Bergson e Plotino
Marco Antonio Barroso*
Acredita Henri Bergson
que só uma filosofia que se esforce
para reintegrar a inteligência na intuição
seria capaz de ofertar algo de positivo à humanidade.
Esta filosofia seria capaz de nos oferecer força de ação e a própria felicidade, sentimento perseguido pela filosofia bergsoniana.[1]
Atrevemo-nos mesmo a comparar as idéias bergsonianas aqui expostas à filosofia de Plotino, apropriada e repensada, como nos autoriza Henri Hude[2]. Explica o estudioso da obra bergsoniana:[3] “Ele é plotiniano, um pouco como Marx era hegeliano.
Bergson parece ter pensado
que o sistema de Plotino estava de cabeça para baixo,
e o repôs de pé.
A queda das almas torna-se
ascensão das almas.”
E um pouco antes afirmou:
“Em Plotino, ele [Bergson] deixa de lado tudo o que é platônico [no sentido que atribui a esse termo, isto é, a teoria das idéias e a interpretação que ele lhe confere] e remete o pensamento do Uno à influência judaico-cristã.
O universo é um todo simpático e é um duplo processo de materialização/espiritualização (…).
É também um processo de pluralização. Mas Bergson subverte o sistema plotiniano. A pluralização vai no sentido da espiritualização. O devir não é uma queda do Absoluto, mas uma glória para Deus. Sobretudo, o sistema da necessidade deve dar lugar ao relato de uma história universal, onde a personalidade livre é o termo insuperável de toda evolução, que exprime ela própria um ato da liberdade divina: de onde L’évolution créatice. “
Quem também chama a atenção para a proximidade entre o pensamento de Bergson e o de Plotino é Lydie Adolphe. Em introdução ao livro La philosophie religieuse de Bergson[4], da citada pesquisadora, Émile Bréhier nos aponta o profundo conhecimento que esta possui da obra de ambos os pensadores. Portanto cremos ser de fundamental importância expormos algumas das reflexões desta autora sobre estes pontos de contato, uma vez que, tratando dos temas expostos por Bergson em seu livro A evolução criadora, chegamos às semelhanças existentes entre o pensamento deste filósofo e o de Plotino. Afirma Adolphe que
“O próprio Bergson ressalta a analogia de seu pensamento com aquele de Plotino: em uma nota de A Evolução criadora ele explica que a relação que ele estabelece entre a “extensão” e a “distensão” ‘se assemelham de certa forma àquilo que supôs Plotino’, (e seu desenvolvimento onde deveria se assemelhar a M. Ravaisson), quando ele fez do entendimento, não sem dúvida uma inversão do ser original, mas um enfraquecimento de sua essência, uma das últimas etapas da processão.”[5]
O primeiro ponto destacado pela pesquisadora
é a semelhança existente entre os dois pensadores
relativa à atitude da alma frente ao mundo material.
Segundo Adolphe[6], para Bergson nossa alma apresenta duas disposições: ela pode se interessar por seu corpo ou não, como pode também ter ou não a atenção focada na vida. Em outras palavras, a alma pode ou não se direcionar sobre si mesma.
Quando se decide pela opção negativa,
orienta-se pela e para a matéria.
Destarte, a orientação que a alma confere à sua atenção, mesmo quando está totalmente voltada para a ação fabricadora, ou seja, quando se direciona para a matéria de forma quase absoluta, sendo inteligência, possui em torno de si uma franja de intuição. É esta franja que lhe permite extrapolar os limites da matéria para focar-se em si ou na vida, que é a fonte de onde jorram as almas. Desta forma, inteligência e intuição têm a mesma origem.
Já Plotino considerava
a alma como sendo dupla,
possuindo duas funções,
afirma Adolphe.
Para o filósofo neoplatônico,
a alma era dividida em duas partes:
a parte superior contemplaria o Uno
do qual seria emanação,
enquanto a parte inferior se encarnaria
para governar e organizar a matéria.
Haveria, entretanto, uma troca permanente entre as duas almas, o que nos permitiria vê-las não como dois entes separados, mas como um apenas, importando somente a direção de sua atividade. Este seria o nous.[7] “Pode-se afirmar, transpondo para a linguagem bergsoniana, que em torno da percepção consciente, há uma “franja” que bem poderia assinalar a presença mais freqüente da parte contemplativa.”[8]
Outro ponto levantado pela comentadora seria o da união das almas pela participação que estas têm na fonte comum, o Uno. Esta última seria, ela mesma, fonte de emanação da unidade do ser, ao qual se remeteriam todos os demais seres. Esta seria a fonte de simpatia que uniria todos os seres.
A alma isolada no corpo
não passaria de um reflexo passageiro
da alma universal.
Todas as almas possuem, portanto,
a mesma fonte.[9]
Assim como o Uno é a fonte das almas em Plotino,
o nous é o intermédio daquele com o mundo.
Para Bergson, esse intermediário
seria o élan vital que, nos seres,
se individualiza à procura de evolução.
Usando uma metáfora criada por Plotino, bem ao modo da filosofia bergsoniana, diz Adolphe que o Uno é como o centro em um círculo, em que todos os raios de uma circunferência dele participariam, nascendo do centro e tendo seu ser nele.
O centro é o ponto indivisível e a origem de cada um dos raios. Eles avançam sempre ao redor do círculo, em progressão, embora continuem sempre ligados entre si. O centro (Uno) é a “luz” que emana para um segundo círculo, nous (alma), e depois desses dois existe um terceiro que não é de luz, mas que resplandece a luz do segundo que lhe é contíguo, ou o mundo físico.[10] O indivíduo seria então como que uma linha transversal que percorreria os três planos.
No primeiro, ele teria o contato com o absoluto, ou Uno; e no último, ele é seu corpo. Entre os dois estaria a alma, nous. A inteligência é a alma do homem quando voltada para fora de si, absorvida pela ação.
A intuição é, ao contrário,
o movimento desta alma
pelos diversos planos psíquicos.
Ela é a faculdade que nos permite a possibilidade de encontrar o caminho de volta para o lugar de origem de todas as almas.
A fusão mística se daria então,
tanto para Plotino como para Bergson,
nesta volta da alma em sua conversão para o Ser.
nesta volta da alma em sua conversão para o Ser.
* Mestre em Ciência da Religião
pelo PPCIR-UFJF,
doutorando em Ciência da Religião.
Fonte:
Notas de Rodapé
http://www.notasderodape.com.br/index.php/cultura/bergson-e-plotino.html
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