segunda-feira, 2 de maio de 2011

A MÍSTICA MEDIEVAL DE MESTRE ECKART E A MÍSTICA DE BERGSON


A MÍSTICA MEDIEVAL DE MESTRE ECKHART E A MÍSTICA CONTEMPORÂNEA DE HENRI BERGSON

João Luiz Romão Pereira

1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve seu início com o estudo do capítulo III da obra As
duas fontes da moral e da religião de Henri Bergson no qual o filósofo
francês mostra sua abordagem sobre a mística.

Desde o mundo antigo o tema já era conhecido, passando igualmente pelo mundo
medieval. Mas, qual seria a relação existente entre a mística analisada por
Bergson e o sentido da mística que existia antes dele?

Ao buscarmos esta resposta fomos surpreendidos pelo tratamento já dispensado
ao assunto por aquele que seria conhecido como o místico do século XIV:
Meister Johanes Eckhart ou, como é mais conhecido, Mestre Eckhart.
Situado entre a escolástica de Tomás de Aquino e o renascimento europeu,
Eckhart nos lega a visão do que seria o misticismo à sua época e segundo o
seu entendimento.

Buscaremos mostrar, então, se as duas propostas (de Bergson e de Eckhart) se
aproximam ou se distanciam. Entre eles mais de seis séculos de distância. É
possível esta comparação?

2. A MÍSTICA MEDIEVAL DE MESTRE ECKHART
Mestre Eckhart (1260-1328), domiciano, místico alemão, é considerado um dos
inciadores da filosofia em língua alemã já que parte de sua obra, em
particular, os Sermões, é escrita neste idioma, contribuindo para a fixação
de uma língua filosófica e teológica. 

A temática central de Eckhart 
explora um pensamento teocêntrico.

No contexto histórico-filosófico costuma-se classificar o pensamento
medieval em três área distintas: patrística, escolástica e mística. Em
geral, de acordo com o senso comum, entende-se por mística algo ligado a
"coisas" como fé, contemplação, vivência interior, ascese, solidão,
linguagem hermética, enlevo espiritual e assim por diante, uma série de
fenômenos pertencentes ao âmbito do não racional.

Antes de mais nada perguntamos: o que é mística? mística é adjetivo (em
grego mystikós) da palavra mistério (mystérion). Segundo Eckhart, a mística
é um fenômeno universal. Trata-se de uma experiência imediata de Deus ou
simplesmente do Uno: é a unidade do mundo com o Supremo Princípio.
A experiência da disjunção (a dualidade Deus-criação, eu-mundo) faz sofrer e
desperta o desejo de unidade. Sustentar esta unidade não equivale a afirmar
uma unidade monolítica. É uma unidade dialética, uma unidade na diferença:
ser um com Deus sem deixar de ser eu; ser um com o mundo sem que a
consciência deixe de ser consciência.

Cada criatura carrega dentro de si a idéia de Deus. Eckhart denomina isso de
chama, centelha. Esta idéia não se perde, só pode ser coberta. Assim é
necessário o nascimento de Deus na alma. Qual o processo para que isto
aconteça?

Eckhart desenvolveu um caminho que chamou de Abgeschiedenheit: da perfeita
liberdade, da plena disponibilidade e do total desprendimento, esvaziamento
de si, perfeito equilíbrio interior.

Todas estas significações visam abrir ao homem a presença de Deus em todas
as situações e estar em unidade com Ele. É uma atitude fundamental em que o
homem deve esvaziar-se totalmente no querer, no saber e no ter. É
simplesmente ser.

Esta atitude - Abgeschiedenheit - nos situa na posição de ser aberto a tudo.
Não espera nada e dispõe-se a receber tudo. Quando se alcança esta atitude,
liberta o que esconde dentro de si: a chama de Deus colocada no fundo do
espírito. É o grande desafio da vida.

É qual o escultor faz com a madeira ou pedra. Ele não introjeta uma estátua
nela, mas tira a estátua dela. Assim o homem guarda Deus em si. Pelo
desprendimento total vai liberando Deus da entranhas do coração para a plena
luz do dia.

O misticismo de Eckhart não se caracteriza por divinas audições, revelações
celestes, arroubos extáticos ou enfermas fantasias. As "sensações
agradáveis" desses momentos são passageiras e pertencem ao mundo exterior.
O que conta é a intensidade da busca como caminho de encontro e unidade com
Deus. É um caminho possível a todos e não privilégio de alguns. Não o
extraordinário, mas o ordinário.

Quem possui a Deus possui o imutável e o eterno. Para Eckhart a primeira
relação humana é a que existe entre a alma e Deus, e se revela como sentido
de liberdade absoluta e de desprendimento interior, como unidade do
espírito.

A mística em si mesma é libertadora. O místico, por natureza, é criador e
não mero reprodutor. O lugar privilegiado por Eckhart para o encontro com
Deus é o mundo e a vida. Não é uma mística livre do mundo, mas livre para o
mundo.

O mundo é sinal e concretude de Deus. 
 Nele transparece a divindade.

Uma das características fundamentais da mística de Eckhart reside no esforço
de superação da relação sujeito-objeto em nosso caminhar para Deus. Deus e o
mundo não se opõe como criador e criatura. 

A novidade reside na afirmação da mútua imanência:
Deus está no interior mais secreto de cada criatura 
e cada criatura no coração de Deus. 

Vigora uma dialética de mútua implicação.
Torna-se difícil interpretar adequadamente, através da palavra, o que é ato
de vida profunda. A experiência mística é ato inexpressável, contudo o
místico é coexistência, é comunicação, é palavra pronunciada e relação
espiritual. 

Não há recolhimento absoluto.
 
Na sua relação vital com outras almas, o místico demonstra a pureza do seu
querer (caritas) e o valor de sua experiência íntima: por isso atua no
mundo, escreve e fala a outras almas para revelar-se e permanecer fiel a si
mesmo. 

O místico é como seus Deus: atividade desinteressada e pura que
transcende perenemente suas próprias obras e pertence somente a si.
Toda mística de Eckhart pode-se resumir nestas suas próprias palavras: "Em
que se baseia a verdadeira posse de Deus? Num sentimento, num retorno da
vontade em direção a Deus, não em um contínuo e ininterrupto pensar em Deus.
O homem não deve conformar-se com um Deus pensado, porque se acaba o
pensamento, acaba também Deus; mas, deve-se possuir um Deus em si, superior
ao pensamento do homem, e este Deus não acaba ainda que tu te apartes
voluntariamente dele."[1]

Toda doutrina eckhartiana se dirige a substituir o "Deus pensado" - o Deus
objeto, pelo "Deus vivido" - o Deus "subjetividade de nossa subjetividade",
uma concepção que se dê no campo teológico-filosófico em oposição ao campo
lógico.

Deus e a alma: são estas as únicas verdades que Eckhart, como Plotino e
Agostinho, quer conhecer e cujo conhecimento é, ao mesmo tempo, atividade e
realização de si mesmo. No instante em que a alma morre para si e para as
coisas pelo ato de entrega incondicional, nasce para a verdadeira vida,
emerge do seu nada e se estabelece no ser. Os elementos exteriores do mundo:
devenir, tempo, morte, dor são o não-ser.

É necessário esse "nascimento eterno" que não tem história porque se
atualiza no presente instantâneo e continua se renovando a cada instante. É
a atitude do "livre espírito" frente ao mundo o qual é apenas o ponto de
partida da conquista interior, efeito da imanência divina.

Surge da necessidade de formar o hábito de encontrar a Deus em todas as
coisas, de converter-se em buscador de Deus em todo o tempo e todo o lugar,
persistindo nesse esforço sem jamais alcançar a meta de tal aperfeiçoamento.
A vida moral é, assim, perene liberação em ato, contínua e renovada
renúncia, reconquista de si mesmo, negação do não-ser, isto é, do
transitório. É um surgir vindo do fundo de nossa condição de criatura. É o
necessário momento dialético do ato moral.

Não é Deus que atrai a alma para si, senão que a alma aspira a Ele. O
movimento inicial de nossa vontade deve ser um salto, uma ruptura com o
transitório. 

Quem quer morrer para o efêmero 
deve renascer para a eternidade
no próprio ato de seu querer.

A vida moral é a insaciável busca de um bem, uma contínua perseguição a
Deus, uma angustiante processo de libertação e purificação que dão valor à
nossa existência. É o ritmo incessante de busca e posse: atividade
patrocinada pela vontade livre e boa, que deve se renovar a cada instante na
luta cotidiana. 

A liberdade é palavra vã se não é incessante liberação, se
não é obra de uma alma livre.

A contemplação vivida por Eckhart
não é um mero contemplar exterior 
do curso do mundo e da natureza, 
mas um processo de participação do ser.

A mística de Eckhart se assenta na ação e não apenas na reflexão. 

Diz:
"na contemplação você se serve a você mesmo,
nas boas obras serve a muita gente".[2]

Mestre Eckhart prefere a vida ativa à contemplação.  

A ação está nas raízes do nosso ser, ou melhor, nosso ser é obra incessante e se sustenta
unicamente como tal. Deus é atividade criadora inesgotável. Por isto quem
vive em afinidade com Deus estabelece seu ser na infinita capacidade
criadora dele. É necessário a coexistência das ações interiores e exteriores
para efetivamente colaborar com Deus.

A união com Deus não se concebe como meta final que imobiliza numa quietude
inefável o ato da alma que deve renovar-se a cada instante. A unidade com
Deus não deve se buscar no final do processo moral, senão no próprio
processo. Unidade quer dizer libertação somente no perene processo de
liberação.

O místico não se encerra em um estéril isolamento: se dá às outras almas,
escreve, ensina e abre caminho no mundo entre incertezas, guerras e ódios
afim de revelar a certeza do Espírito.

Eckhart foi um homem de ação. Utilizou a linguagem vernácula, o alemão do
povo humilde. Em seus escritos volta sempre a mesma idéia: não fugir, não
esconder-se, mas assumir a vida, conservar-se soberano e livre face a
qualquer situação.

Mestre Eckhart viveu organizando conventos, fazendo viagens longas, pregando
missões no meio do povo simples. Nesta situação aprendeu e ensinou a viver
em perpétua união com Deus e com todos.

3. A MÍSTICA CONTEMPORÂNEA DE HENRI BERGSON
A filosofia de Bergson se situa (no aspecto histórico e filosófico) entre o
positivismo do século XIX e o espiritualismo francês do início do século XX.
Mas, o lema da filosofia bergsoniana pode ser evidenciado no seu problema
último: Deus. A filosofia de Bergson será, quanto a este ponto, a busca e a
possibilidade de uma experiência de Deus, uma superação do positivismo no
sentido mais estrito da palavra.

Para superar o positivismo, Bergson encontra o ponto de apoio no
evolucionismo de Spencer, pois o que o atrai em Spencer era o seu desejo de
unir o espírito ao terreno dos fatos. Vale-se da evolução para explicar toda
a realidade - tal é a síntese bergsoniana.

Sua idéia matriz é que a realidade é duração real. E a consciência é o lugar
privilegiado de que a realidade é duração: é o meio onde se unem experiência
e intuição. A intuição é a "alma" da verdadeira experiência, o ato que nos
coloca dentro das coisas. Não é um ato estático, mas uma atividade que vive
e convive o processo, a própria duração da realidade, ou seja, a intuição é
ela mesma duração.

A intuição é a visão do espírito pelo espírito que revela a duração da
consciência e o tempo real. É o órgão da metafísica: a ciência analisa, mas
a metafísica intui, fazendo-nos entrar em contato direto com as coisas. É a
sondagem da essência do real. A experiência metafísica se vinculará à dos
grandes místicos.

As obras de Bergson apresentam e exploram todas essas idéias. Mas, é na obra
As duas fontes da moral e da religião, que Bergson extrai as conseqüências
do seu sistema filosófico levando-o ao próprio tema de Deus. Nesta obra
Bergson volta sua atenção para o tema da criatividade moral e religiosa do
homem. Para Bergson as normas morais tem duas fontes: a pressão social e o
impulso do amor.

No primeira caso, as normas são precisamente o fruto da pressão social. O
indivíduo segue o caminho que encontra já trilhado pelos outros e codificado
pelas normas de sua sociedade, conforma-se às regras dessa sociedade, exalta
os seus ideais e procura se adequar a eles. O que está na base da sociedade
é apenas o hábito de contrair hábitos. Ele é o único fundamento da obrigação
moral. Essa moral da obrigação e do hábito é a moral da sociedade fechada.

Entretanto, segundo Bergson, a pressão social não é a única fonte da
moralidade. Existe também a moral absoluta, que é a moral da sociedade
aberta. Essa é a moral do cristianismo e dos profetas de Israel. Essa moral
é obra criadora de valores universais, de heróis morais como Sócrates e
Jesus, que vão além dos valores do grupo ou da sociedade a que pertencem.
A moral da sociedade fechada é estática, a da sociedade aberta é dinâmica,
pois recorre à originalidade e à profundidade da pessoa.

O fundamento da  moral aberta é a pessoa criadora; o seu fim é a humanidade; 
o seu conteúdo éo amor para com todos os homens; a sua característica é a inovação moral
capaz de romper com os esquemas das sociedades fechadas. A moralidade aberta
é algo que não se ensina: é a moral dos grandes místicos e reveladores e de
todos os que seguem a inspiração que os induz a segui-los.

Assim como na vida moral, também na vida religiosa Bergson distingue entre a
religião estática e religião dinâmica. A religião estática é o resultado do
que Bergson chama de função fabuladora. Com sua fábulas, seus mitos e suas
supertições, a religião reforça os laços sociais entre o homem e seus
semelhantes. É a religião natural, fruto e função da evolução natural.
Para Bergson, essa religião estática e natural é infra-intelectual. Mas não
é a única forma de religião, há a religião supra-intelectual, a religião
dinâmica, para a qual os dogmas são apenas cristalizações e que mergulha no
impulso vital e o continua.

Na análise bergsoniana podemos fazer coincidir a idéia de absoluto com a
idéia de Deus. Mas, esse Deus não é visto como legislador ou como um tirano,
porém deve ser entendido como divinamente criador, que produz sem parar
novas multiplicidades. "Deus é vida incessante, ação, liberdade. A criação
assim concebida não é um mistério, experimentamo-la em nós". [3]

Deus assim entendido prevê a afirmação de sua presença íntima nas coisas. É
o infinito íntimo. Uma certa imanência se opõe à criação. Há uma
inseparabilidade entre o mundo e Deus: Ele é imanente. A imanência é a
penetração das coisas por Deus, a sua presença em cada um de nós. Deus não é
para ser demonstrado por vias racionais, mas para ser experimentado na sua
multiplicidade, sentido.

Foi em função desta compreensão do absoluto e de como atingi-lo, que Bergson
se aproximou dos grandes místicos cristãos, pois os místicos são aquele que
experimentam a imanência de Deus, ou seja, intuem o absoluto ao se
encontrarem diretamente com Ele sem qualquer mediação. Ultrapassam, desse
modo, a condição humana.

Enquanto o misticismo neoplatônico ou o misticismo oriental é contemplativo,
não acreditando por isso na eficácia da ação, Bergson vê o misticismo
adequado nos místicos como Paulo de Tarso, Francisco de Assis, Teresa D'
Ávila, Catarina de Siena ou Joana D'Arc, para os quais o êxtase constitui
ponto superior de impulso para ação no mundo, "dado que o misticismo
completo é ação".[4] E esse "misticismo completo é, com efeito, os dos
grandes místicos cristãos". [5]

Na experiência de êxtase de Teresa D'Ávila já não há mais a mínima distância
entre sua alma e Deus. Diz ela: "Quis o senhor que eu tivesse algumas vezes
essa visão: eu via um anjo perto de mim, do lado esquerdo,... Vi que trazia
nas mãos um comprido dardo de ouro, em cuja ponta de ferro julguei
que havia um pouco de fogo. Eu tinha a impressão que ele me perfurava o
coração com o dardo algumas vezes, atingindo-me as entranhas. Quando o
tirava, parecia-me que as entranhas eram retiradas, e eu ficava toda
abrasada num imenso amor de Deus. A dor era tão grande que eu soltava
gemidos, e era tão excessiva a suavidade produzida por essa dor imensa que a
alma não desejava que tivesse fim nem se contentava senão com a presença de
Deus... É um contato tão suave entre a alma e Deus que suplico à Sua bondade
que dê essa experiência a quem pensar que minto".[6]

Ao tratar dessa experiência diz Bergson: "A alma se detém como se ouvisse
uma voz que a chama. Depois ela se deixa levar sempre em frente. Ela não
percebe diretamente a força que a move, mas ela sente a indefinível presença
ou advinha através de uma visão simbólica. Vem então uma imensidade de
alegria, êxtase em que ela se absorve ou arrebatamento que sofre: Deus está
lá presente e ela está Nele. Não há mais mistério! Os problemas se
evanescem, as obscuridades se dissipam. É uma iluminação".[7] "Deus está
presente e a alegria é sem limites". [8]

A presença íntima de Deus na experiência do arrebatamento nada mais é do que
a experiência de intuição do absoluto. O êxtase "é o estado da alma em que
se sente ou se crê sentir-se na presença de Deus, estando iluminado por sua
luz".[9]

Mas, não basta apenas o êxtase. Os grandes místicos sabem que o êxtase é
apenas um estímulo, "que o impulso fora tomado para ir mais longe".[10] Qual
a máquina de aço resistente construída para ser um instrumento de trabalho
pesado, a alma mística quer ser esse instrumento nas "mãos" de Deus: "agora
é Deus que age por ela e nela, a união é total e, por conseguinte,
definitiva".[11]

Há uma superabundância de vida, um impulso imenso, ela "se apercebe de uma
transformação que a eleva a categoria de adjutodes Dei, pacientes em relação
a Deus e agentes em relação aos homens".[12] Iluminado como um sol ela irá
irradiar sua luz não apenas com palavras, pois "para os grandes místicos
trata-se de transformar radicalmente a humanidade, começando por dar o
exemplo".[13]

O grande místico não foge às suas características. Bergson as enumera como a
manifestação "pelo gosto da ação, a faculdade de adaptar-se e de se
readaptar ás circunstâncias, a firmeza junto à maleabilidade, o
discernimento profético do possível e do impossível, um espírito de
simplicidade que triunfa sobre as complicações, enfim, um bom senso
superior. Não é isso precisamente o que encontramos nos místicos de que
falamos? E não poderiam eles servir para a própria definição da robustez
intelectual? ".[14]

Na opinião de Bergson, 
o filósofo deve buscar 
o que o místico encontra. 

A liberdade que uma alma experimenta quando atinge o misticismo coincide com a
atividade divina, é como tornar-se Deus, tornar-se absoluto. A intuição dos
místicos é uma penetração no princípio mesmo da vida, "é uma coincidência
parcial com o esforço criador que manifesta a vida. Esse esforço é de Deus,
senão for o próprio Deus".[15]

A grandiosidade dos místicos está em que ao se encontrarem com Deus vêem
Nele a força da criação, vêem a própria essência de Deus como energia
criadora.

O que existe de mais verdadeiramente filosófico é o encontro com o absoluto,
com o infinito. O coração da filosofia não está na complicação da letra, mas
na simplicidade do espírito.

Os místico realizaram essa experiência, o que leva Bergson a afirmar que o
misticismo é "a mais alta filosofia: os grandes místicos atingiram um salto
que, nós outros, filósofos, nos esforçamos em vão para atingir".[16]

Bergson reconhece que, nós filósofos, não queremos essa perspectiva
maravilhosa que o místico tem, pois tal esforço nos despedaçaria. É porque
nem todo corpo suporta tanta liberdade. Aos homens restam a complicação da
letra, mas aos super-homens, restam a simplicidade da intuição. A
complicação é para muitos, mas a simplicidade é para poucos. É por esse
razão que Bergson afirma ter sido conduzido "à conclusão de que o verdadeiro
super-homem é o místico". [17]

4. CONCLUSÃO
O misticismo constitui o fermento da vida religiosa, o estimulante mais
energético das atitudes heróicas e dos martírios, a fonte inesgotável de
renovação espiritual da humanidade.

As ideologias heróicas e místicas trouxeram o resgate de todas as místicas
geradas pela consciência da própria inferioridade de se sentir incapaz de
renunciar ao comodismo de uma situação em que o risco, a aventura e a
alegria de vencer os mais diversos obstáculos não iluminariam nunca as
nossas vidas privadas de fé, amor e de qualquer sentido original e profundo.

O bergsonismo, de par com a filosofia eckhartiana, vulgarizam o princípio do
movimento, do dinamismo interior que agita os seres e as coisas, da
mobilidade permanente e contínua que consiste, por assim dizer, a própria
alma do universo. Nessas filosofias não há lugar para paradas e interrupções
bruscas que se traduzem na inatividade, na inércia e na morte.

A noção do ser estático, da vida silenciosa, em que o esforço se paralisa
numa espécie de marasmo e de entorpecimento do próprio indivíduo voltado
para si mesmo, escapa a essa dialética da energia ativa que desconhece
qualquer compromisso com a matéria inerte ou com objetos inanimados.
Essas filosofias evoluem necessariamente para a exaltação da vida e para a
liberdade do espírito. São doutrinas do movimento, do tempo real, do impulso
vital e do dinamismo da realidade psíquica, no sentido de compreender e
alargar a própria existência.

Como destaca Bergson, a humanidade tem urgente necessidade de gênios
místicos nos dias de hoje. Através da técnica, o homem ampliou a sua
incisiva ação sobre a natureza na direção de uma industrialismo gigante.
Assim, a mecânica exigiria uma mística necessária para curar os males do
mundo contemporâneo.

Mas, o misticismo vive no espírito de cada homem. Conforme profetiza
Bergson: "se a palavra do grande místico (...) encontra eco em um de nós,
não será porque exista talvez em nós um místico adormecido que só espera a
oportunidade para despertar?". [18]

Os místicos fizeram uma viagem que outros podem fazer de novo de direito,
senão de fato. Desvendaram outra via que outros homens poderão igualmente
palmilhar. Indicam a todos o lugar de onde vinha e o lugar para onde vai a
vida.

Fonte:
O DIALÉTICO
Sejam feliozes todos os seres  Vivam em paz todos os seres
Sejam abençoados todos os seres.

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