O maior filósofo francês do século passado (1859-1940) anda esquecido, apesar de lhe devermos a restituição da liberdade ao mundo da experiência e o papel da intuição no plano do conhecimento. É um pensador de formação inicial evolucionista, por ele superada definitivamente no sentido de uma metafísica concebida sobre novas bases, que procurou estabelecer em fecundo contato com as pesquisas científicas. Vejamos em que sentido surge a metafísica bergsoniana, pondo em equação, preliminarmente, o problema do método.
O pensamento de Bergson, que, sob vários aspectos, assinala o superamento do naturalismo do século XIX, baseia-se numa distinção fundamental entre inteligência e intuição, distinção que sob denominações diversas encontramos em outros sistemas, tão penetrante foi a influência do mestre gaulês. A seu ver, o homem seria senhor de dois modos ou instrumentos fundamentais de conhecer, que seriam de natureza intelectiva um, e de ordem intuitiva o outro. São dois processos que se completam, cada qual dotado de certa qualidade ou de valor próprio. A inteligência é o grande instrumento da ciência, a poderosa alavanca mediante a qual o homem se torna senhor da realidade, subordinando-a a seus fins vitais.
O homem, colocado em face da realidade, procura dominá-la. Domina-a partindo-a, dividindo-a, seccionando-a. O meio de que o homem se serve para o domínio da natureza é a inteligência, que opera por meio de quantificação ou de espacialização. O conhecimento da ciência é quase que conhecimento quantificado, numérico. Bergson, no fundo, aceita a tese de Augusto Comte de que o ideal das ciências é a matemática. Uma ciência é tanto mais exata quanto mais se avizinha do ideal das matemáticas, abrangendo o real em fórmulas e equações.
O conhecimento do físico, do químico ou do astrônomo atinge perfeição extraordinária, porque é suscetível de expressar-se numericamente, em súmulas quantitativas, que partem o movimento e o representam como algo abstrato, cindindo o real em uma sucessão de visões fragmentárias, cuja redução infinitesimal se harmoniza com as exigências do “cálculo”, essencial ao saber positivo. O homem quantifica, em suma, a natureza, para dominá-la, constituindo um sistema convencional de índices quantitativos.
O tempo, por exemplo, que dividimos em minutos e horas, anos e séculos, em si mesmo não possui essas divisões. Somos nós que as inventamos, para adaptá-lo à nossa existência. O homem modela o mundo segundo sua imagem, fragmentando o real graças à inteligência. Esta, que é uma faculdade de fabricar instrumentos destinados a fazer outros instrumentos (des outils à faire des outils) não pode representar a realidade tal como essencialmente é. Observa Bergson, que esse conhecimento fica, de certa maneira, na superfície das coisas. É um conhecimento instrumental, que tem significado e sentido tão-somente porque satisfaz a fins de ordem prática.
Sentimos, no entanto, a necessidade de achegarmo-nos ao ser, sem o intermédio dessas fórmulas numéricas fragmentárias e quantitativas; de entrar em contato direto e imediato com o “real”, o não suscetível de ser partido e quantificado. O real, diz Bergson, é fluido, contínuo e inteiriço. Somos nós que o partimos e fragmentamos. A realidade é “duração pura” sem hiatos e intermitências. Como será possível ao homem atingir aquilo que é em si uno e concreto, todo e contínuo, autêntico, não deturpado? O instrumento de penetração do homem no mundo da durée pure seria a intuição.
A intuição é o processo próprio do filósofo ou do homem enquanto filosofa. A intuição é um modo de conhecer que tem algo do instinto e da emoção, ou, como diz Bergson, é “uma espécie de simpatia espiritual”. O conhecimento intuitivo opera-se diretamente, como uma sondagem no real para coincidir com aquilo que ele tem de concreto, de único, e, por conseguinte, de inefável. Pense-se na atitude espiritual diante dos problemas estéticos, do senso artístico. Compreensão estética não é quantificação numérica, mas é, ao contrário, uma identificação com o próprio objeto contemplado, de maneira que a poesia seria uma forma fundamental, inicial, de compreensão do ser.
Há algo de imaginoso nos conceitos bergsonianos de intuição, de “impulso vital” (élan vital), duração pura (durée pure), etc. Aliás, Bergson deve, em grande parte, o sucesso e a grande repercussão de sua doutrina à sua poderosa capacidade expressional. Não conheço filósofo moderno que tenha sido capaz de escrever filosofia com tanta beleza e riqueza de imagens como Bergson e Nietzsche, os dois pensadores que elevaram a filosofia a uma expressão estética fundamental, reconduzindo-a à beleza reveladora do modelo platônico.
Bergson dá-nos um exemplo ou uma imagem interessante para distinguir-se inteligência de intuição. Analisemos o conhecimento de uma cidade. Podemos conhecer Rio de Janeiro ou Paris por meio de plantas, guias, fotografias. Obtemos fotografias precisas dos quarteirões, das principais praças e monumentos, lemos guias, decoramos nomes de ruas, estudamos a situação das igrejas, dos museus e dos teatros.
Eis um conhecimento típico da inteligência, pela contemplação de fragmentos, pela composição daquilo que previamente se dividiu e se separou. Este é um conhecimento puramente intelectual. Comparemo-lo, no entanto, com o conquistado por quem vai morar na cidade, põe-se em contato com suas ruas, com suas casas, com sua gente, não fica na visão fragmentária do todo, mas se insere naquilo que é insuscetível de divisão e de fragmentação.
Quem vive assim na cidade penetra no coração da realidade urbana. É um conhecimento por dentro, não por fora apenas, um intus ire, um ir dentro da coisa, para surpreendê-la no que ela possui no íntimo, ou seja, na sua natureza genuína.
A intuição, portanto, é uma via de acesso direta ao real de maneira que o homem se identifique com o real concreto, com a “duração pura”.
Outra contribuição decisiva de Bergson consistiu em ter restituído a liberdade à experiência existencial, ultrapassando a posição de Emmanuel Kant, para quem a liberdade seria uma conseqüência do dever, do imperativo categórico, segundo a fórmula: “tu deves, logo podes”. Para Bergson, ao contrário, a liberdade, como autodeterminação, é a condição mesma da existência. Pelos motivos expostos, Bergson pode ser considerado o ponto de partida tanto do intuicionismo fenomenológico de Husserl, como do existencialismo de Heidegger.
13/09/2003
Intuição significa para Bergson apreensão imediata da realidade por coincidência com o objeto. Em outras palavras, é a realidade sentida e compreendida absolutamente de modo direto, sem utilizar as ferramentas lógicas do entendimento: a análise e a tradução.
Diferencia-se da inteligência que, apropriando-se do mundo através de ferramentas, calcula e prevê intervalos do mesmo plano espaço-temporal; a intuição, ao contrário, penetra no interior da vida coincidindo com o real imediatamente. Dizemos, portanto, que o real passou a ser conhecido pela metafísica como, ao modo de Descartes, numa certeza imanente ao próprio ser do sujeito cognoscente.
A intuição é uma forma de conhecimento que penetra no interior do objeto de modo imediato, isto é, sem o ato de analisar e traduzir. A análise é o recorte da realidade, mediação entre sujeito e objeto. A tradução é a composição de símbolos linguísticos ou numéricos que, analogamente a primeira, também servem de mediadores. Ambas são meios falhos e artificiais de acesso a realidade. Somente a intuição pode garantir uma coincidência imediata com o real sem o uso de símbolos nem da repartições analíticas.
A intuição pode ser entendida, portanto, como uma experiência metafísica.
Intuicionismo
Bergson foi o expoente da linha de filosofia intuicionista, assim chamada porque afirma constituir o verdadeiro conhecimento não nos conceitos abstratos, do intelecto racionalmente, mas na apreensão imediata, na intuição, como é evidenciado pela experiência interior.
Segundo o filósofo, há dois caminhos para conhecer o objeto, duas formas de conhecimento, diversas e de valores desiguais: mediante o conceito e mediante a intuição.
A forma mediante o conceito é o caminho dos conceitos, dos juízos, silogismos, análise e síntese, dedução e indução; a segunda forma é o da intuição imediata que nos proporciona o conhecimento intrínseco, concreto, absoluto.[6]
Bergson conceitua a intuição
como a faculdade suprema do impulso vital (élan vital)
e faculdade cognoscitiva do filósofo.
Segundo o filósofo, "hoje, só raramente e com grande esforço, podemos chegar à intuição; no entanto a humanidade chegará um dia a desenvolver a intuição de tal modo que será a faculdade ordinária para conhecer as coisas. Então, desaparecerão todas as escolas filosóficas e haverá uma só filosofia verdadeira conhecedora da verdade e do ser absoluto."
Bergson foi, também, um dos primeiros a fazer referência ao inconsciente.
Pablo Picasso
Li
Fonte:
http://www.miguelreale.com.br/artigos/bergson.htm
Wikipédia
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