura. Com efeito, importa distinguirdois tipos de memória: uma memória mecânica, corporal, que consiste unicamente na repetição de uma função tornada automática, e a memória pura, que reside nas imagens da lembrança.Neste caso, não se pode falar de uma localização no cérebro, argumento principal aduzido pelos materialistas.
Se houvesse uma tal localização exata,deveriam perder-se porções inteiras da memória por causa de certas lesões cerebrais; na realidade muitas vezes só se verifica um enfraquecimento geral da memória. Mais acertadamente talvez se pudesse comparar o cérebro a uma espécie de gabinete destinado a transmitir sinais. Sua função não é a vida propriamente espiritual. Por seu turno, a memória não é uma percepção atenuada,mas um fenômeno essencialmente diferente.
A psicologia associacionista estriba no duplo erro de conceber a duração como um espaço e o eu como um conjunto de coisas decalcadas pela matéria. Estes mesmos erros conduzem ao determinismo psicológico, que concebe os motivos como coisas simultâneas e o tempo como um caminho no espaço,donde se infere, naturalmente, a negação da liberdade.
Na realidade, nossas ações provêm de nossa personalidade toda; a decisão cria algo de novo, o ato sai do eu, unicamente do eu e, portanto, é inteiramente livre. O fato de a liberdade ser negada tão freqüentemente, apesar de sua evidência imediata,deve-se a que a inteligência forma um eu superficial, análogo ao corpo, e encobre dessa maneira o eu real mais profundo, que não é senão criação e duração.
D.VIDA E EVOLUÇÃO. As duas doutrinas clássicas, pelas quais se pretendeu explicara vida, a mecanicista e a teleológica, erram por igual, visto ambas negarem radicalmente a duração.
Segundo a primeira, o organismo é uma máquina de antemão determinada por leis calculáveis, e, de acordo com a segunda, existe um plano acabado do mundo.Ambas, sob certo aspecto, ampliam demasiado a noção de inteligência;a inteligência é para operar e não para conhecer a vida. A filosofia precisa superar estas duas doutrinas, especialmente o mecanicismo que nega simplesmente fatos evidentes.
Do mesmo modo que no problema psicofísico, também no problema da vida é possível observar um fenômeno que mostra a falsidade do mecanicismo. Este fenômeno consiste na produção de órgãos estruturalmente análogos em linhas evolutivas muito diferentes; assim, por exemplo, o olho nos moluscos e nos vertebrados, cujas linhas de evolução devem ter-se separado muito antes do momento em que adquiriram a vista.
Servindo-se deste fato e de muitas outras observações, BERGSON repele o mecanicismo darwinista e neodarwinista e, em geral, a concepção mecanicista do órgão vivo. O órgão vivo deve ser considerado como a expressão complexade uma função simples; pode ser comparado a um quadro composto de milhares de traços, mas que expressa a inspiração simples do artista.
Sem dúvida, o organismo contém um mecanismo, parece até ser um mecanismo. Mas assim como num arco dividido em minúsculos segmentos, estes segmentos coincidem aparentemente com a tangente, assim também a vida examinada em suas minúcias com os métodos das ciências da natureza parece ser um mecanismo, mas não o é.
A vida como um todo nãoé nenhuma abstração. Em determinado momento surgiu em certos lugares do espaçouma corrente vital que, através dos organismos desenvolvidos, vai passandode um germe a outro. A corrente vital procura vencer os obstáculos que a matérialhe opõe; a materialidade de um organismo representa a totalidade dos obstáculoscontornados pela vida.
A vida não procede logicamente,
erra de quando em quando,acumula-se
em becos sem saída ou até volta para trás.
Contudo, o ímpeto vitalgeral persiste. A fim de poder desdobrar-se, o alorvital (élan vital) divide-se em várias direções. Assim, surgiu, emprimeiro lugar, a grande divisão do reino vegetal e do reino animal: as plantasacumulam diretamente a energia, para que os animais possam hauri-la nelase disponham da mesma como de matéria explosiva para a ação livre. As plantasestão ligadas à terra e, nelas, a consciência aindase encontra entorpecida; só desperta no mundo animal.
O élan vital subdivide-se ainda no mundo animal em duas direções diferentes,como se experimentasse dois métodos: numa direção culmina nos insetos sociais,na outra encontra seu acabamento no homem. Na primeira direção, a vida busca mobilidade e flexibilidade mediante o instinto, ou seja, mediante a capacidadede utilizar ou até mesmo de criar instrumentos orgânicos; o instinto conhece seus objetos por simpatia, desde dentro, e age de modo infalível mas sempre uniforme.
Ao invés, nos vertebrados desenvolve-se a inteligência, isto é, a faculdade de fabricar e utilizar instrumentos anorgânicos. Por sua essência profunda, a inteligência não se orienta para as coisas, mas para as relações, para as formas; conhece seu objeto só por fora. Contudo, suas formas vazias podem encher-se de inumeráveis objetivos e indefinidamente.
A Inteligência perfeita ultrapassa
suas fronteiras primitivas e pode até encontrar aplicação
fora do campo prático, para o qual foi propriamente criada.
Finalmente,aparece no homem, embora só em forma de fugazes arranques, a intuição, na qual o instinto se tornou desinteressadoe capaz de refletir sobre si mesmo. Além disso, o homem é livre. Todo este curso evolutivo conduz, portanto, a libertação da consciência do homem, e este aparece como o fim último da organização vital sobre o nosso planeta.
E. METAFÍSICA. Se o filósofo consente em mergulhar no oceanode vida que nos cerca, pode tentar conceber a gênese dos corpos e da inteligência.Esta intuição mostra que não só a vida e a consciência, mas a realidade inteira é um devir.
Não existem coisas, mas somente
ações, e o ser é essencialmente devir.
"O devir encerra mais do que o ser".
Mas uma pequena parte do vapor não se condensa imediatamente e esforça-se por elevar as gotas que caem.De modo idêntico, do imenso reservatório da vida saem incessantemente uns como que jatos, cada um dos quais caindo forma um mundo; as gotas que caem são a matéria. Ou, para empregar outra imagem, o mundo com o movimento vital é comparável a um braço erguido que torna a cair, em conseqüência do relaxamentodos músculos: a matéria é como que um gesto criador que se desfaz. Mas estas imagens são insuficientes, porque a vida é do domínio psicológico e é inespacial.
Processo idêntico se passa na consciência. A Intuição tem a mesma direção que a vida,a inteligência tem a direção contrária.
Por isso a inteligência está essencialmente coordenada à matéria. A intuição, pelo contrário, mostra-nos a verdadeira realidade, na qual aparece a vida como onda gigantesca que se espraia e logo em seguida é contida em quase toda sua amplitude.
Só num ponto foi vencido o obstáculo e o impulso encontra livre saída. Esta liberdade aparece na forma humana. Pelo que, não sem razão, a filosofia afirmou a liberdade do espírito em geral, sua independência relativamentea matéria e sua provável sobrevivência após a morte.
Entretanto, a filosofia extraviou-se, por haver utilizado a inteligência e seus conceitos. Valendo-sede minuciosas análises, BERGSON mostracomo surgiu a idéia da desordem (a saber, da contingência das duas ordens possíveis, a vital e a geométrica) e como se formou a idéia do nada, que é propriamente uma pseudo-idéia.
BERGSON investe contra os mais importantes sistemas filosóficos do passado. A metafísica de PLATÃO e de ARISTÓTELES, seguindo a propensão naturalda inteligência, conseqüência dos conceitos que não fazem mais do que imitar a linguagem, subjugou a duração. Outro tanto acontece fundamentalmente, embora com diferenças de pormenor, nos sistemasmodernos, como os de DESCARTES, SPINOZA, LEIBNIZ, no criticismo de KANTe principalmente em SPENCER. Neste último é onde semanifesta com particular evidência ocaráter cinematográfico de nosso pensamento: pretende captar e representar a evolução por uma sucessão de estados do ser que se desenvolve, e desconhece assim totalmente a verdadeira duração.
F. ÉTICA. Segundo BERGSON, há duas espécies de moral,a moral fechada e a moral aberta. A moral fechada deriva dos fenômenosmais gerais da vida; consiste numa pressão exercida pela sociedade, e as ações que lhe correspondem são levadas a cabo de modo automático, instintivamente. Só em casos excepcionais se trava luta entre o eu individual e o social.
A moral fechada é impessoal e triplamente fechada:visa a conservação dos costumes sociais, faz coincidir quase inteiramenteo individual com o social, de sorte que a alma se move constantemente dentrodo mesmo círculo, e, por último, é sempre função de um grupo limitado e nunca pode ser válida para a humanidade inteira, porque a coesão social, da qual é função, repousa em grande parte na necessidade de autodefesa.
A par destamoral fechada, que obriga absolutamente, existe amoral aberta. Esta aparece encarnada em personalidades. eminentes,em santos e heróis, e não é moral social, mas humana e pessoal. Não consistenuma pressão, mas num apelo; não é fixa, mas essencialmente progressiva ecriadora. É aberta no sentido que abarca a vida inteira no amor, proporciona até o sentimento da liberdade e coincide com o próprio princípio da vida.Procede de uma emoção profunda que, do mesmo modo que o sentimento provocadopela música, carece de objeto.
Todavia,na realidade nem a moral fechada nem a moral aberta se apresentam em formapura; toda aspiração procura consolidar-se numa obrigação e esta, por suavez, procura captar a aspiração. Estas duas forças, das quais uma é infra-intelectuale outra supra-intelectual, operam no campo da inteligência, e por isso o moral é uma vida racional.Como quer que seja, a moral fechada e a aberta constituem duas manifestações complementares do mesmo valor vital.
G. FILOSOFIA DA RELIGIÃO.A mesma divisão que se fez na moral se aplica igualmentea religião: há uma religião estática e uma religião dinâmica. A religião estática consiste numa reação defensiva da natureza contra os efeitosda atividade da inteligência, que ameaçam oprimir o indivíduo ou dissolvera sociedade.
A religião estática prende o homem
à vida e o indivíduo à sociedade mediante fábulas
que se assemelham a canções de berço.
A religião é obra da "função fabuladora" da inteligência. A inteligência,em sentido estrito, ameaça desfazer a coesão social, e a natureza não pode opor-lhe o instinto, cujo lugar foi precisamente substituído no homem pela inteligência. Mas a natureza ajuda-se mediante a produção da função fabuladora.
Se o homem sabe, pela inteligência,que tem de morrer, coisa que o animal não sabe, e se a inteligêncialhe ensina que entre a tentativa e o êxito desejado existe o espaço desanimador do insondável, a natureza volta a ajudá-lo a suportar este conhecimento amargo, fabricando, graças a sua função fabuladora,deuses.
O papel da função fabuladora
nas sociedades humanas corresponde
ao do instinto nas sociedades animais.
A religião dinâmica, o misticismo,é algo inteiramente diferente.Resulta deum retorno na direção donde procede o élan vital, e nasce da pressentida captação do inacessível a que a vida aspira.
Estemisticismo é próprio somente de homensextraordinários. Não se manifestou ainda entre os velhos gregos, como nem em forma perfeita na Índia, ondenão deixoude ser puramente especulativo. Contudo surgiu entreos grandes místicos cristãos, que possuíam uma saúde espiritualque se pode qualificar de perfeita. A religião cristã aparececomo a cristalização deste misticismo, mas, por outro lado,constitui o seu fundamento, porque os místicos são todos imitadores originais, embora imperfeitos, daquele que nos deixouo Sermão da Montanha.
Aexperiência das místicos permite-nos defender não só a probabilidade das concepções relativas à origem do élanvital, como também a afirmação da existênciade Deus, que não se pode provar com argumentos lógicos. Os místicos ensinam também que deus é o amor, e nada impede queos filósofos desenvolvam a idéia, sugerida por eles, de o mundo não ser mais do que um aspecto palpável deste amor e da necessidade divina de amor. A base da experiência dos místicos, corroborada pelas conclusões da psicologia, pode igualmente afirmar-se, com uma probabilidade que toca nas raias da, certeza, a sobrevivênciaapós a morte.
Fonte:
CONSCIÊNCIA:.ORG
Tradução de Antônio Pinto de Carvalho.
in A Filosofia Contemporânea Ocidental.
Herder, São Paulo, 1968
in A Filosofia Contemporânea Ocidental.
Herder, São Paulo, 1968
http://www.consciencia.org/bergsonbochenski.shtml
Sejam feliozes todos os seres Vivam em paz todos os seres
Sejam abençoados todos os seres.
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