quinta-feira, 5 de maio de 2011

O IMPULSO VITAL DA EVOLUÇÃO em BERGSON




O IMPULSO VITAL

ENQUANTO PRINCÍPIO EXPLICATIVO DA EVOLUÇÃO NO

PENSAMENTO BERGSONIANO


Dr. Adelmo José da Silva


Resumo:


O élan vital aparece no pensamento de Henri Bergson 
como o princípio explicativo da evolução da vida 
em todas as suas formas.

Trata-se de um princípio responsável não somente pela evolução da vida até as formas superiores do espírito, mas também pelo nascimento da matéria. Bergson insiste na unidade deste impulso vital que atravessa toda a matéria através de um duplo movimento de criação e de degradação até a matéria. Bergson insiste na unidade deste formas criadas, dando força e impulso ao movimento unitário da vida e sua evolução. Neste trabalho pretendemos refletir acerca do conceito de evolução da vida em Bergson, enquanto fato que ocorre em função desta força, élan vital, que procura a unidade do mundo e que, inclusive, possui a inteligência senão como um de seus aspectos ou produtos.

Foi seguindo o mais perto possível os dados da biologia que Bergson chegou à
concepção de um impulso vital e de uma evolução criadora. 


A evolução da vida surge à primeira vista ao filósofo 
como o resultado natural da luta
entre o espírito e a matéria.

A intuição não tarda em compreender
que a materialidade, como interrupção da tensão vital,
como detenção virtual do impulso, 
como aparição da extensão e da divisão dos entes 
e como inversão da ordem vital 
na ordem estática da matéria,
é, de algum modo, 
presente à própria consciência humana.


A materialidade é, portanto, um movimento. 

A partir deste princípio, a vida não é outra coisa senão esta sede de ascensão. Caso a vida fosse unicamente consciência, seria unicamente uma atividade criadora. Mas ela se esbarra na materialidade e, assim, depara com o limite de sua criatividade


 A vida é um movimento para frente,
e a materialidade é considerada por Bergson 
como o movimento contrário, para traz,
aquilo que complica, a dispersão da vida, 
o que procura deter o fluxo criador. 

Destas duas correntes opostas, a primeira obtém alguma coisa da segunda, resultando daí um modo de vida que é a organização biológica. Esta toma para os nossos sentidos e para a nossa inteligência, a forma de partes extrínsecas umas às outras no mesmo tempo e no espaço, porque fechamos os olhos à unidade do impulso que, através das gerações, une os órgãos aos órgãos, os indivíduos aos indivíduos, as espécies as espécies, e faz de toda a série dos vivos uma única onda que corre através da matéria.

Mas no momento em que nós,
mediante nossa intuição, 
instalamos o esquema solidificado da inteligência 
tudo se põe de novo em movimento e
se resolve no movimento.


Para Bergson é de extrema importância 
esta vitalidade na natureza que se diferencia
radicalmente do aspecto estático.

Haja vista que ao relacionar as duas formas de moral e de religião, este pensador insiste em apontar que, enquanto uma destas formas é marcada pela dinamicidade, a outra o é pela ausência do movimento e pela rigidez. Isto pode ser observado, especialmente quando consideramos que Bergson, ao analisar a natureza em ”L’Évolution Créatrice”, o faz afirmando de que os corpos isolados, estáticos, cujo movimento dá-se por choques, constituem o aspecto inerte da natureza.

Consideramos até aqui os objetos materiais tomados ao acaso. Mas não haverá objetos privilegiados? Dizíamos que a matéria bruta é cortada no próprio tecido da natureza por meio de uma percepção cujas tesouras seguem por assim dizer, o pontilhado das linhas sobre os quais a ação passaria. Mas o corpo que exerce esta ação, o corpo que, antes de levar a cabo ações reais, projeta já sobre a matéria o desenho de suas ações virtuais, o corpo ao qual basta dirigir os seus órgãos sensoriais sobre o fluxo do real para o fazer cristalizar em formas definidas e criar assim todos os outros corpos, o corpo vivo enfim, será um corpo como os outros?



Sem dúvida,
ele consiste em uma porção de extensão
ligada ao resto da extensão, solidária do Todo, 
submissa às mesmas leis físicas e químicas,
que governam qualquer porção da matéria. 
(BERGSON, 1991, p. 504)


A concepção estática da natureza, considerada, sobretudo pelo fato do movimento não se dar no interior do corpo é expresso pelo mecanicismo. Segundo esta corrente, o movimento inerente ao interior do corpo não afeta a sua natureza, mas o desloca, transportando-o de uma posição para outra dentro de um espaço homogêneo. 


Esta é a teoria, que, segundo Bergson, fornece a base teórica para a física mecânica operacionalizar. A ciência e a percepção estabelecem recortes arbitrários do real, e, deste modo, tendem a excluir a realidade da duração. Por aterem-se ao dado presente, verificando pontualmente as diversas configurações acabam não levando em consideração seu prolongamento com o passado, e, com isso, eliminam a duração virtual.

Esse aspecto estático, em hipótese alguma, deve, na visão de Henri Bergson, ser confundido com a materialidade. Isto porque este filósofo não estabelece fronteiras entre matéria e vida, mas somente entre os recortes artificiais produzidos pela inteligência e a vida.

Com relação à explicação darwinista, segundo o qual as diferenças existentes são causadas por fatores causais, exteriores à espécie, capazes de alterar-lhe o código genético, Bergson considera nada reflexiva. Segundo ele, esse tipo de explicação apela para um tipo de raciocínio pouco filosófico à medida que não considera a diferença em seu todo, em seu ser absoluto, mas simplesmente como efeito de um jogo. 


A reflexão bergsoniana
parte da suposição de um ser sinônimo 
de força produtora de diferenças.

Será de fundamental importância pensar um dinamismo interno ao ser, cujo poder consiste num constante criar. Este será o dinamismo, cujo nome é élan vital. Portanto, ele é o esforço ontológico de diferenciação operante no interior dos organismos, das espécies atuais. Deste modo, ao invés de se pensar as diferenças existentes como efeito de causas casuais, pode, sem a menor sombra de dúvida, pensá-las como produção de mudanças em si. 


Do mesmo modo, antes de pensar a vitalidade ontológica como choque ou deslocamento, a reflexão bergsoniana sugere que ela seja pensada em termos de uma mobilidade que passa nos corpos e pelos corpos, uma mobilidade dinâmica e durável. Assim se compreende a mudança dos corpos. Neste sentido, Bergson afirma que:

Esta é, aliás, acompanhada, sem nenhuma dúvida por fenômenos de destruição
orgânica. A estes se apegará uma explicação mecanicista do envelhecimento.
Registrará os fatos da esclerose, a acumulação gradual das substâncias
residuais, a crescente hipertrofia do protoplasma da célula. Mas sob estes efeitos visíveis se esconde uma causa interna. 


A evolução do ser vivo, como a do embrião, 
implica um registro contínuo da duração, 
uma persistência do passado no presente, 
e, conseqüentemente, 
pelo menos uma aparência de memória orgânica.

O estado presente de um corpo bruto depende exclusivamente disto que passou no instante precedente. A posição dos pontos materiais de um sistema definido e isolado pela ciência é determinada pela posição desses mesmos pontos no momento imediatamente anterior. (BERGSON, 1991, p. 510)


A vitalidade constitutiva dos seres vivos 
origina-se do élan vital cuja potência consiste,
especialmente em criar, fazer surgir, gerar. 

Bergson sugere que, assim como a memória pura tende a se atualizar numa diversidade de idéias ou lembranças atuais, o élan vital faz a conversão do ser contraído da duração em uma variedade de formas vivas que são caracterizadas pela mudança contínua.


O esforço do élan vital 
é de ultrapassar as diversidades 
e as formas em direção a uma novidade por vir. 

As formas, na filosofia bergsoniana, não são entes ideais, espirituais, que habitam um mundo como se dá no platonismo. Ao contrário, elas são inferiores, estão alienadas do processo vital que as produziu e por este motivo tendem à materialidade. 

O élan é este movimento de diferenciação do ser, 
o esforço do fazer, enquanto a forma 
é apenas o resultado final desse processo. 

O ser da forma não é substancial,
mas um movimento não criativo, conservador. 
Eis porque a inteligência sente-se à vontade 
quando pensa a forma, o organismo,
ou um sistema fechado

Que essas duas existências, - matéria e consciência -, derivam de uma fonte
comum, isto não me parece duvidoso. Procurei mostrar anteriormente que, se a
primeira é inversa à segunda, se a consciência é a ação que sem cessar se cria e se enriquece enquanto que a matéria é da ação que se desfaz ou que se usa,
nem a matéria, nem a consciência não se explicam por elas mesmas.
(BERGSON, 1991, p. 828)

Como se vê, o conceito de élan vital é tematizado por Bergson como uma ordem que parte do ser virtual, único, e se direciona rumo à pluralidade de tendências atuais. Tudo acontece, como se o ser fosse a mudança, o absoluto que, ao diferenciar-se, divergisse em direções diferentes.


Nessa linha, enfatizando essa perspectiva vitalista,
Bergson se opõe notadamente ao mecanicismo. 

Contrário a esta posição, este filósofo afirma que há distinção de natureza na natureza, pois há repetições que podem ser conhecidas pela inteligência, pois as repetições podem se conhecidas pela inteligência científica e que, portanto, podem ser submetidas à regra, mas há também um outro aspecto, irredutível às regras. É exatamente este aspecto o responsável pela transmissão da vitalidade.

Em “L’Évolution Créatrice”, Henri Bergson coloca em relevo o fato de a natureza não ser redutível aos sistemas artificiais propostos pelas ciências física ou biológica. Bergson provou que é preciso supor, para além das explicações meramente científicas, um élan que atravessando os corpos vivos, vai se diferenciando de si, buscando e produzindo sempre a novidade. 


Este dinamismo vai, naturalmente, deixando para trás o rastro de seu movimento, potente nas formas. O equívoco cometido pela corrente naturalista consiste em aplicar-se a reduzir o todo da natureza a simples coletâneas de formas vivas, esquecendo a força vital que os engendrou. Tanto o mecanicismo, quanto o finalismo tomam a natureza como um dado. Enquanto o primeiro coloca as formas em relação, o segundo estabelece uma finalidade para cada forma. Contra tais reducionismos, Bergson sugere o conceito de élan vital como responsável pela mudança constante que se opera na natureza, bem como pela diferenciação nela existente.

Ao afastar as teorias mecanicistas e finalistas como causas explicativas da evolução dos seres, Bergson opõe-se a elas através de um princípio explicativo do processo evolutivo, o élan vital, o impulso vital, força irresistível e criadora inerente à vida. Este princípio evolutivo do processo evolutivo é o centro de sua concepção vitalista e evolucionista do mundo.

A elaboração de uma visão global da vida e da realidade, propondo a idéia de
evolucionismo cosmológico é encontrado especialmente em “L'Évolution Créatrice”. De acordo com tal elaboração, as teorias da evolução distinguem-se em duas grandes classes, a saber, os mecanicistas e os finalistas.

O evolucionismo mecanicista é bem exemplificado pela teoria de Darwin, na luta pela sobrevivência, um fato como uma mudança casual favorece mais um indivíduo do que outros; e, transmitida por herança aos descendentes, a mudança vantajosa permite a sobrevivência dos mais aptos. Por outro lado, o evolucionismo finalista, para o qual a evolução seguiria um plano determinado e funcional em relação à persecução de um fim, também é teoria determinista e, portanto, mecanicista.

A exemplo da vida da consciência, Bergson afirma que a vida biológica não é a máquina que se repete, sempre idêntica a si mesma, mas é constante e incessante novidade, é criação e imprevisibilidade, é vida sempre nova, que, englobando e conservando todo o passado, cresce sobre si mesma.


A idéia de evolução criadora
nos permite ir além das dificuldades e das falsidades
do mecanicismo e do finalismo.

Pode-se compreender perfeitamente que a relação entre impulso vital e matéria é análogo à existente entre memória e percepção; a vida e a matéria encontram-se ambas na base da evolução. E a história dessa evolução é a história da vida orgânica em seus contínuos esforços e incessantes tentativas para libertar-se da inércia e da matéria.

Concluindo, nesse contexto, a problematização bergsoniana adquire sentido, e pode ser enunciada da seguinte forma: como salvaguardar a independência do ato livre, o poder de invenção própria à consciência e mesmo, como será dito em “L'Évolution Créatrice”, à Vida na esfera da natureza, sem deixar de se considerar a eficácia do conhecimento científico no domínio que lhe é reservado, limitando o anseio positivista, mas ou menos explícito, de alargar a causalidade para o todo do universo?

Rejeitando a extrapolação cientificista, Bergson limita a validade do conhecimento científico à esfera da atualidade material, sem pretender estendê-la para o todo. Essa postura salvaguarda a possibilidade de uma ação livre e criadora, que revela, em última instância, a efetividade virtual-ontológica do espírito.

No entender de Bergson, matéria e espírito não são duas coisas distintas, duas naturezas diferentes, duas substâncias numericamente separadas, elas são na verdade duas tendências, dois tipos de movimentos, dois ritmos que diferem em natureza no interior da mesma experiência. A tendência materializante é responsável por aquilo que há nesta experiência de repetitivo, ao passo que a tendência espiritual por aquilo que nela há de singular. Mas como compreender o estatuto da tendência ou da noção de ritmo? Para esclarecê-lo, é preciso inicialmente mostrar o que implica a noção de mudança, pensada absolutamente.

O esforço de Bergson consiste em partir de algo cuja essência própria é mudar (a duração), ao invés de derivar da coisa estática uma mudança que lhe seria acidental. Pois não existem coisas que mudem, substratos que se alterem: a mudança constitui na verdade a natureza a mais íntima de cada coisa. Esta mudança se faz sem apoio, sem um meio, ela é em si.


As duas direções do movimento
embora divergentes 
coexistem no ato simples de mudar.

Orientando-se ao longo de sua obra por essa intuição fundamental, Bergson mostrará que toda coisa por mais estática que pareça, é atravessada pela mudança, sendo marcada por uma temporalidade que lhe é constitutiva. O tempo é entendido pelo autor de “La Pensée et le Mouvant” como um processo transitório que se faz à medida que se desfaz. Presente em todos os seus livros principais, consiste em considerar sistematicamente na coisa a presença de um movimento próprio. Todo existente é o produto de um processo contínuo de mudança, de um processo incessante de criação do absolutamente novo.


“Existência e Arte” 


- Revista Eletrônica do Grupo PET 
- Ciências Humanas, Estética e Artes da
Universidade Federal de São João Del-Rei 
- Ano II - Número II – janeiro a dezembro de 2006
 Por:
Dr. Adelmo José da Silva
Departamento das Filosofias e Métodos – DFIME / UFSJ

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