quarta-feira, 20 de junho de 2012

DEUS NO BERGSONISMO : PARA PENETRAR A VERDADE - Bruno Tolentino


Padre Maurílio Teixeira-Leite Penido: palavras precisas, para penetrar a verdade

Bruno Tolentino

Primeiro grande filósofo do Brasil e um de seus mais finos teólogos, o padre Maurílio Teixeira-Leite Penido nasceu em Petrópolis em 1895 e foi educado em Paris, Roma e Suíça, de 1906 a 1921. Autor cedo celebrado no meio intelectual europeu, em especial no “entre deux guerres”, até hoje seus textos enriquecem o currículo do ensino de filosofia em inúmeras universidades do Velho Mundo, notadamente Louvain e Friburgo, onde se doutorou e exerceu o magistério entre 1927 e 1938.

A redação penidiana primou sempre pela clareza, pela lógica e comunicabilidade da frase, sem prejuízo da elevação das idéias.

De seus textos
 salta de imediato o pensamento do escritor,
 sem nada de rígido, pesado, monótono ou difuso.

 De quando em vez, alguns toques de poesia, e uma quase imperceptível, fina ponta de ironia, no que se revelava mais próximo do seu amado e reverenciado Machado de Assis, talvez, do que de Bossuet ou Maritain. De fácil compreensão, conquanto exaustivamente metódico no desenvolvimento das idéias, Penido jamais publicava o que quer que fosse sem antes redigi-lo várias vezes, nunca menos de três, a julgar pelos manuscritos que dele se conhecem.

Quando em 1938 o Cardeal Leme, instado por Alceu de Amoroso Lima, seu fiel admirador, convidou-o a organizar e ocupar a Cátedra de Filosofia da recém-fundada Universidade do Distrito Federal, Padre Penido transferiu-se para o Brasil, onde viveria por mais três frutuosas décadas, sem jamais amoldar-se ao gosto local da superficialidade e do improviso. Mas ele mesmo não se privava de ironizar essa peculiar qualidade sua: “Nota Baruzi como um dos traços fundamentais de São João da Cruz o horror à dispersão. É, infelizmente, o único ponto em que me assemelho ao Santo. [...] 

A irremediável logorréia de que sofrem os povos de cultura mediterrânea acumula comparações, amontoa epítetos, muitas vezes com arte, quase nunca com acribia. É tão mais fácil deixar-se arrebatar pelo entusiasmo, em vez de averiguar, com minúcia, até que ponto cada vocábulo traduz a realidade objetiva. Afinal de contas, não passam de palavras, sons vazios, e tempo perdido. A acribia, ao contrário, é uma virtude. Horror ao vago, ao impreciso, esforço constante por atribuir o maior rigor possível à expressão; trabalho penoso e árido que não seduz a imaginação, menos ainda a afetividade; trabalho compensador, todavia, porquanto contribui a imunizar contra o erro, a penetrar a verdade”.

À paixão da veracidade, sua nota dominante, o estilo penidiano agregava aquela segurança e atratividade nem sempre encontrada em tantos escritores ilustres. Saudando seu segundo livro, Le Rôle de l’Analogie en théologie dogmatique (Felix Alcan, Paris, 1931), Benoit Lavaud escrevia: “...é um raro mérito, cuja ausência muitas vezes deploramos em obras de resto excelentes e luminosas, saber unir, à segurança e à precisão, a elegância sóbria do estilo, e, quando necessário, um pouco de humor”. Cinco anos mais tarde, Jacques Maritain acabava de consagrar o autor, cujo terceiro livro, Dieu dans le Bergsonisme (Desclée de Brouwer, Paris, 1936) não hesitava em considerar magistral, sem descuidar de louvar-lhe o estilo: “Com uma apresentação literária impecável e pura, o livro é daqueles que se lêem com apaixonado interesse”. Ao que acrescentava Gustave Thibon: “...se aproveitamos sem reservas a clareza das distinções e das sínteses operadas (é porque) o estilo está à altura do pensamento. Seu autor atingiu um grau de nitidez e de riqueza que poucos escritos filosóficos possuem”.

Não há como ser exagerada a urgência de uma atenção renovada à riqueza e à profundidade de uma obra sem par entre nossos compatriotas, e em tantos aspectos pioneira, obra que tanto honrou o nome do país no exterior quanto enriqueceu as mais altas instâncias do saber, coisa tão escassamente cultivada entre nós. Neste primeiro esboço de apresentação ao leitor daquele brasileiro que se constituiu num marco do mais alto teor de nosso pensamento, nos limitamos a informar os que dela não se inteiraram ainda (e por quê?) de um fato capital para o desenvolvimento da filosofia moderna, e certamente um dos mais eletrizantes duelos filosóficos no mundo europeu do novecentos. Trata-se do trabalho de crítica profunda e detalhada com que nosso conterrâneo, com dois livros e alguns ensaios em revistas especializadas, efetivamente virou pelo avesso, senão a reputação, certamente a crescente e derrapante influência de um dos mais ilustres, originais e celebrados filósofos do século XX, Henri Bergson.

Ao publicar o acima citado Dieu dans le Bergsonisme na Paris de 1936, Penido não imaginava que aquele seu terceiro livro dele faria instantaneamente uma celebridade européia. Afinal, voltava a um velho assunto, abordava pela segunda vez o pensamento do notável filósofo, verdadeira coqueluche já então por quase meio século. Ademais, ao fazê-lo já quarentão, julgava severamente seus primeiros ensaios sobre um tema que apaixonava os melhores espíritos da época. Alheio ao fato, por si só raríssimo, de que sua aguda tese para o doutorado de filosofia em Friburgo, La méthode intuitive de M. Bergson: un essai critique (Felix Alcan, Paris, 1918) havia sido recebida na mais ilustre casa de saber da Europa com a classificação “summa cum laude”, Penido escrevia em 1936: 

“Tendo outrora consagrado um livro inteiro a este exame interior do bergsonismo, cremos não ignorar o que foi feito. Não obstante confessamos ingenuamente não ter desejo algum de recomeçar. Essa espécie de exercício parece-nos permitido na extrema juventude – era o nosso caso –, ou aos historiadores da filosofia. Mas tais exercícios tornam-se rigorosamente impossíveis a quem quer discutir como filósofo. Como filósofo, não como diletante”.


A Editora da PUC-RS iniciou em 2000 a publicação das obras completas de
 padre Maurílio Teixeira-Leite Penido com: Deus no bergsonismo. 
 Introdução e tradução de Dom Odilão Moura, OSB.
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Pablo Picasso
Li
 Fonte:
http://www.pucsp.br/fecultura/textos/fe_razao/17_padre_maurideo.html
 

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